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quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Da geometria euclidiana à economia relacional: Uma leitura à luz dos méritos de Cristo

1. Introdução

A geometria euclidiana fornece conceitos fundamentais — ponto, linha e plano — que, transpostos para a análise econômica e social, oferecem analogias poderosas para compreender a interação entre indivíduos. O presente artigo propõe uma releitura desses conceitos a partir da economia austríaca, da teologia cristã e do pensamento moral, de modo a mostrar como o individualismo metodológico pode dar lugar a uma economia relacional e salvífica.

2. O ponto: indivíduo e circunstâncias

Em Euclides, o ponto é um dado irredutível, sem dimensão, mas com posição definida (HEATH, 1956). Na economia, tal como no individualismo metodológico da Escola Austríaca, o ponto corresponde ao indivíduo concreto, situado em determinadas circunstâncias. Ludwig von Mises (2010) afirma que “toda ação é de um indivíduo”¹, o que reforça a centralidade da pessoa como unidade de análise.

No entanto, o indivíduo, na perspectiva cristã, nunca está absolutamente só: vive sob o olhar de Deus, que, como observa Frédéric Bastiat, nos obriga a considerar “o que se vê e o que não se vê” (BASTIAT, 1996), ou seja, não apenas os efeitos imediatos e visíveis das ações, mas também suas consequências ocultas e espirituais. A presença divina impede o autoengano e garante que a pessoa seja, de fato, persona — um ser relacional e moral.

3. A linha reta: relação entre dois pontos

Na geometria, a menor distância entre dois pontos é uma linha reta. Analogamente, quando dois indivíduos compartilham a mesma fé e rejeitam as mesmas coisas por amor a Cristo, estabelece-se entre eles uma relação direta, reta e transparente. Não há atalhos utilitários ou manipulação, mas sim uma ligação fundada na verdade e na caridade.

A tradição moral cristã, desde Santo Tomás de Aquino, enfatiza que a amizade perfeita (amicitia perfecta) é aquela fundada no bem honesto, o qual é buscado por si mesmo e não por interesse (AQUINO, Suma Teológica, II-II, q. 23, a. 1). Assim, a “linha reta” das relações humanas corresponde à fidelidade mútua e à justiça, o que redefine a própria noção de mercado: este não é apenas espaço de trocas, mas de comunhão.

4. O plano: relação entre três pessoas

Três pontos não colineares definem um plano. No plano espiritual e social, quando duas pessoas se unem e a terceira presença é Deus, tem-se a estrutura estável do casamento, compreendido na tradição cristã como actum trium personarum².

Essa configuração pode ser ampliada para todas as relações humanas que, tendo Deus como fundamento, se tornam mais sólidas, ordenadas e capazes de resistir às crises. Assim, a geometria relacional não é meramente figurativa, mas representa um modelo normativo: relações que incluem a dimensão transcendente possuem mais estabilidade e sentido.

5. Conclusão: da economia individual à economia relacional

O ponto continua sendo o dado inicial da análise — o indivíduo —, mas, à medida que se estabelecem linhas e planos sob a presença e a lei de Cristo, a geometria social se complexifica. As relações deixam de ser meramente instrumentais e passam a integrar uma economia relacional e salvífica, na qual as trocas não visam apenas o bem-estar material, mas a edificação mútua e a salvação.

Desse modo, o individualismo metodológico da Escola Austríaca não é negado, mas transfigurado: de um modelo que parte do indivíduo isolado, chega-se a uma rede de comunhão que, à semelhança da própria geometria, pode se expandir para sólidos — símbolos das comunidades, povos e da Igreja universal.

Notas

  1. “All action is always performed by individuals” (MISES, 2010, p. 41).

  2. Expressão tradicional no direito e na teologia canônica para indicar que o matrimônio envolve o esposo, a esposa e Deus como testemunha e fundamento.

Referências

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Trad. Alexandre Correia. São Paulo: Loyola, 2001.

BASTIAT, Frédéric. O que se vê e o que não se vê. Trad. Rodrigo Constantino. São Paulo: Instituto Liberal, 1996.

HEATH, Thomas L. The Thirteen Books of Euclid’s Elements. 2. ed. New York: Dover Publications, 1956.

MISES, Ludwig von. Human Action: A Treatise on Economics. 4. rev. Auburn: Ludwig von Mises Institute, 2010.

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