Introdução
A Lei Magnitsky, aprovada inicialmente nos Estados Unidos em 2012 e depois replicada em diversas jurisdições, como União Europeia, Canadá e Reino Unido, tornou-se um dos principais instrumentos de sanção contra autoridades e indivíduos acusados de corrupção ou violações de direitos humanos. Seu alcance é global, pois atinge não apenas pessoas físicas, mas também sua capacidade de movimentar recursos através do sistema financeiro internacional.
Recentemente, levantou-se a hipótese de que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) teriam sido aconselhados a abrir contas em cooperativas de crédito no Brasil, como forma de evitar bloqueios associados à aplicação da Magnitsky. Surge então a questão: trata-se de uma brecha legal ou de uma limitação da eficácia das sanções internacionais?
O alcance da Lei Magnitsky
A Lei Magnitsky possui caráter extraterritorial, mas sua força prática depende da cooperação internacional. Quando uma autoridade é sancionada, seus bens podem ser congelados, sua entrada em determinados países restringida e, sobretudo, suas transações financeiras bloqueadas.
O bloqueio ocorre porque o sistema bancário global é fortemente interconectado: mesmo bancos de países que não adotam formalmente a Magnitsky acabam expostos, já que transações internacionais passam por redes de compensação (como SWIFT) e por bancos correspondentes sediados em países sancionadores.
Cooperativas de Crédito como refúgio
As cooperativas de crédito no Brasil fazem parte do Sistema Financeiro Nacional, estando sob a supervisão do Banco Central. No entanto, sua atuação é, em regra, mais restrita e doméstica do que a de grandes bancos comerciais.
Assim, uma conta em cooperativa pode oferecer uma camada de “isolamento” em relação às sanções externas, já que:
-
Sanções não têm aplicação automática no Brasil, salvo se incorporadas por ato normativo interno.
-
Movimentações internas (depósitos, empréstimos, pagamentos locais) podem seguir normalmente, sem risco de bloqueio por autoridades estrangeiras.
-
Falta de exposição internacional das cooperativas reduz a chance de congelamento imediato de ativos.
Brecha Legal ou Limitação da Jurisdição?
Tecnicamente, não há brecha legal interna. O cidadão brasileiro, mesmo sancionado internacionalmente, não viola a lei ao manter conta em cooperativa de crédito, desde que não pratique outros ilícitos (como lavagem de dinheiro ou evasão de divisas).
O que ocorre, na verdade, é uma limitação da eficácia extraterritorial da Magnitsky:
-
Enquanto os valores permanecerem no território nacional, sob instituições que não dependem diretamente de redes bancárias internacionais, a sanção é praticamente inócua.
-
Contudo, ao tentar transferir fundos para o exterior ou utilizar instrumentos com conexão internacional (como cartões vinculados a redes Visa/Mastercard), a restrição volta a se impor.
Comparações Internacionais
Situações semelhantes já foram observadas em outros países sancionados:
-
Rússia: oligarcas transferiram recursos para bancos regionais que não possuíam forte integração internacional.
-
Venezuela: autoridades recorreram a bancos estatais e cooperativas locais para preservar o uso interno de recursos.
-
Irã: desenvolveu redes financeiras paralelas, mas sofreu bloqueios sempre que buscava conexão com o dólar ou o euro.
Em todos os casos, a “fuga” para instituições domésticas não representou exatamente uma brecha legal, mas sim um uso da soberania nacional para manter algum grau de autonomia econômica.
Conclusão
A utilização de cooperativas de crédito por autoridades brasileiras, caso tenha como objetivo evitar a eficácia da Lei Magnitsky, não configura uma brecha legal no direito interno, mas sim a exploração de uma limitação prática das sanções internacionais.
Enquanto os recursos permanecerem em território nacional e forem movimentados apenas no âmbito doméstico, a sanção externa não tem meios de imposição direta. No entanto, essa solução é frágil, pois qualquer tentativa de inserção no sistema financeiro global inevitavelmente reativa os bloqueios.
Portanto, o uso de cooperativas deve ser entendido não como burlar a lei, mas como um recuo estratégico, que revela a tensão entre soberania nacional e a crescente interdependência financeira internacional.
Referências
-
U.S. Department of the Treasury. Global Magnitsky Human Rights Accountability Act. 2016.
-
European Union. EU Global Human Rights Sanctions Regime. Council Decision (CFSP) 2020/1999.
-
Banco Central do Brasil. Cooperativas de Crédito no Sistema Financeiro Nacional. Relatório de Estabilidade Financeira, 2022.
-
CASEY, Michel. The Impact of Sanctions on Domestic Financial Systems: Russia, Iran, Venezuela. Journal of International Law, 2021.
Nenhum comentário:
Postar um comentário