Introdução
A década de 1990 foi marcada pela consolidação dos videogames como um dos principais meios de entretenimento global. Entretanto, o acesso e a forma como os jogos circularam variaram radicalmente de país para país. No Brasil, as locadoras de jogos, a lei da informática e a cultura de contrabando do Paraguai moldaram uma experiência profundamente distinta daquela vivida no Japão, onde o governo e a indústria optaram por proibir a locação de jogos, protegendo os direitos autorais de forma rigorosa.
O contraste revela como escolhas políticas e culturais definiram o futuro da indústria: enquanto o Japão se consolidou como centro de inovação e produção, o Brasil se tornou consumidor periférico, marcado por uma cultura de pirataria e informalidade.
O caso brasileiro: a economia paralela dos games
Locadoras de Jogos
As locadoras de videogame foram um fenômeno cultural brasileiro dos anos 90. Seguindo o modelo das videolocadoras, permitiam que jogadores alugassem cartuchos de NES, SNES, Mega Drive ou CDs de PlayStation, democratizando o acesso em um país onde os preços dos jogos originais eram proibitivos. Além do aluguel, muitas lojas ofereciam também o console para jogar por hora no próprio estabelecimento.
Apesar de seu papel social, as locadoras operavam numa zona cinzenta legal: o aluguel de software de entretenimento não era regulado de forma clara, e sua lógica reduzia o potencial de vendas diretas de jogos.
Lei da Informática
Criada em 1984, a Lei da Informática restringia a importação de hardware e software estrangeiro, com o objetivo de estimular a indústria nacional de tecnologia. Na prática, a medida gerou uma proliferação de consoles clones (como o Phantom System ou o Dynavision) e jogos piratas, já que não havia canais oficiais de distribuição robustos.
Essa lei consolidou no imaginário do consumidor brasileiro a ideia de que cópias e adaptações eram soluções aceitáveis, enfraquecendo a cultura de valorização do produto original.
Cultura Sacoleira e Pirataria
O comércio informal no Paraguai completava o quadro. Era comum que brasileiros atravessassem a fronteira em busca de cartuchos, acessórios e até mesmo equipamentos para copiar ROMs de jogos alugados. A partir de um aluguel, o jogador podia gerar uma cópia permanente para si — uma prática vista como normal, já que, legalmente, a cópia para uso pessoal raramente era punida.
Essa dinâmica gerava uma contradição: o consumidor acreditava que estava dentro da legalidade ao copiar para si, mas ao mesmo tempo minava tanto a indústria oficial quanto as próprias locadoras, que perdiam relevância.
O caso japonês: proteção e consolidação da indústria
No Japão, a trajetória foi radicalmente diferente. Desde meados dos anos 80, a locação de jogos foi explicitamente proibida por lei. As razões principais foram:
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Proteção da indústria – impedir que o aluguel substituísse a compra de jogos.
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Defesa da propriedade intelectual – a legislação de copyright japonesa foi aplicada de modo rígido ao software de entretenimento.
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Prevenção da pirataria – evitar que os jogos circulassem fora do controle das empresas, especialmente com a chegada da mídia óptica.
Essa postura consolidou uma cultura de consumo original e de colecionismo, na qual o valor do jogo estava vinculado à sua autenticidade. O resultado foi que empresas como Nintendo, Sega, Sony, Square, Capcom e Konami prosperaram, transformando o Japão no polo mundial da inovação em videogames durante os anos 80 e 90.
Comparação: Brasil x Japão
| Aspecto | Brasil | Japão |
|---|---|---|
| Locadoras | Populares, democratizaram o acesso, mas funcionavam em zona cinzenta legal | Proibidas por lei para proteger a indústria |
| Legislação | Lei da Informática gerou clones e pirataria | Leis rígidas de copyright aplicadas a jogos |
| Acesso ao consumo | Via contrabando (Paraguai), pirataria e cópia de ROMs | Compra direta de produtos originais |
| Cultura resultante | Jogos vistos como bens facilmente copiáveis | Jogos vistos como bens culturais a serem preservados e colecionados |
| Impacto na indústria | Falta de ecossistema produtivo nacional; apenas consumo | Consolidação de grandes empresas e inovação mundial |
Conclusão
Enquanto o Brasil construiu uma cultura de acesso pela informalidade — locadoras, clones, contrabando e pirataria —, o Japão optou por uma cultura de proteção industrial e valorização do produto original.
A curto prazo, o modelo brasileiro democratizou o acesso e marcou a infância de milhões de jogadores. No entanto, a longo prazo, impediu a criação de um mercado formal robusto e de uma indústria nacional de games. Já o modelo japonês, embora restritivo, garantiu a acumulação de capital e a inovação que transformaram o país no epicentro global dos videogames.
A “sabedoria japonesa” esteve em reconhecer que jogos não eram apenas brinquedos, mas ativos culturais e econômicos estratégicos. O Brasil, por outro lado, ficou preso à lógica do consumo periférico, sem conseguir converter sua enorme base de jogadores em potência produtiva.
📚 Bibliografia e Referências
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Lemos, Ronaldo. Direito, Tecnologia e Cultura: A Sociedade da Informação e a Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: FGV, 2005.
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Kent, Steven L. The Ultimate History of Video Games. New York: Three Rivers Press, 2001.
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Schoueri, Luís Eduardo. Direito Tributário e Informática. São Paulo: Dialética, 1995.
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Consalvo, Mia. Atari to Zelda: Japan's Videogames in Global Contexts. Cambridge: MIT Press, 2016.
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Hock, Ranier. A indústria dos games no Brasil: história, cultura e mercado. São Paulo: Alameda, 2017.
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