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segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Cooperativas de Crédito e A Lei Magnitsky: brecha legal ou limitação de jurisdição?

Introdução

A Lei Magnitsky, aprovada inicialmente nos Estados Unidos em 2012 e depois replicada em diversas jurisdições, como União Europeia, Canadá e Reino Unido, tornou-se um dos principais instrumentos de sanção contra autoridades e indivíduos acusados de corrupção ou violações de direitos humanos. Seu alcance é global, pois atinge não apenas pessoas físicas, mas também sua capacidade de movimentar recursos através do sistema financeiro internacional.

Recentemente, levantou-se a hipótese de que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) teriam sido aconselhados a abrir contas em cooperativas de crédito no Brasil, como forma de evitar bloqueios associados à aplicação da Magnitsky. Surge então a questão: trata-se de uma brecha legal ou de uma limitação da eficácia das sanções internacionais?

O alcance da Lei Magnitsky

A Lei Magnitsky possui caráter extraterritorial, mas sua força prática depende da cooperação internacional. Quando uma autoridade é sancionada, seus bens podem ser congelados, sua entrada em determinados países restringida e, sobretudo, suas transações financeiras bloqueadas.

O bloqueio ocorre porque o sistema bancário global é fortemente interconectado: mesmo bancos de países que não adotam formalmente a Magnitsky acabam expostos, já que transações internacionais passam por redes de compensação (como SWIFT) e por bancos correspondentes sediados em países sancionadores.

Cooperativas de Crédito como refúgio

As cooperativas de crédito no Brasil fazem parte do Sistema Financeiro Nacional, estando sob a supervisão do Banco Central. No entanto, sua atuação é, em regra, mais restrita e doméstica do que a de grandes bancos comerciais.

Assim, uma conta em cooperativa pode oferecer uma camada de “isolamento” em relação às sanções externas, já que:

  1. Sanções não têm aplicação automática no Brasil, salvo se incorporadas por ato normativo interno.

  2. Movimentações internas (depósitos, empréstimos, pagamentos locais) podem seguir normalmente, sem risco de bloqueio por autoridades estrangeiras.

  3. Falta de exposição internacional das cooperativas reduz a chance de congelamento imediato de ativos.

Brecha Legal ou Limitação da Jurisdição?

Tecnicamente, não há brecha legal interna. O cidadão brasileiro, mesmo sancionado internacionalmente, não viola a lei ao manter conta em cooperativa de crédito, desde que não pratique outros ilícitos (como lavagem de dinheiro ou evasão de divisas).

O que ocorre, na verdade, é uma limitação da eficácia extraterritorial da Magnitsky:

  • Enquanto os valores permanecerem no território nacional, sob instituições que não dependem diretamente de redes bancárias internacionais, a sanção é praticamente inócua.

  • Contudo, ao tentar transferir fundos para o exterior ou utilizar instrumentos com conexão internacional (como cartões vinculados a redes Visa/Mastercard), a restrição volta a se impor.

Comparações Internacionais

Situações semelhantes já foram observadas em outros países sancionados:

  • Rússia: oligarcas transferiram recursos para bancos regionais que não possuíam forte integração internacional.

  • Venezuela: autoridades recorreram a bancos estatais e cooperativas locais para preservar o uso interno de recursos.

  • Irã: desenvolveu redes financeiras paralelas, mas sofreu bloqueios sempre que buscava conexão com o dólar ou o euro.

Em todos os casos, a “fuga” para instituições domésticas não representou exatamente uma brecha legal, mas sim um uso da soberania nacional para manter algum grau de autonomia econômica.

Conclusão

A utilização de cooperativas de crédito por autoridades brasileiras, caso tenha como objetivo evitar a eficácia da Lei Magnitsky, não configura uma brecha legal no direito interno, mas sim a exploração de uma limitação prática das sanções internacionais.

Enquanto os recursos permanecerem em território nacional e forem movimentados apenas no âmbito doméstico, a sanção externa não tem meios de imposição direta. No entanto, essa solução é frágil, pois qualquer tentativa de inserção no sistema financeiro global inevitavelmente reativa os bloqueios.

Portanto, o uso de cooperativas deve ser entendido não como burlar a lei, mas como um recuo estratégico, que revela a tensão entre soberania nacional e a crescente interdependência financeira internacional.

Referências

  • U.S. Department of the Treasury. Global Magnitsky Human Rights Accountability Act. 2016.

  • European Union. EU Global Human Rights Sanctions Regime. Council Decision (CFSP) 2020/1999.

  • Banco Central do Brasil. Cooperativas de Crédito no Sistema Financeiro Nacional. Relatório de Estabilidade Financeira, 2022.

  • CASEY, Michel. The Impact of Sanctions on Domestic Financial Systems: Russia, Iran, Venezuela. Journal of International Law, 2021.

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