Pesquisar este blog

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

O Espírito do Turista e O Espírito do Peregrino

A crise do Ocidente não se manifesta apenas nas instituições políticas ou nas economias fragilizadas, mas sobretudo no modo de vida das pessoas. A frivolidade tornou-se uma espécie de norma social: em vez de encarar as responsabilidades que a História nos impõe, muitos preferem a distração, a fuga e o consumo incessante de experiências.

Um dos símbolos mais claros dessa atitude é a obsessão contemporânea por viajar. O mundo transformou-se em mercadoria, e a identidade de muitos passou a depender da capacidade de mostrar-se constantemente em movimento. Trata-se do que podemos chamar de espírito do turista: alguém que vagueia não para encontrar, mas para escapar; não para servir, mas para ser visto.

O turista: fuga da crise e busca de aprovação

O turista moderno é um produto da sociedade de consumo. Ele viaja mais para acumular imagens do que para acumular sabedoria; mais para se projetar do que para se transformar. Ao postar incessantemente fotos em redes sociais, ele procura a aprovação dos outros — os “likes” tornam-se um substituto de raízes, quase um sacramento profano que valida sua existência.

Esse espírito é incapaz de encarar a solidão, porque no silêncio encontra-se o vazio interior que prefere ignorar. E é justamente na solidão, como recorda Santo Agostinho nas Confissões, que a alma pode “retornar a si mesma” e finalmente ouvir a voz de Deus. Quem foge da solidão foge do encontro com o Bem supremo.

Mais grave ainda: o turista ignora a crise que permeia sua própria terra. Enquanto o Brasil e o Ocidente enfrentam convulsões morais, jurídicas e culturais, ele prefere se alienar em mais um destino exótico. Tocqueville já advertia em A Democracia na América que as massas democráticas tendem a buscar refúgios privados — lazeres, confortos, distrações — para não enfrentar a responsabilidade pública. O turista encarna esse movimento em grau máximo.

O peregrino: busca de sentido e serviço a Deus

Em contraste, há o espírito do peregrino. O peregrino também viaja, mas seu movimento é radicalmente distinto: ele caminha em busca do sentido da vida, carregando consigo as dores e as responsabilidades de seu tempo. Sua viagem é uma escola de silêncio e de entrega.

O peregrino não precisa de plateia; ele se basta no diálogo com Deus. Jacó, Abraão, os apóstolos — todos foram peregrinos em terras estrangeiras, não para fugir de sua missão, mas para cumpri-la. A Igreja sempre compreendeu a vida cristã como uma peregrinação: caminhamos neste mundo como estrangeiros, orientados para a Pátria Celeste.

Josiah Royce, em The Philosophy of Loyalty, lembrava que a fidelidade verdadeira é sempre voltada a uma causa maior que o indivíduo. O peregrino é fiel à verdade, ao bem e a Deus, mesmo que caminhe em terras estranhas e desconhecidas. O turista, ao contrário, é fiel apenas ao próprio prazer e à sua imagem.

O Ocidente precisa de peregrinos, não de turistas

O Ocidente atravessa uma crise que exige maturidade espiritual, responsabilidade histórica e coragem de assumir a verdade — ainda que isso custe aplausos e comodidades. O espírito do turista, que vive de fuga e aprovação, só agrava o problema. O espírito do peregrino, ao contrário, é capaz de transformar a crise em ocasião de santidade e reconstrução.

O turista multiplica fotografias; o peregrino multiplica testemunhos.
O turista consome; o peregrino serve.
O turista foge da solidão; o peregrino encontra Deus nela.

É por isso que desconfiar de quem só pensa em viajar sem dar atenção à gravidade do nosso tempo não é preconceito: é discernimento. O futuro não será construído por turistas — mas por peregrinos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário