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sexta-feira, 1 de agosto de 2025

A técnica como expressão civilizacional: um diálogo entre as obras Meditación sobre la técnica (José Ortega y Gasset) e Un Imperio de Ingenieros (Felipe Fernández-Armesto e Manuel Lucena Girialdo)

Resumo

Este artigo busca estabelecer um diálogo crítico entre Meditação da Técnica (1933), de José Ortega y Gasset, e Un Imperio de Ingenieros (2022), de Felipe Fernández-Armesto e Manuel Lucena Giraldo. Ambas as obras, embora distintas em escopo e método, convergem na compreensão da técnica como expressão cultural e não como mero instrumento. Enquanto Ortega propõe uma reinterpretação filosófica da técnica como projeção do projeto vital humano, os autores de Un Imperio de Ingenieros exploram o papel dos engenheiros na construção do império espanhol como missão civilizadora e católica. A análise conjunta revela a singularidade da tradição hispânica ao lidar com a técnica: longe de reduzi-la ao utilitarismo moderno, ela é vista como veículo de valores espirituais, culturais e políticos.

Palavras-chave: técnica; império; cultura hispânica; Ortega y Gasset; engenharia; civilização.

1. Introdução

A técnica, desde o século XIX, passou a ser pensada sobretudo sob o prisma do progresso material e da eficiência. Contudo, filósofos e historiadores vinculados à tradição hispânica propõem uma abordagem mais profunda, que reconhece na técnica um elemento central da cultura e da espiritualidade. Nesse contexto, o presente artigo propõe um diálogo entre José Ortega y Gasset e os autores de Un Imperio de Ingenieros, argumentando que ambos oferecem visões complementares da técnica como expressão de um destino civilizacional.

2. Ortega y Gasset: A técnica como projeção do projeto vital

No ensaio Meditação da Técnica, Ortega y Gasset rejeita a concepção materialista que reduz a técnica à mera ferramenta de adaptação ao meio. Para ele, a técnica nasce da liberdade do ser humano de não se conformar com o dado:

“A técnica é o esforço para fazer possível o impossível” (ORTEGA Y GASSET, 2014, p. 33).

Dessa forma, a técnica é uma criação histórica, que reflete o modo como o homem escolhe viver. Ortega denuncia o perigo da técnica moderna, que se autonomiza da vida e do pensamento, tornando-se um sistema autossuficiente que ameaça dominar o homem.

3. Un Imperio de Ingenieros: a engenharia como forma de governo e missão

Na obra Un Imperio de Ingenieros, Fernández-Armesto e Lucena Giraldo traçam o perfil de uma elite de engenheiros ao serviço do Império Espanhol entre os séculos XVI e XVIII. Esses profissionais eram mais do que técnicos: eram cartógrafos, arquitetos, juristas, religiosos e artistas. A técnica, nesse contexto, era:

“um saber totalizante que integrava ciência, fé, administração e cultura” (FERNÁNDEZ-ARMESTO; LUCENA GIRALDO, 2022, p. 57).

O engenheiro do império não apenas edificava fortificações e cidades, mas também fundava uma ordem cristã no território. A técnica se convertia, assim, em instrumento de governo e missão espiritual.

4. Convergências: Técnica como cultura

Ortega e os autores de Un Imperio de Ingenieros partem da mesma premissa: a técnica não é neutra. Em ambos os casos, ela é uma forma de cultura, ou seja, uma forma de ordenar o mundo conforme um sentido. A técnica hispânica não se confunde com o maquinismo anglo-saxão. Ela nasce de um horizonte teleológico e transcendente — no qual a ação técnica se insere dentro de uma ordem maior, seja ela filosófica (Ortega) ou imperial-cristã (Fernández-Armesto e Lucena Giraldo).

5. Tensões: O indivíduo e o império

A principal tensão entre os autores está na ênfase: Ortega escreve a partir do drama do indivíduo moderno, angustiado diante da hipertrofia da técnica; os historiadores espanhóis, por outro lado, celebram o engenheiro como figura orgânica da ordem imperial. Ortega teme que o tecnicismo destrua o projeto vital; os autores de Un Imperio de Ingenieros mostram uma técnica integrada a um projeto coletivo — o do Império Católico.

6. A tradição hispânica e a redenção da técnica

Em tempos em que a técnica se autonomiza da ética, ambas as obras oferecem lições. Ortega propõe uma reorientação filosófica da técnica a partir da vida humana concreta. Já Fernández-Armesto e Lucena Giraldo demonstram como uma tradição espiritual e política conseguiu integrar técnica e transcendência. A técnica, para ambos, deve ser recolocada a serviço de um fim humano superior — e não meramente produtivista.

7. Considerações finais

O diálogo entre Ortega y Gasset e os autores de Un Imperio de Ingenieros revela uma visão alternativa ao paradigma tecnocrático dominante. Ao compreender a técnica como expressão de um destino histórico e espiritual, essas obras resgatam a possibilidade de uma cultura técnica enraizada na verdade, na justiça e na missão. Trata-se de uma contribuição valiosa da tradição hispânica para o pensamento contemporâneo.

Referências

FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe; LUCENA GIRALDO, Manuel. Un Imperio de Ingenieros: Una historia del saber al servicio del poder. Madrid: Taurus, 2022.

ORTEGA Y GASSET, José. Meditação da Técnica e outros ensaios. Tradução de Helena Silveira. São Paulo: Editora Globo, 2014.

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