Pesquisar este blog

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Nacionalismo e Nacionismo: da geografia como prisão à geografia como escolha

Resumo: 

Este artigo apresenta uma análise comparativa entre o nacionalismo e o nacionismo, destacando a diferença entre o determinismo geográfico e a “geometria das relações sociais” inspirada por Plínio Salgado. Discute-se o papel do polipátrida no contexto jurídico do jus soli e do jus sanguinis, tanto no direito internacional quanto na tradição cristã do ius gentium. Inclui-se a reflexão de Leopold Szondi sobre o homem como “construtor de pontes”, aplicando-a ao polipátrida como figura capaz de unir culturas e sistemas jurídicos sem ser estrangeiro, nem aos olhos de Deus, nem aos olhos dos homens.

1. Introdução

O nacionalismo, especialmente na forma que assumiu nos séculos XIX e XX, vincula de modo rígido a identidade do indivíduo à sua terra natal. Ao privilegiar a materialidade geográfica como elemento formador, tende a produzir uma visão determinista da identidade: o homem é o que sua terra o permite ser.

Para Ortega y Gasset, “eu sou eu e minha circunstância, e se não a salvo, não me salvo a mim”1. Quando Deus é excluído dessa equação, a circunstância degenera em fatalismo geográfico e individualismo metodológico — duas formas complementares de aprisionamento existencial.

O nacionismo, em contraste, não nega a importância do espaço físico, mas o subordina a uma decisão livre e espiritual: a terra é escolhida, não imposta. Sua medida é a relação com os antepassados e com aqueles a quem amamos, de modo que diferentes terras podem ser tomadas como um mesmo lar em Cristo, por Cristo e para Cristo.

2. Nacionalismo: a geografia como prisão

O nacionalismo tradicional estabelece uma dependência direta entre identidade e território. A cidadania e a pertença são delimitadas por critérios rígidos, baseados no jus soli (direito do solo) ou no jus sanguinis (direito de sangue).

Tal paradigma, nascido com os Estados-nação modernos, reforça barreiras e tende a restringir a mobilidade jurídica e cultural. No plano político, a lealdade é exigida de forma exclusiva; no plano cultural, as influências externas são vistas com desconfiança. O resultado é a transformação da terra natal em limite intransponível.

3. Nacionismo: a geografia sentimental

Em contraposição, o nacionismo propõe o que Plínio Salgado chamou de geografia sentimental2. Trata-se de uma concepção em que a ligação com a terra não depende apenas do nascimento, mas de fatores como:

  1. Ser a terra dos antepassados;

  2. Ser a terra da pessoa amada;

  3. Ser a terra adotada como lar em Cristo, por Cristo e para Cristo.

Essa escolha tem por fundamento o amor a Deus e o dever de honrar os antepassados — e, ao ser assumida como ato voluntário, transforma a necessidade em liberdade. O nacionismo, assim, desloca o centro da identidade do acaso geográfico para a decisão consciente, enraizada na vida espiritual.

4. O polipátrida como figura do nacionismo

O polipátrida é fruto do encontro entre ordenamentos jurídicos que permitem a sobreposição de nacionalidades. Países como Brasil e Portugal, que conjugam jus soli e jus sanguinis, geram frequentemente situações de dupla ou múltipla cidadania, facilitando a circulação e o exercício de direitos em mais de um território3.

Historicamente, famílias luso-brasileiras beneficiaram-se dessa condição para participar da vida pública, econômica e cultural em ambos os países sem a limitação do estatuto de estrangeiro. Esse “conflito positivo” de nacionalidades amplia o horizonte de ação do indivíduo.

Leopold Szondi, ao definir o homem como “construtor de pontes”4, fornece a metáfora exata para compreender essa figura:

“Se o homem é construtor de pontes, o polipátrida é o perfeito construtor no plano do Direito Internacional; e, se considerarmos a Cristandade, no plano do ius gentium.”

No direito internacional, o polipátrida pode harmonizar sistemas jurídicos distintos; no direito das gentes cristão, ele manifesta a unidade espiritual de povos diversos, encarnando uma cidadania ampliada e integradora.

5. Quadro comparativo: Nacionalismo x Nacionismo

Aspecto Nacionalismo Nacionismo
Fundamento espiritual Identidade enraizada no território; Deus pode estar ausente do discurso político. Identidade fundada na relação com Deus e no dever de honrar os antepassados; a terra é amada em Cristo.
Fundamento jurídico Base rígida no jus soli ou jus sanguinis como exclusão recíproca. Reconhecimento do jus soli e jus sanguinis como complementares; acolhe o conflito positivo de nacionalidades.
Visão da terra Terra natal como destino fixo e inalterável. Terra como escolha livre, podendo incluir a terra de outrem amada como própria.
Relação com outras culturas Predominância da homogeneidade cultural; contato externo visto com cautela. Abertura à integração cultural, desde que compatível com a fé e os valores herdados.
Figura exemplar Cidadão fiel a uma única pátria. Polipátrida como construtor de pontes jurídicas, culturais e espirituais.
Finalidade geopolítica Defesa e preservação do Estado-nação como fim em si mesmo. Integração de múltiplas comunidades políticas como parte de uma mesma Cristandade.

6. O conflito positivo de nacionalidades

O conflito positivo — acumulação legítima de cidadanias — é muitas vezes visto, no nacionalismo tradicional, como problema de lealdade. No nacionismo, porém, é oportunidade: o polipátrida não apenas habita duas ou mais pátrias, mas serve a Cristo em todas elas, considerando-as um mesmo lar espiritual.

Essa condição lhe permite atuar como mediador cultural, diplomático e até jurídico, tornando-se exemplo vivo da integração entre povos e tradições.

7. Conclusão

O nacionalismo vê na geografia um determinismo; o nacionismo vê nela um campo de escolhas. No primeiro, a terra molda o homem; no segundo, o homem, em Cristo, escolhe a terra que ama.

O polipátrida representa a plenitude dessa liberdade: cidadão em várias terras, missionário e criador em todas. Como construtor de pontes, une não apenas territórios e sistemas jurídicos, mas também culturas, famílias e comunidades, servindo à unidade da Cristandade.

Bibliografia

ORTEGA Y GASSET, José. Meditaciones del Quijote. Madrid: Revista de Occidente, 1914.

SALGADO, Plínio. O Estrangeiro. São Paulo: Voz do Oeste, 1936.

SHAW, Malcolm N. International Law. 9. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2021.

SZONDI, Leopold. Schicksalsanalyse. Basel: Benno Schwabe, 1963.

VAN PANHUYS, H. F. The Role of Nationality in International Law. Leiden: A. W. Sijthoff, 1959.

Notas de Rodapé

  1. ORTEGA Y GASSET, José. Meditaciones del Quijote. Madrid: Revista de Occidente, 1914, p. 322.

  2. SALGADO, Plínio. O Estrangeiro. São Paulo: Voz do Oeste, 1936.

  3. SHAW, Malcolm N. International Law. 9. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2021.

  4. SZONDI, Leopold. Schicksalsanalyse. Basel: Benno Schwabe, 1963.

Nenhum comentário:

Postar um comentário