A história do Brasil revela uma complexa interação entre colonização, povoamento, comércio e fatores geopolíticos, que se desenvolveu desde a ocupação inicial até a modernidade. Uma leitura integrada desses elementos permite compreender não apenas o crescimento territorial e econômico do país, mas também sua singularidade cultural e política.
1. Colonização como ato de lavar a terra
O padre Rafael Bluteau, em seu dicionário, define colônia como o ato de lavrar a terra1. Esta definição aponta para o caráter produtivo e territorial da colonização: o objetivo inicial não era apenas administrar territórios, mas torná-los férteis e economicamente ativos. A colonização do Brasil, nesse sentido, começou como um projeto de ocupação e produção agrícola, fundamentado na exploração racional do território.
2. Povoamento como filosofia de governo
D. Pedro II sintetizou sua visão política em uma máxima: “governar é povoar”2. Para o imperador, a consolidação do território brasileiro dependia da ocupação efetiva e do estímulo à imigração e ao assentamento. Povoar não era apenas um ato administrativo, mas uma estratégia de integração nacional, de civilização e de consolidação do poder.
3. Estradas e modernização na República Velha
Na República Velha, a filosofia de governo passou a enfatizar a infraestrutura: “governar é abrir estradas”3. O foco deixou de ser exclusivamente o povoamento, priorizando a interligação do território e a integração econômica. Estradas viabilizavam o transporte de produtos, a comunicação entre regiões e a consolidação do mercado interno, aproximando o Brasil colonial das novas demandas de uma economia em modernização.
4. Imigração libanesa e o comércio interior
D. Pedro II trouxe libaneses para o Brasil, que carregavam consigo uma tradição mercantil profundamente enraizada4. Essa cultura de comércio, combinada com o tropeirismo colonial, fez desses imigrantes os “navios do sertão” — uma metáfora que remete aos árabes, conhecidos como “navios do deserto”5. Eles conectaram regiões interiores ao litoral, facilitando o fluxo de mercadorias e consolidando redes comerciais que atravessavam o país.
5. A geopolítica brasileira: marítima e continental
O professor Heni Ozi Cukier, conhecido como Professor HOC, questiona se o Brasil é essencialmente marítimo ou continental[^6]. A experiência histórica sugere que o país possui elementos de ambas as geopolíticas. Quando Cristo enviou os portugueses a terras distantes, criou-se uma geopolítica híbrida, que equipara o continentalismo de Mackinder com o domínio marítimo defendido por Mahan e Spykman[^7]. Assim, o Brasil tem potencial para integrar seu vasto território continental com sua extensa costa atlântica, desenvolvendo uma estratégia geopolítica única.
6. Herança portuguesa e fatores democráticos
Jaime Cortesão ressaltou os fatores democráticos na formação de Portugal8, mostrando que o país desenvolveu, mesmo sob monarquia, práticas de participação e auto-organização. Tito Lívio Ferreira, ao afirmar que o Brasil não foi colônia, sugere que o país se tornou uma “nova espécie de Portugal”9. Essa interpretação aponta para a singularidade brasileira: o país adaptou tradições portuguesas a suas próprias condições geográficas, sociais e econômicas, incorporando elementos democráticos, comerciais e geopolíticos próprios.
Conclusão
A trajetória histórica do Brasil revela uma constante interação entre colonização, povoamento, comércio e geopolítica. Do ato de lavrar a terra à construção de estradas, da imigração mercantil ao equilíbrio entre geopolíticas continentais e marítimas, o país se tornou uma síntese singular das tradições portuguesas e das demandas locais. Reconhecer essa complexidade é essencial para compreender a formação histórica, cultural e estratégica do Brasil.
Bibliografia
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BLUTEAU, Rafael. Vocabulário Portuguez e Latino. Lisboa, 1712.
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CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II: Ser e Poder. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
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FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2013.
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LEMOS, Maria de Lourdes. Imigração Libanesa no Brasil. São Paulo: EDUSP, 1998.
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FERNANDES, Flávio. Tropeirismo e Comércio Interior no Brasil. Porto Alegre: Sulina, 2005.
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HENI OZI CUKIER (Professor HOC). Canal Professor HOC. Disponível em: https://www.youtube.com/c/ProfessorHOC.
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MAHAN, Alfred. The Influence of Sea Power upon History. Boston, 1890; SPYKMAN, Nicholas. America’s Strategy in World Politics, 1942; MACKINDER, Halford. The Geographical Pivot of History, 1904.
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CORTESÃO, Jaime. Os Factores Democráticos na Formação de Portugal. Lisboa: Editorial Presença, 1930; reedição 1974.
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FERREIRA, Tito Lívio. O Brasil não foi Colônia (palestra proferida em Lisboa, anos 1950; publicada posteriormente em opúsculo).
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