Os videogames podem revelar muito sobre a percepção pública da história. O que os desenvolvedores escolhem incluir, omitir ou representar de determinada forma revela como períodos e práticas históricas são compreendidos e reinterpretados. A série Civilization, famosa por guiar os jogadores ao longo de toda a história humana, inevitavelmente se depara com um tema complexo: a escravidão.
Contexto histórico
A escravidão foi uma instituição social e econômica central em diversas sociedades ao longo da história, incluindo o Egito, a Grécia Antiga, Roma, a Mesoamérica, o Oriente Médio e as Américas durante o período colonial e o século XIX. O modo como a escravidão se manifestava variava drasticamente, desde formas de servidão contratada ou corvée até a escravidão como propriedade total de outros seres humanos. Essa complexidade torna a representação da escravidão em jogos históricos um desafio delicado.
A escravidão na série Civilization
A abordagem da escravidão evoluiu ao longo da franquia:
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Civilization I e II: não apresentam a escravidão.
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Civilization III: introduz o conceito de “trabalho forçado” para acelerar a produção em certas formas de governo. Algumas unidades, como os Mayan javelin throwers, podem capturar trabalhadores, e o cenário da Mesoamérica permite sacrifícios humanos para gerar cultura.
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Civilization IV: inclui a política pública (civic) de escravidão, permitindo sacrificar cidadãos por produção, mas também apresenta eventos de revolta e a política pública (civic) de emancipação, equilibrando poder e consequências.
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Civilization V: não contém mecânicas de escravidão, nem em cenários como a Guerra Civil americana.
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Civilization VI: aborda o tema indiretamente, com elementos como a Triangular Trade, o Hacienda de Columbia, habilidades aztecas e o poder de Abraham Lincoln relacionado à Emancipation Proclamation.
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Civilization VII: não contém escravidão; destaca líderes como Harriet Tubman, refletindo resistência e libertação.
Filosofia de design e sensibilidade histórica
A série procura evitar a romantização ou a gamificação de atrocidades. A ausência de escravidão industrial não constitui “alienação da história”, mas uma decisão de design coerente com o foco do jogo: progresso, construção de civilizações e emancipação. Ao mesmo tempo, a série reconhece a importância de representar o contexto histórico, equilibrando precisão com sensibilidade.
Problemas e exceções
Nem todos os jogos relacionados foram tão cuidadosos:
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Colonization: erra ao excluir completamente pessoas de ascendência africana, ignorando o contexto histórico da escravidão.
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Mods (como “We The People”): tentam reintroduzir a escravidão, oferecendo uma visão mais realista, embora alguns elementos possam ser controversos.
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Lek Mod (Congo Civ): inclui mercados de escravos de forma potencialmente ofensiva e fora de contexto histórico.
Reflexão final
Jogos históricos enfrentam o desafio de lidar com temas sensíveis, como a escravidão, com profundidade, contexto e responsabilidade. A franquia Civilization busca equilibrar a narrativa de progresso humano com uma abordagem respeitosa da história, evitando tanto o apagamento quanto a exploração insensível de práticas atrozes. Enquanto ficção científica e fantasia têm mais liberdade narrativa, jogos que simulam ou recriam história exigem cuidado para representar corretamente realidades complexas e dolorosas.
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