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terça-feira, 26 de agosto de 2025

Locadoras, Pirataria e Indústria Cultural: Brasil e Japão nos anos 80 e 90

Introdução

A década de 1990 foi marcada pela consolidação dos videogames como um dos principais meios de entretenimento global. Entretanto, o acesso e a forma como os jogos circularam variaram radicalmente de país para país. No Brasil, as locadoras de jogos, a lei da informática e a cultura de contrabando do Paraguai moldaram uma experiência profundamente distinta daquela vivida no Japão, onde o governo e a indústria optaram por proibir a locação de jogos, protegendo os direitos autorais de forma rigorosa.

O contraste revela como escolhas políticas e culturais definiram o futuro da indústria: enquanto o Japão se consolidou como centro de inovação e produção, o Brasil se tornou consumidor periférico, marcado por uma cultura de pirataria e informalidade.

O caso brasileiro: a economia paralela dos games

Locadoras de Jogos

As locadoras de videogame foram um fenômeno cultural brasileiro dos anos 90. Seguindo o modelo das videolocadoras, permitiam que jogadores alugassem cartuchos de NES, SNES, Mega Drive ou CDs de PlayStation, democratizando o acesso em um país onde os preços dos jogos originais eram proibitivos. Além do aluguel, muitas lojas ofereciam também o console para jogar por hora no próprio estabelecimento.

Apesar de seu papel social, as locadoras operavam numa zona cinzenta legal: o aluguel de software de entretenimento não era regulado de forma clara, e sua lógica reduzia o potencial de vendas diretas de jogos.

Lei da Informática

Criada em 1984, a Lei da Informática restringia a importação de hardware e software estrangeiro, com o objetivo de estimular a indústria nacional de tecnologia. Na prática, a medida gerou uma proliferação de consoles clones (como o Phantom System ou o Dynavision) e jogos piratas, já que não havia canais oficiais de distribuição robustos.

Essa lei consolidou no imaginário do consumidor brasileiro a ideia de que cópias e adaptações eram soluções aceitáveis, enfraquecendo a cultura de valorização do produto original.

Cultura Sacoleira e Pirataria

O comércio informal no Paraguai completava o quadro. Era comum que brasileiros atravessassem a fronteira em busca de cartuchos, acessórios e até mesmo equipamentos para copiar ROMs de jogos alugados. A partir de um aluguel, o jogador podia gerar uma cópia permanente para si — uma prática vista como normal, já que, legalmente, a cópia para uso pessoal raramente era punida.

Essa dinâmica gerava uma contradição: o consumidor acreditava que estava dentro da legalidade ao copiar para si, mas ao mesmo tempo minava tanto a indústria oficial quanto as próprias locadoras, que perdiam relevância.

O caso japonês: proteção e consolidação da indústria

No Japão, a trajetória foi radicalmente diferente. Desde meados dos anos 80, a locação de jogos foi explicitamente proibida por lei. As razões principais foram:

  1. Proteção da indústria – impedir que o aluguel substituísse a compra de jogos.

  2. Defesa da propriedade intelectual – a legislação de copyright japonesa foi aplicada de modo rígido ao software de entretenimento.

  3. Prevenção da pirataria – evitar que os jogos circulassem fora do controle das empresas, especialmente com a chegada da mídia óptica.

Essa postura consolidou uma cultura de consumo original e de colecionismo, na qual o valor do jogo estava vinculado à sua autenticidade. O resultado foi que empresas como Nintendo, Sega, Sony, Square, Capcom e Konami prosperaram, transformando o Japão no polo mundial da inovação em videogames durante os anos 80 e 90.

Comparação: Brasil x Japão  

Aspecto Brasil Japão
Locadoras Populares, democratizaram o acesso, mas funcionavam em zona cinzenta legal Proibidas por lei para proteger a indústria
Legislação Lei da Informática gerou clones e pirataria Leis rígidas de copyright aplicadas a jogos
Acesso ao consumo Via contrabando (Paraguai), pirataria e cópia de ROMs Compra direta de produtos originais
Cultura resultante Jogos vistos como bens facilmente copiáveis Jogos vistos como bens culturais a serem preservados e colecionados
Impacto na indústria Falta de ecossistema produtivo nacional; apenas consumo Consolidação de grandes empresas e inovação mundial

Conclusão

Enquanto o Brasil construiu uma cultura de acesso pela informalidade — locadoras, clones, contrabando e pirataria —, o Japão optou por uma cultura de proteção industrial e valorização do produto original.

A curto prazo, o modelo brasileiro democratizou o acesso e marcou a infância de milhões de jogadores. No entanto, a longo prazo, impediu a criação de um mercado formal robusto e de uma indústria nacional de games. Já o modelo japonês, embora restritivo, garantiu a acumulação de capital e a inovação que transformaram o país no epicentro global dos videogames.

A “sabedoria japonesa” esteve em reconhecer que jogos não eram apenas brinquedos, mas ativos culturais e econômicos estratégicos. O Brasil, por outro lado, ficou preso à lógica do consumo periférico, sem conseguir converter sua enorme base de jogadores em potência produtiva.

📚 Bibliografia e Referências

  • Lemos, Ronaldo. Direito, Tecnologia e Cultura: A Sociedade da Informação e a Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: FGV, 2005.

  • Kent, Steven L. The Ultimate History of Video Games. New York: Three Rivers Press, 2001.

  • Schoueri, Luís Eduardo. Direito Tributário e Informática. São Paulo: Dialética, 1995.

  • Consalvo, Mia. Atari to Zelda: Japan's Videogames in Global Contexts. Cambridge: MIT Press, 2016.

  • Hock, Ranier. A indústria dos games no Brasil: história, cultura e mercado. São Paulo: Alameda, 2017.

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