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sexta-feira, 1 de agosto de 2025

A engenharia como expressão civilizacional: entre a ordem cristã e a mentalidade revolucionária

Resumo

Este artigo propõe uma reflexão sobre a função civilizacional da engenharia quando integrada à ordem transcendente, em contraste com sua deformação técnica e política sob a mentalidade revolucionária moderna. Com base na tradição romano-cristã e nos fundamentos do Direito Natural, argumenta-se que a técnica deve estar subordinada à ética e à verdade. Quando ocorre o divórcio entre ambas, surgem formas de engenharia social e deformações profissionais como o lobismo jurídico. Autores como Romano Guardini, Christopher Dawson, Alasdair MacIntyre e outros são mobilizados para mostrar essa ruptura entre técnica e transcendência.

1. Introdução

A engenharia, enquanto saber técnico aplicado, pode ser expressão tanto de uma civilização ordenada ao bem comum quanto de uma sociedade dominada pela instrumentalização da razão. A distinção entre essas duas ordens — uma conectada à transcendência e outra à ideologia revolucionária — define não apenas o uso da técnica, mas o destino dos povos. Tal distinção encontra ecos nos grandes debates filosóficos sobre ética, civilização e verdade.

2. Técnica e Civilização na Tradição Romano-Cristã

A herança romana, integrada à Revelação cristã, conferiu à técnica um lugar na estrutura da civilização. A engenharia de estradas, aquedutos, pontes e edifícios não era apenas uma aplicação prática, mas um reflexo do ordo que permeava o cosmos. Como afirmava Christopher Dawson, a verdadeira civilização se define não apenas por seu nível técnico, mas por sua fidelidade a um princípio espiritual comum (DAWSON, 2015).

Nessa tradição, a técnica participa de uma ordem sacramental: cada ponte construída é também um símbolo de união entre mundos, uma metáfora do acesso à transcendência. A engenharia, assim como o Direito e a Arquitetura, eram expressões práticas de uma realidade moral e espiritual que antecede o indivíduo.

O Direito Romano, que moldou o Ocidente, não era apenas um sistema de normas, mas uma tentativa de espelhar no mundo visível uma ordem superior e natural. Nesse sentido, o engenheiro e o jurista participam da mesma missão: tornar visível a ordem do ser no mundo das ações humanas.

3. A técnica no horizonte da revolução

A modernidade, especialmente sob a influência da Reforma e da Revolução Francesa, operou uma mutação: rompeu a subordinação da técnica à moral. Romano Guardini, em O Fim da Era Moderna, denuncia a emergência de uma razão puramente instrumental, que se volta contra o próprio homem (GUARDINI, 1998). A técnica, agora autônoma, tende à hipertrofia: desenvolve-se por si, sem freios éticos.

Essa mutação tem raízes germânicas no sentido amplo, pois foi no seio das culturas reformadas, industrializadas e racionalistas da Europa do Norte que a técnica se autonomizou. Em vez de servir à civilização, ela passa a reformulá-la: nasce a engenharia social.

Alasdair MacIntyre, em After Virtue, explica como a modernidade substituiu a ética das virtudes por um sistema técnico de gestão. O mundo passa a ser compreendido como um conjunto de problemas a serem resolvidos por especialistas — engenheiros, juristas, planejadores. Mas, sem um fim último compartilhado, toda profissão degenera (MACINTYRE, 2007).

4. O jurista como engenheiro moral: a degradação do Direito

No mundo moderno, o jurista deixa de ser um sacerdote da justiça e se transforma em lobista. Ele já não defende o direito natural, mas interesses negociáveis. Como os engenheiros sociais, ele participa da reengenharia da sociedade, ajustando leis conforme pressões de grupos de poder.

A semelhança entre o engenheiro, o arquiteto e o advogado está em que todos deveriam ser intérpretes do real, conforme uma ordem anterior à vontade humana. Contudo, na ausência de um fundamento metafísico, todos eles se tornam operadores de sistemas — e sistemas manipuláveis.

Nesse sentido, a figura do lobista jurídico é emblemática: trata-se de um operador técnico da norma, sem qualquer conexão com o bem, a justiça ou a verdade. Um engenheiro do poder, cujo saber é neutro e cuja moral é flexível.

5. A crítica de Ortega y Gasset e a morte do homem técnico

Em Meditações sobre a Técnica, José Ortega y Gasset já antevia o problema: quando a técnica perde sua conexão com o ser, ela deixa de ser humana. O técnico moderno já não se interroga sobre o "por quê", mas apenas sobre o "como". Ele se torna funcional, não contemplativo.

Ortega observa que a técnica se hipertrofia quando perde seu lugar na escala dos valores. O técnico moderno vive num mundo fechado, repetitivo, incapaz de imaginar uma finalidade última. A especialização o aliena da totalidade, e sua ação se torna cega. Quando essa cegueira é aplicada ao Direito, temos a morte da justiça; quando aplicada à política, temos a tirania.

6. Conclusão: o retorno ao fundamento

A crise da técnica, do direito e da arquitetura civilizacional é, no fundo, uma crise de fundamento metafísico. Toda profissão perde seu sentido quando não se orienta a uma verdade que transcende o indivíduo. Como advertia Christopher Dawson, sem um princípio religioso comum, toda civilização decai.

O engenheiro deve retornar à sua vocação originária: ser um servidor da ordem do ser. O jurista, igualmente, deve advogar pela justiça e não por interesses. E o arquiteto, mais do que desenhar formas, deve encarnar valores.

Como nos ensina a tradição romana-cristã, a técnica deve ser serva da verdade, e não senhora da vontade. O futuro da civilização depende da restauração dessa hierarquia.

Referências Bibliográficas

  • DAWSON, Christopher. A Criação de uma Civilização Cristã. São Paulo: Ecclesiae, 2015.

  • GUARDINI, Romano. O Fim da Era Moderna. São Paulo: É Realizações, 1998.

  • MACINTYRE, Alasdair. After Virtue. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 2007.

  • ORTEGA Y GASSET, José. Meditações sobre a Técnica e Outros Ensaios. Lisboa: Relógio d’Água, 1993.

  • ROYCE, Josiah. The Philosophy of Loyalty. New York: Macmillan, 1908.

  • FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe & LUCENA GIRALDO, Manuel. Un Imperio de Ingenieros. Madrid: Taurus, 2012.

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