“Los imperios se levantan sobre mapas, se sostienen con palabras, pero se perpetúan con obras.”
— Manuel Lucena Giraldo“Civilização é a arte de impor um propósito moral ao caos da natureza.”
— Felipe Fernández-Armesto
I. A ambição civilizatória e sua vontade de forma
A história da civilização é a história da forma imposta à matéria. Esta afirmação — aparentemente simples — carrega o peso de séculos de ambição humana, espiritualidade e conflito. Quando estudamos a expansão ibérica dos séculos XVI e XVII, não podemos vê-la apenas como um movimento político, econômico ou militar. Ela foi, acima de tudo, um projeto civilizatório integral, cuja força estava no cruzamento entre cultura, fé e técnica.
Felipe Fernández-Armesto já havia demonstrado, em Civilization: Culture, Ambition and the Transformation of Nature (2000), que a marca fundamental das civilizações é o esforço humano para moldar o ambiente, transcendendo seus limites naturais. É nesse sentido que o autor propõe uma definição de civilização como “controle ambiental” — não no sentido destrutivo da modernidade industrial, mas como vocação de ordenação e significação.
É precisamente nesse espírito que se inserem os engenheiros da Monarquia Hispânica.
II. O engenheiro como missionário técnico
Em Un Imperio de Ingenieros (2023), Manuel Lucena Giraldo, ao lado de Fernández-Armesto, dá voz a uma figura muitas vezes esquecida nas narrativas tradicionais do império: o engenheiro. Mas não qualquer engenheiro. Estamos falando de homens como Cristóbal de Rojas, Juan de Herrera, Pedro de Esquivel e tantos outros que, com régua, compasso e tratados técnicos, moldaram a paisagem do mundo hispânico nos quatro cantos do globo.
Mais do que construtores, eles eram intelectuais militares e artífices de um plano providencial. O Real Corpo de Engenheiros, criado formalmente em 1711, era herdeiro de uma tradição iniciada nos séculos anteriores, sob o comando de mestres formados em matemática, fortificação, hidrologia, náutica e cosmografia. Suas obras — fortalezas, pontes, cidades inteiras como Manila ou Cartagena de Indias — não apenas asseguravam o controle territorial, mas ensinavam uma lógica cristã de organização social e espacial.
O engenheiro não apenas subjugava a natureza. Ele catequizava o espaço.
III. O espírito de Ourique em terras distantes
Esse ethos civilizatório tem raízes profundas. Como recorda Fernández-Armesto, o imaginário da missão ibérica remonta à própria fundação de Portugal, no Milagre de Ourique (1139), onde o rei Afonso Henriques teria recebido a visão de Cristo que o legitimaria como defensor da fé e da ordem cristã. Esta visão da história como cumprimento de uma missão divina está presente, séculos depois, nos projetos de colonização e engenharia na América, na África e na Ásia.
A frase “servir a Cristo em terras distantes” não era mera retórica. Era vontade operante, traduzida em plantas urbanas, cálculos de declividade, canais, bastiões e escadarias. O engenheiro não era apenas um tecnocrata: ele era um servo da Cruz com instrumentos geométricos.
IV. Técnica e Redenção: A cristandade como forma
Enquanto o mundo moderno se afasta cada vez mais da ideia de uma técnica orientada por fins morais, a experiência do Império Católico nos oferece uma alternativa: a técnica como parte de um processo de redenção. O engenheiro imperial não era neutro. Sua neutralidade seria uma traição. Como argumentamos neste capítulo, as obras públicas da Monarquia Hispânica não eram apenas funcionalmente eficientes: elas eram belas, proporcionais, simbólicas.
Essa convergência entre forma técnica e forma espiritual pode ser vista nos traçados das cidades coloniais, organizadas segundo o modelo da “plaza mayor” (praça central), como expressão do centro cósmico e social, onde a Igreja e o poder civil se encontram.
Essa estética não era apenas urbanística, mas teológica.
V. Epílogo: por uma engenharia da civilização
O mundo atual parece fascinado com a técnica desligada do espírito, com a inovação sem fidelidade. Em nome do progresso, constrói-se o que é funcional, mas não o que é justo. Desenha-se o que é eficiente, mas não o que é belo. Planeja-se o que é lucrativo, mas não o que é verdadeiro.
Recuperar o exemplo dos engenheiros da Cristandade ibérica é um convite à integração entre cultura, fé e ciência. Não se trata de um retorno ao passado, mas de uma retomada de propósito: entender que nenhuma civilização perdura sem um eixo moral. E que a Cruz não se opõe ao cálculo, mas o orienta.
Referências:
FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe. Civilization: Culture, Ambition and the Transformation of Nature. London: Pan Macmillan, 2000.
FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe; LUCENA GIRALDO, Manuel. Un Imperio de Ingenieros: una historia del saber al servicio de la Monarquía. Barcelona: Taurus, 2023.
ROJAS, Cristóbal de. Teórica y práctica de fortificación. Madrid: Real Imprenta, 1598.
HERRERA, Juan de. Tratado de Arquitectura. Manuscrito inédito, Biblioteca Nacional de España.
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