Introdução
A discussão sobre determinismo geográfico tem sido recorrente nas ciências sociais e na história. Segundo essa perspectiva, a geografia seria o principal fator determinante do desenvolvimento das sociedades, de modo que povos situados em regiões privilegiadas tenderiam a apresentar melhores instituições, virtude moral e progresso material.
No entanto, a análise histórica demonstra que a geografia, por si só, não determina a grandeza civilizacional. Sociedades notáveis — como Roma, Grécia, Japão, Veneza, Fenícia e Brasil Império — reabsorveram suas circunstâncias geográficas, transformando desafios naturais em elementos constitutivos de seu legado.
Essa reabsorção das circunstâncias pode ser entendida, à luz de Szondi, como destino histórico, no qual os povos superam limitações naturais e sociais em busca da grandeza, muitas vezes nos méritos de Cristo. Portugal em Ourique exemplifica essa dinâmica, convertendo missão geográfica e histórica em uma primeira forma de globalização consciente.
1. Limites do determinismo geográfico
O determinismo geográfico postula que recursos naturais, clima e relevo definem diretamente o sucesso ou fracasso das sociedades. Todavia, exemplos históricos demonstram que o acesso privilegiado à geografia não garante virtude moral ou progresso civilizacional.
| Civilização | Circunstância Geográfica | Como reabsorveu a geografia | Legado Civilizacional |
|---|---|---|---|
| Estados Unidos | Território fértil e abundante em recursos | Problemas sociais mostram que recursos não determinam virtude | Avanço tecnológico e econômico, mas fragilidade ética¹ |
| Japão | Arquipélago montanhoso, vulcões, terremotos | Disciplina social, organização e tecnologia | Cultura refinada, alta coesão social² |
| Brasil Império | Clima tropical, terreno acidentado, infraestrutura limitada | Desenvolvimento cultural, jurídico e econômico | Formação do Estado nacional, avanços legislativos³ |
| Roma | Pântanos e sete colinas | Engenharia, urbanismo e expansão territorial | Direito, administração e arte⁴ |
| Grécia | Região montanhosa | Cidades-estado independentes e comércio marítimo | Filosofia, democracia e arte⁴ |
| Fenícia | Entre o mar e a montanha | Comércio marítimo e colonização | Sistema comercial e navegação⁵ |
| Veneza | Pântanos e lagunas | Construção sobre água e comércio internacional | Poder comercial e legado urbano⁵ |
| Portugal (Ourique) | Pequeno território periférico | Expansão ultramarina, missão cristã | Globalização inicial e influência cultural mundial⁶ |
2. Destino histórico e Szondi
Szondi sugere que cada povo possui um destino histórico, que se realiza através da integração consciente de sua circunstância. A geografia não impõe, mas orienta o desenvolvimento civilizacional, incentivando os povos a transformar desafios em oportunidades de grandeza.
O Japão, por exemplo, converteu sua vulnerabilidade natural em disciplina, coesão social e capacidade tecnológica². Roma e Veneza transformaram pântanos e lagunas em símbolos de engenhosidade e estabilidade política⁴⁵. Portugal em Ourique incorporou sua circunstância periférica em uma missão global cristã, expandindo sua influência ultramarina⁶.
3. Poder, sociedade e globalização
A descentralização do poder contemporâneo evidencia que o poder não reside apenas no topo, como nas concepções clássicas de Maquiavel. A conectividade global permite que experiências de diferentes geografias influenciem decisões, diminuindo a dependência de elites conservantistas e reforçando a base social como vetor de transformação.
A história demonstra que a grandeza civilizacional não nasce de recursos naturais, mas da capacidade humana de reabsorver a circunstância, superar desafios e agir conforme o destino histórico.
Conclusão
O estudo da geografia e do destino histórico confirma que a grandeza civilizacional não é produto do determinismo geográfico, mas da reabsorção consciente das circunstâncias naturais e sociais. Szondi nos fornece uma chave interpretativa: o destino histórico convoca os povos a superar limitações naturais e sociais, permitindo que virtude, moralidade e organização se concretizem em legado duradouro.
Portugal em Ourique é exemplo paradigmático dessa dinâmica, combinando missão cristã e expansão global. A sociedade contemporânea, com seu poder descentralizado e conectividade global, continua a coletar experiências de terras distantes, reafirmando que a grandeza histórica depende da ação moral e intelectual dos povos, não apenas de sua geografia.
Referências
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DIAMOND, Jared. Guns, Germs, and Steel: The Fates of Human Societies. New York: W. W. Norton & Company, 1997.
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HANE, Mikiso. Premodern Japan: A Historical Survey. Boulder: Westview Press, 2001.
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BERMUDEZ, José. O Império Brasileiro: Sociedade, Economia e Cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
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MORGAN, Lewis H. Ancient Society. New York: Holt, 1877.
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MADDISON, Angus. Contours of the World Economy 1-2030 AD: Essays in Macro-Economic History. Oxford: Oxford University Press, 2007.
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SZONDI, L. Schicksal und Geschichte: Einführung in die Szondische Geschichtsphilosophie. Bern: Hans Huber Verlag, 1967.
Notas de rodapé
¹ Diamond, 1997, p. 42.
² Hane, 2001, p. 88.
³ Bermudez, 2005, p. 133.
⁴ Morgan, 1877, p. 57.
⁵ Maddison, 2007, p. 212.
⁶ Szondi, 1967, p. 45.
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