1. Introdução
A história da organização política pode ser compreendida como uma sucessão de formas estatais, cada qual fundada em um princípio de legitimidade que responde a crises anteriores. Philip Bobbitt, em A Guerra e a Paz na História Moderna (The Shield of Achilles), oferece uma tipologia dessas formas constitucionais do Estado: do Estado-príncipe ao Estado de mercado, passando pelo territorial, dinástico, estatístico e nacional.
Entretanto, para além dessa cronologia, é possível identificar um fenômeno embrionário de natureza espiritual e comunitária, que chamaremos de nacionismo em Cristo. Trata-se da percepção de que dois ou mais países podem ser vistos como um mesmo lar em Cristo, por Cristo e para Cristo. Esta experiência ainda habita o campo do encoberto, ou seja, não se manifesta no campo do Direito Internacional Público ou Privado, e só se revelará plenamente quando amadurecer no tempo de Deus1.
2. O conceito de “estadística” em Bobbitt
O termo estadística, utilizado por Bobbitt, não corresponde à “estatística” moderna (probabilidades ou tabelas), mas retoma o sentido original da palavra alemã Statistik, do século XVIII, como conhecimento das coisas do Estado2.
O Estado estadístico sucede o Estado dinástico e precede o Estado nacional. Seu fundamento de legitimidade reside na centralização burocrática e na racionalização administrativa:
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consolidação de exércitos permanentes;
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codificação do direito;
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padronização fiscal e tributária;
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formação de uma máquina administrativa eficiente.
Essa forma de Estado não é nacionalista nem democrática: é uma etapa histórica em que a racionalidade administrativa e a gestão do poder militar sustentam a soberania3. Da mesma forma, compreender o nacionismo embrionário exige uma espécie de “estadística espiritual”: discernir o que está encoberto, o que ainda não se manifesta, mas que pode amadurecer em Cristo no tempo oportuno.
3. O nacionismo em Cristo como fenômeno embrionário
O nacionismo em Cristo surge da experiência comunitária de fiéis que, apesar de viverem em países distintos, se reconhecem como parte de uma pátria espiritual comum4. Essa percepção ainda está no campo privado, manifestando-se em:
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famílias que transmitem a fé;
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comunidades religiosas transnacionais;
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redes de solidariedade, comércio e missão.
Como fenômeno embrionário, ele permanece no encoberto: não se vê na superfície das relações políticas ou jurídicas, mas sua existência prepara a possibilidade de expressão futura5. Seguindo Bastiat, é fundamental distinguir o que se vê (ações visíveis e codificadas) e o que não se vê (consequências ocultas e potenciais)6. Nesse sentido, o nacionismo privado é uma semente, cuja maturidade só se revela no tempo de Deus.
4. Comunidades imaginadas versus comunidades reveladas
Enquanto as comunidades imaginadas (Anderson) são construídas por projeção humana, ideologia ou cultura, as comunidades reveladas amadurecem em Cristo e se manifestam plenamente apenas quando o tempo divino chega7.
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Comunidades imaginadas: surgem da percepção humana de pertencimento, mas dependem da construção social e política.
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Comunidades reveladas: surgem da realidade espiritual e do discernimento da verdade em Cristo; só se tornam visíveis quando amadurecem plenamente.
O nacionismo em Cristo, enquanto embrionário, pertence a este segundo tipo: ele é invisível às instituições e só se manifesta publicamente quando atinge maturidade espiritual e histórica.
5. A monarquia como processo de familiarização do Estado
A Monarquia é a forma de governo que mais claramente transforma o privado em público, da família em Estado. O rei atua como pater patriae, incorporando a unidade espiritual do povo8.
Nesse contexto:
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alianças e tratados refletem vínculos espirituais;
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a proteção da fé e da herança espiritual se torna objeto de política pública;
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o nacionismo privado se projeta em legitimidade pública, podendo influenciar o Direito Internacional e as Relações Internacionais.
Assim, o encoberto do nacionismo se torna visível e efetivo apenas quando o monarca trata o povo como família ampliada.
6. Relações Internacionais e Direito Internacional Público
Enquanto permanece no âmbito privado, o nacionismo se manifesta em práticas discretas: hospitalidade, peregrinações e redes de confiança9.
Com a Monarquia, ele se torna relevante para a esfera internacional:
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alianças militares e diplomáticas podem ser justificadas pela defesa da fé;
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o Direito Internacional reconhece vínculos espirituais;
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a legitimidade do poder se baseia na pertença familiar ampliada.
A maturidade da comunidade revelada transforma o encoberto em realidade histórica, revelando o que antes só podia ser intuído.
7. Comparação com as formas de Estado de Bobbitt
No esquema de Bobbitt, cada forma de Estado responde a uma crise de legitimidade. O nacionismo em Cristo, enquanto embrionário, é uma pré-forma cultural:
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privado: semente de legitimidade;
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monarquia: formalização em instituições públicas;
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futuro: possível forma constitucional transnacional, superando o Estado-nação10.
Se a estadística corresponde ao Estado como racionalidade administrativa, o nacionismo em Cristo é a estadística espiritual, que permite perceber o encoberto e discernir a maturidade futura.
8. Conclusão
O nacionismo em Cristo evidencia como fenômenos privados e comunitários podem ser precursores de novas formas de legitimidade política. Ele se encontra inicialmente no campo do encoberto, sujeito ao tempo de Deus, e só se manifesta plenamente quando amadurece em Cristo.
Assim, podemos articular:
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Comunidades imaginadas: produto humano, temporário e visível;
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Comunidades reveladas: amadurecem em Cristo, inicialmente invisíveis, revelando-se em tempo divino;
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Estadística de Bobbitt: olhar que permite compreender estruturas e transições;
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Nacionismo embrionário: semente espiritual que, com a Monarquia, torna-se público e politicamente relevante.
Referências
ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
BOBBITT, Philip. A Guerra e a Paz na História Moderna: O Escudo de Aquiles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Direito, Estado e Liberdade: ensaios de teoria jurídica, filosofia do direito e política. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
SANTO AGOSTINHO. A Cidade de Deus. Petrópolis: Vozes, 2012.
Notas de Rodapé
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O conceito de encoberto remete à distinção entre realidade visível e invisível, destacando que fenômenos embrionários só se manifestam plenamente no tempo divino. Cf. SANTO AGOSTINHO, A Cidade de Deus, XIX. ↩
-
Statistik designava a ciência de governo, população, finanças e guerra; não se referia a números ou probabilidades. Cf. BOBBITT, 2003, p. 139-145. ↩
-
O Estado estadístico sustenta-se na eficiência administrativa e militar, não na legitimidade popular. ↩
-
Inspirado na noção paulina de Corpo Místico de Cristo, 1Cor 12,12-27. ↩
-
Bastiat destaca a necessidade de discernir efeitos indiretos e invisíveis das ações humanas. Cf. BASTIAT, 2002. ↩
-
Idem. ↩
-
ANDERSON, 2016; comparação entre comunidades imaginadas e reveladas destaca maturidade espiritual versus construção humana. ↩
-
No direito romano e na tradição medieval, o monarca é pater patriae. ↩
-
Exemplos históricos incluem a Liga Hanseática, cuja confiança mútua se apoiava em valores religiosos compartilhados. ↩
-
Hipótese de forma constitucional transnacional inspirada no nacionismo em Cristo, ainda sem precedente histórico direto. ↩
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