Resumo:
Este ensaio analisa a crise jurídica brasileira a partir de uma perspectiva histórica, filosófica e teológica. Argumenta-se que a queda da monarquia e a implementação da República inauguraram um sistema jurídico desvinculado da moral e da verdade social. O positivismo jurídico, transformado em fé dos operadores do direito, substituiu a conformidade com o Todo proveniente de Deus, criando um ambiente em que a advocacia ética se torna inviável.
1. Introdução
No Brasil contemporâneo, estudar Direito não significa apenas compreender o conteúdo das leis em vigor, mas observar que estas não refletem a realidade social nem o ideal moral da sociedade. As normas jurídicas existem, mas a cultura de respeito a elas é frágil, e a prática social frequentemente as ignora ou subverte. Essa lacuna revela um problema estrutural: o divorcio entre lei e sociedade.
A raiz desse fenômeno remonta à transição histórica da monarquia para a República, um momento em que o poder passou a ser percebido como algo superior à sociedade, não mais subordinado a princípios morais universais. O positivismo jurídico emergiu nesse contexto como uma espécie de fé: acreditava-se que a letra da lei, por si só, garantiria a ordem, sem necessidade de conexão com valores transcendentais.
2. A queda da monarquia e a implementação da República
Durante o período imperial, a lei, ainda que imperfeita, expressava um ideal de ordem moral e social. O poder político não se via completamente acima da sociedade; havia, ainda que de forma limitada, um vínculo com princípios éticos superiores. A queda da monarquia e a instalação da República no final do século XIX inauguraram um novo paradigma jurídico, centrado na norma positiva e no formalismo legal.
Com a República, a legislação passou a ser concebida mais como instrumento de manutenção do poder do que como expressão da justiça social. A promulgação de várias constituições ao longo do século XX, muitas vezes interpretadas como sinais de dinamismo jurídico, em realidade simbolizava a fragilidade da lei e a desconexão entre norma e sociedade.
3. Positivismo como fé jurídica
O positivismo jurídico transformou-se em uma religião da letra da lei. Juristas, advogados e juízes passaram a crer que a aplicação formal das normas era suficiente para garantir justiça. Essa fé, no entanto, é desvinculada da conformidade com o Todo, ou seja, do ordenamento moral que, para a tradição cristã, provém de Deus.
A prática do direito, então, tornou-se técnica de manipulação normativa, muitas vezes indiferente ao bem comum. O positivismo jurídico cria uma metástase: a lei, em vez de ser instrumento de moralidade, torna-se ferramenta de interesses privados e estratégicos. Consequentemente, a advocacia ética enfrenta um dilema quase insolúvel: defender a justiça ou adaptar-se às exigências do sistema.
4. Lobbysmo e Prostituição Jurídica
A crise se manifesta de forma dramática na indistinguibilidade entre lobbysmo e prostituição jurídica. O advogado ético vê-se constantemente pressionado a escolher entre atuar segundo princípios morais ou participar de um sistema que privilegia resultados estratégicos em detrimento da justiça. O lobbysmo, entendido como a manipulação legal de interesses, e a prostituição jurídica, como a subversão do direito em troca de benefícios, passam a coexistir, tornando a profissão uma arena moralmente comprometida.
5. Implicações Filosóficas e Teológicas
O que se observa é uma crise cultural e moral, e não apenas formal. A advocacia não falha por falta de competência técnica, mas por uma ausência de vínculo entre norma e verdade, entre lei e bem comum. A desconexão entre positivismo jurídico e princípios transcendentes produz um ciclo vicioso: quanto mais se acredita na lei como fim em si mesma, mais se desvirtua a prática jurídica e se enfraquece a justiça.
Recuperar a advocacia ética exige mais do que reformas legais; exige restaurar a conexão entre lei, moral e verdade, redescobrindo a conformidade com o Todo proveniente de Deus. Sem esse fundamento, a justiça continuará sendo apenas sombra do que deveria ser, e a advocacia, uma profissão marcada pelo dilema ético insolúvel.
6. Conclusão
A crise jurídica brasileira é, antes de tudo, uma crise moral e cultural. Decorrente da queda da monarquia e da implementação da República, agravada pela fé cega no positivismo, ela torna a prática da advocacia ética quase impossível. Reconhecer essa raiz é essencial para compreender a gravidade do problema: a justiça não pode ser um produto do cálculo estratégico ou do formalismo legal, mas deve estar ancorada na verdade transcendente e no bem comum.
Enquanto o Brasil não restaurar a conexão entre lei e moralidade, a advocacia permanecerá dividida entre lobbysmo e prostituição, e a justiça continuará sendo apenas uma aparência, uma sombra do que deveria ser.
Bibliografia sugerida
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Sarmento, Daniel. Introdução à Filosofia do Direito. Coimbra: Almedina, 2015.
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Pontes de Miranda, Francisco. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: Forense, 1960–1970.
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Savigny, Friedrich Carl von. System des heutigen Römischen Rechts. Berlin: Veit, 1840.
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Hart, H. L. A. The Concept of Law. Oxford: Clarendon Press, 1961.
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Leão XIII. Rerum Novarum. Vaticano, 1891.
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Olavo de Carvalho. O Jardim das Aflições. São Paulo: Vide Editorial, 1995.
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