A máxima de que “a espada não tem partido” tornou-se uma das mais ilusórias frases da política nacional. Se tomada ao pé da letra, ela sugeriria que os militares, ao longo da história, sempre se mantiveram apartidários, leais apenas à pátria e às instituições. Contudo, o desenrolar da história brasileira demonstra precisamente o contrário: as Forças Armadas, sobretudo o Exército, têm funcionado como um partido permanente — talvez o mais influente e longevo da República.
A queda do Império: o primeiro golpe “sem partido”
Em 1889, os militares derrubaram Dom Pedro II. Não houve levante popular, nem movimento de massas clamando pela República. A deposição do imperador foi conduzida essencialmente pela oficialidade do Exército, em nome de uma nova ordem que não tinha raízes sociais profundas1. Desde esse momento inaugural, ficou claro que a espada seria o árbitro silencioso da política nacional.
A República Velha e a lógica do quartel
Durante a chamada República Velha (1889-1930), o Exército oscilou entre apoiar as oligarquias dominantes e insurgir-se contra elas, como nos movimentos tenentistas da década de 19202. Mais uma vez, “sem partido”: não defendiam propriamente uma ideologia coesa, mas a primazia do Exército como tutor do Estado.
1930 e a intervenção recorrente
Na Revolução de 1930, foram os militares que garantiram a ascensão de Getúlio Vargas3. Durante seu governo e depois, em 1945, estiveram no centro da política, ora sustentando o chefe gaúcho, ora derrubando-o. A espada, mais uma vez, demonstrava não ser neutra: era o fator decisivo.
O golpe de 1964: a espada como governo
O episódio de 1964 talvez seja o mais emblemático. O Exército justificou sua intervenção alegando salvar a democracia do comunismo4. Mas, ao assumir diretamente o poder por vinte e um anos, mostrou-se claramente como um partido: tinha projeto, tinha lideranças, tinha ideologia de Estado. Ao contrário dos partidos civis, efêmeros e fragmentados, os militares construíram uma máquina de poder centralizada, disciplinada e coesa.
A Nova República e a sombra constante
Mesmo após a redemocratização, o Exército nunca deixou de pairar sobre a política. Nos anos recentes, quando parte da oficialidade aproximou-se de Jair Bolsonaro, o discurso era o mesmo: “não temos partido”. Mas a prática revelou outra face: a espada moveu-se de acordo com seus interesses institucionais, preservando privilégios e cargos, distanciando-se do povo e do próprio presidente quando o barco começou a afundar5.
O Partido da Espada
Dizer que os militares são “sem partido” é negar a evidência histórica. Eles são o partido permanente da República: um partido que não disputa eleições, não precisa de registro no TSE, não depende de base social, mas que detém coesão, disciplina e força material. Traíram o imperador, traíram presidentes, traíram o povo — e continuarão traindo, porque sua lealdade é apenas à instituição que encarnam.
Enquanto a política civil fragmenta-se em siglas, coligações e acordos efêmeros, o Exército permanece como uma estrutura contínua, funcionando como o verdadeiro “partido de Estado” brasileiro. Não o partido do povo, mas o partido da espada.
Enquanto a política civil fragmenta-se em siglas, coligações e acordos efêmeros, o Exército permanece como uma estrutura contínua, funcionando como o verdadeiro “partido de Estado” brasileiro. Não o partido do povo, mas o partido da espada.
Notas de Rodapé
José Murilo de Carvalho, Forças Armadas e Política no Brasil, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. ↩
Hélio Silva, 1922: Sangue na Areia de Copacabana, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964. ↩
Boris Fausto, A Revolução de 1930: Historiografia e História, São Paulo: Companhia das Letras, 1997. ↩
Elio Gaspari, A Ditadura Envergonhada, São Paulo: Companhia das Letras, 2002. ↩
Manuel Domingos Neto, Militares e Política no Brasil: da Abertura à Nova República, São Paulo: Contexto, 2014. ↩
Hélio Silva, 1922: Sangue na Areia de Copacabana, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964. ↩
Boris Fausto, A Revolução de 1930: Historiografia e História, São Paulo: Companhia das Letras, 1997. ↩
Elio Gaspari, A Ditadura Envergonhada, São Paulo: Companhia das Letras, 2002. ↩
Manuel Domingos Neto, Militares e Política no Brasil: da Abertura à Nova República, São Paulo: Contexto, 2014. ↩
Bibliografia
CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: Historiografia e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
NETO, Manuel Domingos. Militares e Política no Brasil: da Abertura à Nova República. São Paulo: Contexto, 2014.
SILVA, Hélio. 1922: Sangue na Areia de Copacabana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964.
FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: Historiografia e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
NETO, Manuel Domingos. Militares e Política no Brasil: da Abertura à Nova República. São Paulo: Contexto, 2014.
SILVA, Hélio. 1922: Sangue na Areia de Copacabana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964.
Nenhum comentário:
Postar um comentário