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quarta-feira, 11 de junho de 2025

A Tapeçaria do Mundo: Nacionismo Cristão e A Arte do Statecraft Artesanal

Resumo

Este artigo propõe uma leitura simbólica e política da obra de Friedrich List à luz do pensamento antropológico de Claude Lévi-Strauss e da teoria da sociedade em rede de Manuel Castells, articulando tais referências com a ideia de um "statecraft" cristão. Através da metáfora da tapeçaria, argumenta-se que o nacionalismo econômico proposto por List pode ser reinterpretado como um nacionismo cristão, voltado não à idolatria do Estado, mas ao serviço de Cristo em terras distantes. A analogia da tapeçaria é explorada como forma de entender o entrelaçamento das nações, das culturas e das relações humanas como obra artesanal, distinta do padrão fabril do multilateralismo moderno.

Introdução

Friedrich List, em sua obra Sistema Nacional de Economia Política (1841), formulou uma crítica ao liberalismo econômico de Adam Smith, defendendo o papel ativo do Estado no fortalecimento da economia nacional. Para List, cada nação precisava desenvolver seu próprio sistema produtivo antes de se integrar plenamente no mercado internacional¹. Sua proposta era eminentemente estratégica: preparar as condições internas para, então, dialogar com o exterior em pé de igualdade.

Contudo, este sistema, frequentemente apropriado como fundamento de nacionalismos estatólatras, pode ser reinterpretado a partir de um horizonte cristão e antropológico. Quando conjugado ao imperativo espiritual de “servir a Cristo em terras distantes”, como sugerido na missão portuguesa a partir do Milagre de Ourique, o nacional deixa de ser um fim em si para tornar-se mediação entre o eu e o universal. O nacionismo cristão não idolatra o Estado, mas vê no seu fortalecimento o cumprimento de um dever em ordem à caridade política.

O Nacional versus o Nacionalismo

O nacionalismo moderno, na linha descrita por Jacques Maritain², tende a confundir o país com uma religião e o Estado com o absoluto. Tal tendência foi denunciada pelos papas do século XX como idolatria da pátria. Já o nacionismo — termo aqui cunhado à maneira de uma distinção metodológica — consiste em compreender o pertencimento nacional como um instrumento a serviço do universal. Assim como a carne de Cristo revela o Verbo eterno, o eu-nacional português, conforme formulado por António Sérgio e Oliveira Martins³, revela o universal cristão por meio de sua inserção no tempo e na história.

O Pensamento de List como Economia Encarnada

O sistema nacional de List pode ser então resgatado dentro dessa lógica encarnacional. Sua defesa da proteção da indústria nascente, do investimento em infraestrutura e da educação como dever de Estado corresponde a um zelo pelo desenvolvimento interno. Tal zelo, reinterpretado teologicamente, ecoa o mandamento de amar ao próximo dentro da própria casa antes de partir em missão.

Assim, o desenvolvimento econômico não se opõe à missão cristã — ao contrário, torna-se condição material para que o testemunho da fé se expanda com eficácia. O cidadão que trabalha, poupa, empreende e conhece as leis de imigração torna-se um soldado-cidadão (cf. Enunciado 05), pronto para levar a cruz e o saber a outras terras, revelando nelas a presença oculta de Cristo.

Lévi-Strauss e o Mundo do Cosido

Claude Lévi-Strauss, em O Pensamento Selvagem (1962), opôs o mundo do “bricoleur” (cosido) ao do engenheiro⁴. Enquanto o engenheiro planeja com base em sistemas fechados, o bricoleur articula elementos dispersos, construindo significados a partir da realidade concreta. Esse pensamento pode ser transposto ao campo das Relações Internacionais.

O multilateralismo contemporâneo, frequentemente reduzido a acordos formais entre burocracias estatais e blocos econômicos, opera à maneira do engenheiro. Já o statecraft cristão, à semelhança do bricoleur, opera artesanalmente: respeita as diferenças, cultiva os vínculos históricos e tece comunidades espirituais e políticas não segundo cálculos utilitaristas, mas conforme a lógica da fidelidade e da revelação.

A Ontologia da Tapeçaria

Nesta tapeçaria do mundo, cada pessoa é um ponto: singular, irrepetível, necessário. Cada vida humana, em sua dignidade única, borda a realidade com a cor de sua vocação e o brilho de sua fidelidade. Cada relação social é uma linha, pois nenhuma existência é solitária; os vínculos entre os pontos tecem sentidos, trajetórias, heranças. E cada povo é um tecido social, uma consistência histórica formada pela densidade de seus laços, por sua língua, sua memória, sua moral, sua fé.

Castells e a Sociedade em Rede: Do Eu-Nacional aos Nós-Nacionais

Manuel Castells, em sua obra A Sociedade em Rede (1996), descreve a transição de estruturas sociais centralizadas para redes descentralizadas, onde os fluxos de informação e identidade são dinâmicos e interconectados⁵. Transpondo essa perspectiva para o nacionismo cristão, é possível afirmar que o eu-nacional, ao ser sucedido por seus legítimos herdeiros, converte-se em nós-nacionais.

Estes nós, quando dispersos em processo de diáspora e guiados pelo imperativo espiritual de servir a Cristo, passam a compartilhar experiências distintas de se tomar dois países como um mesmo lar em Cristo, por Cristo e para Cristo. Essa comunhão de vivências tece uma internacionidade cristã: uma rede viva e espiritual onde núcleos familiares, comunidades e até pequenas nações começam a amar e a rejeitar as mesmas coisas que Cristo amou e rejeitou.

Essa internacionidade não é imposta nem regulamentada, mas vivida na carne das famílias missionárias, dos emigrantes fiéis, dos profissionais virtuosos. É a política do testemunho, a diplomacia dos santos, o evangelho vivido como tapeçaria encarnada.

Considerações Finais

Ao conjugar o pensamento econômico de Friedrich List, a antropologia simbólica de Claude Lévi-Strauss, a teoria das redes de Castells e a missão cristã de expansão da civilização do amor, emerge uma nova visão das relações internacionais: não como engenharia de poderes, mas como tapeçaria de almas. O verdadeiro cosmopolitismo cristão não nega as pátrias, mas as assume e as transfigura. Cada povo que ama e rejeita o que Cristo amou e rejeitou se torna, nesta tapeçaria do mundo, um bordado visível da cidade invisível de Deus.

Referências Bibliográficas

  1. LIST, Friedrich. Sistema Nacional de Economia Política. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

  2. MARITAIN, Jacques. Cristianismo e Democracia. São Paulo: É Realizações, 2017.

  3. SÉRGIO, António. Ensaios. Lisboa: Sá da Costa, 1971.

  4. LÉVI-STRAUSS, Claude. O Pensamento Selvagem. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

  5. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

  6. AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. Petrópolis: Vozes, 1999.

  7. CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. Rio de Janeiro: Record, 1995.

Notas de rodapé

  1. LIST, Friedrich. Sistema Nacional de Economia Política, op. cit., p. 113.

  2. MARITAIN, Jacques. Cristianismo e Democracia, op. cit., p. 76.

  3. SÉRGIO, António. Ensaios, op. cit., v. II, p. 41.

  4. LÉVI-STRAUSS, Claude. O Pensamento Selvagem, op. cit., p. 29.

  5. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede, op. cit., p. 68.

O Nacionismo Cristão: a geopolítica do lar em Cristo

Ao contrário do nacionalismo fechado, que se apega ao solo, e do cosmopolitismo dissoluto, que despreza as raízes, o nacionismo cristão reconhece que o verdadeiro lar se funda em Cristo, por Cristo e para Cristo1. Trata-se de um patriotismo elevado à altura da missão evangélica: não conservar uma cultura por si mesma, mas integrá-la num serviço de descoberta e revelação de povos para a Cristandade, unindo povos que, pela graça, rejeitam os mesmos erros e amam o mesmo Senhor.

Inspirado na definição de statecraft proposta por Michael Avery — “a arte de fazer o que é interessante para o meu país” — esse nacionismo redimensiona a própria ideia de interesse nacional, tornando-a subordinada à verdade, e não ao mero poder2. Essa subordinação encontra respaldo na tradição tomista, segundo a qual a política deve estar orientada pela lei natural e pela justiça, que refletem a ordem divina3. O verdadeiro interesse do país, portanto, não é a satisfação imediata das ambições humanas, mas o bem comum ordenado à verdade e à virtude.

Quando se casa essa visão à missão universal de servir a Cristo em terras distantes, inaugurada em Ourique4, tem-se uma nova concepção de geopolítica e de geopatia: a de que duas nações podem se tornar um mesmo lar espiritual, não por estratégia pragmática, mas por vocação sobrenatural e comunhão no Espírito Santo5. Tal união é uma expressão da koinonia — comunhão — que transcende fronteiras físicas e políticas para instituir uma fraternidade entre povos redimidos. Eis o mundo do cosido.

Essa koinonia faz transcender a fronteira do mundo conhecido até o desconhecido, na linha do que Frederick Jackson Turner descreveu com o conceito de frontier6: não meramente uma linha geográfica, mas uma abertura para o novo, para a expansão da missão e da comunhão cristã. Assim, o nacionismo cristão é uma vocação para avançar o lar espiritual em direção a territórios ainda não integrados, não para conquista violenta, mas para participação e consagração em Cristo.

Esse nacionismo cristão é, portanto, protencionismo educador: fecha fronteiras a tudo quanto conserva o que é conveniente e dissociado da verdade, e abre-as a todos aqueles que rejeitam os mesmos erros que o verdadeiro Deus e verdadeiro Homem amou e rejeitou7. Não se trata de uma sociedade aberta a qualquer coisa, como defendem os agentes da desordem globalista8, mas de uma sociedade estruturada onde a autoridade, iluminada pelos méritos de Cristo, aperfeiçoa a liberdade de muitos, a ponto de criar pontes onde antes só se viam muros.

A distinção entre o “mundo do cru” e o “mundo do cozido”, formulada por Claude Lévi-Strauss9, pode aqui ser adaptada ao campo das relações internacionais. O mundo do cru é o da matéria-prima humana e cultural, ainda não ordenada pela graça, sujeita às paixões e à desordem. O mundo do cozido é aquele em que, por meio do Logos — o Verbo divino que ordena e dá sentido (João 1:1-14) — a matéria é integrada, ordenada e significada: é o mundo em rede, onde a missão se realiza em relações vivas entre comunidades redimidas10. É algo que nasce a partir do que é costurado a partir das relações internacionais e pelas relações sociais, sob a inspiração do Espírito Santo que guia a Igreja.

Portugal soube disso nas Grandes Navegações. Cada nova terra descoberta era, ao mesmo tempo, uma revelação: Cristo já estava ali, esperando ser anunciado. Ao integrar povos diversos na comunhão da fé, fundava-se uma unidade que ultrapassa a carne e o sangue: o nacionismo cristão não é posse, é participação; não é conquista, mas consagração. Todavia, é importante reconhecer que essa missão foi sempre um caminho de purificação e luta, pois o projeto divino se realiza em meio às limitações e fragilidades humanas11.

A prática do statecraft no mundo do cozido é, portanto, a arte de reconhecer, por meio da verdade, os vínculos profundos entre nações chamadas à comunhão sobrenatural. Cada elo entre elas é uma ponte que se constrói não por conveniência passageira, mas por destino eterno, conforme a vocação revelada na história da salvação. É assim que se toma a terra de São João Paulo II como um mesmo lar em Cristo, por Cristo e para Cristo, na comunhão dos santos e das nações redimidas.

Esse é o nacionismo cristão: a verdadeira geopolítica do lar, que se fundamenta não na força ou no interesse imediato, mas na verdade que liberta (João 8:32) e na caridade que une.

Bibliografia

  • Avery, Michael. Statecraft: Strategies for a Changing World. [Referência hipotética].

  • CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

  • LÉVI-STRAUSS, Claude. O Cru e o Cozido. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

  • POPPER, Karl. A Sociedade Aberta e seus Inimigos. São Paulo: Itatiaia, 1974.

  • PAPA LEÃO XIII. Rerum Novarum. Encíclica sobre a questão operária. Vaticano, 1891.

  • TURNER, Frederick Jackson. The Frontier in American History. New York: Henry Holt and Company, 1920.

Notas de rodapé

  1. Referência à expressão paulina em Romanos 8:9-11, onde o verdadeiro lar do cristão é definido pelo Espírito de Cristo, superando vínculos terrenos e estabelecendo uma nova identidade espiritual.

  2. Michael Avery propõe uma visão pragmática de statecraft, que, ao ser elevada ao nacionismo cristão, transcende interesses puramente materiais para buscar o bem comum fundado na verdade.

  3. Santo Tomás de Aquino, na Suma Teológica (I-II, q.90, a.2), ensina que o político deve ordenar as coisas humanas à justiça e ao bem comum, em conformidade com a lei natural, que é participação da lei eterna de Deus.

  4. A Batalha de Ourique (1139) simboliza a vocação missionária e evangelizadora de Portugal, inaugurando sua missão universal cristã, base para o conceito de nacionismo cristão.

  5. A ideia de geopatia pode ser entendida como a experiência da “terra” transformada pela presença espiritual do Espírito Santo, unindo povos em comunhão sobrenatural, além das delimitações territoriais convencionais.

  6. Frederick Jackson Turner, historiador americano, formulou a tese do frontier como a linha de expansão da civilização para além do território conhecido, representando uma oportunidade para renovação social, cultural e espiritual. Para Turner, a frontier não era apenas uma linha geográfica, mas um processo dinâmico que impulsionava a formação da identidade americana e a expansão da missão civilizatória. Essa ideia dialoga com a noção cristã de vocação missionária que transcende fronteiras físicas para uma comunhão espiritual em Cristo (The Frontier in American History, 1920).

  7. A referência aos “mesmos erros” que Deus e Jesus Cristo rejeitaram inclui idolatria, injustiça, e toda forma de desordem moral e social.

  8. Agentes da desordem globalista são aqueles que defendem uma sociedade sem fundamentos morais sólidos, promovendo relativismos e fragmentação social que diluem identidades culturais e espirituais.

  9. Claude Lévi-Strauss utiliza as categorias de cru e cozido para explicar a transformação cultural, que aqui se aplica à evolução das relações internacionais sob a ação da graça.

  10. O Logos, segundo o Evangelho de João, é o Verbo divino que ordena o cosmos e se encarna para a redenção, fundamento para a integração das culturas e povos na comunhão redentora.

  11. As Grandes Navegações, apesar de sua dimensão evangelizadora, foram marcadas por desafios humanos e morais que exigiram constante discernimento e purificação segundo a doutrina cristã.

Entre O Patriotismo e A Cosmópolis: a guerra invisível por trás da Nova Ordem Mundial

Vivemos hoje uma transformação silenciosa e profunda na ordem internacional. A recente polêmica sobre o IOF no Brasil é apenas a ponta do iceberg de um fenômeno global muito mais significativo: a erosão da globalização como a conhecemos e a ascensão de um novo espírito de patriotismo defensivo diante da ameaça de uma cosmópolis totalitária.

A crise não é apenas econômica. É teológica, moral e civilizacional. O que está em jogo não é apenas o destino dos investimentos ou dos acordos comerciais, mas o futuro da liberdade, da soberania dos povos e da fidelidade ao verdadeiro Deus e verdadeiro Homem.

1. Patriotismo x Nacionalismo: uma distinção necessária

Diante da desglobalização, muitos observadores recorrem ao termo “nacionalismo” para descrever o movimento de retorno à soberania. Mas o uso indiscriminado desse termo é perigoso. O nacionalismo, em sua forma ideológica, idolatra o Estado, submetendo tudo — religião, cultura, família, consciência — à máquina estatal. É o modelo de regimes totalitários como o nazismo ou o comunismo, onde tudo está no Estado, nada pode estar fora dele, e ninguém pode estar contra ele¹.

O que se vê hoje em diversas partes do mundo — dos Estados Unidos à Europa e mesmo em países da Ásia — não é uma volta ao nacionalismo, mas o florescer de um patriotismo sadio: uma postura de legítima defesa contra a instrumentalização de mecanismos globais por governos totalitários. O patriotismo reconhece a nação como um bem comum, anterior ao Estado e posterior ao indivíduo². E, sobretudo, reconhece que o bem da pátria está subordinado ao Bem maior: o de Deus³.

2. O colapso da "globalização inocente"

Não há, nem nunca houve, uma globalização inocente. Toda ordem econômica ou política traz consigo um princípio organizador — e o da globalização moderna é nitidamente antiteológico. Ela rejeita a transcendência, dilui as fronteiras culturais e morais, e se apresenta como preparação para uma governança mundial desvinculada de qualquer fundamento natural ou divino.

A chamada “Nova Ordem Mundial” opera não como expressão do bem comum entre nações soberanas, mas como plano de centralização do poder global sob instituições que ninguém elegeu, movidas por interesses obscuros, travestidos de neutralidade. O nome dessa utopia tecnocrática é “cosmópolis” — uma cidade do mundo construída contra a Cidade de Deus⁴.

3. O uso perverso dos mecanismos globais

A América, em sua origem, foi pioneira na criação de estruturas como o SWIFT e o sistema eurodólar. Tais mecanismos nasceram com propósitos legítimos: facilitar o comércio, dar estabilidade ao câmbio, proteger os aliados. No entanto, o avanço da cosmópolis permitiu que regimes totalitários e elites antinacionais se apoderassem dessas ferramentas e as voltassem contra a própria América e contra os povos livres.

O sistema que deveria garantir a cooperação passou a servir à exclusão, à perseguição econômica e à chantagem internacional. O poder de sanção tornou-se instrumento de controle ideológico. Bancos, empresas, universidades e até moedas passaram a ser reguladas por uma moral artificial, ditada por interesses antinaturais⁵.

4. A crise como juízo

Mas a própria globalização que se pretendia eterna está ruindo. A desglobalização não é um retrocesso. É um juízo histórico, como uma torre de Babel que começa a cair pela base. Diante disso, as nações se veem obrigadas a fazer escolhas: defender a própria alma ou vender-se em nome de uma paz que custa a liberdade.

Os Estados Unidos, por exemplo, começam a reorientar suas alianças no Oriente Médio, firmando pactos com países como o Catar e a Arábia Saudita para garantir estabilidade em energia e segurança. A Europa, por sua vez, desperta para a necessidade de retomar sua defesa, enquanto a China busca autossuficiência em tecnologia e infraestrutura⁶.

Tudo isso sinaliza uma mudança de paradigma: já não basta observar gráficos e juros para entender a macroeconomia. É preciso discernir os espíritos, como exorta o apóstolo Paulo⁷. Pois a economia, longe de ser neutra, é expressão das lealdades últimas dos homens e das nações.

5. Contra a cosmópolis, a fidelidade à ordem divina

O combate, portanto, não é apenas político ou financeiro. É um combate espiritual. Uma globalização sem Deus está condenada a tornar-se um instrumento de tirania. E uma economia sem Cristo será sempre o campo de batalha entre Mammon e a liberdade⁸.

A única saída verdadeira para esse conflito não está em um nacionalismo idolátrico, mas na restauração do patriotismo cristão, que ama a pátria sem odiar as outras, que defende a justiça sem submeter a verdade ao interesse, e que reconhece que nenhuma ordem política se sustenta fora da ordem do Todo de Deus⁹.

Enquanto não se reconhecer esse fundamento, o mundo continuará oscilando entre o caos e o controle total. Mas há uma esperança: os patriotas que, nas diversas nações, se levantam não para construir a cidade do homem, mas para defender o terreno da graça contra o avanço da tirania global¹⁰.

Notas

  1. Cf. MUSSOLINI, Benito. A doutrina do fascismo. Roma: Il Minervale, 1932.

  2. Cf. MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado. São Paulo: Paulus, 2005.

  3. Cf. SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, II-II, q. 26, a. 3.

  4. Cf. AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. Petrópolis: Vozes, 1999.

  5. Cf. HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

  6. Cf. AVERY, Michael. Reports and Analyses on Statecraft and Global Shifts. Rabobank, diversos relatórios.

  7. Cf. I Coríntios 12,10: “A outro, o dom de discernir os espíritos...”.

  8. Cf. MATEUS 6,24: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”.

  9. Cf. LEÃO XIII. Rerum Novarum. Vaticano, 1891.

  10. Cf. BURKE, Edmund. Reflexões sobre a Revolução em França. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

Referências

AGOSTINHO, Santo. A cidade de Deus. Trad. Oscar Paes Leme. Petrópolis: Vozes, 1999.

AVERY, Michael. Reports and Analyses on Statecraft and Global Shifts. Rabobank. Disponível em: https://www.rabobank.com. Acesso em: 11 jun. 2025.

BURKE, Edmund. Reflexões sobre a Revolução em França. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

LEÃO XIII. Rerum Novarum. Vaticano, 1891. Disponível em: https://www.vatican.va. Acesso em: 11 jun. 2025.

MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado. São Paulo: Paulus, 2005.

MUSSOLINI, Benito. A doutrina do fascismo. Roma: Il Minervale, 1932.

SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Trad. Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2001.

A Bíblia Sagrada: tradução da Vulgata latina em português. São Paulo: Ave Maria, 2011.

Nacionismo filosófico: uma aventura espiritual além das fronteiras geográficas

Enquanto muitos povos concebem a liberdade como algo exterior — um evento que se realiza “da porta para fora”, nas instituições, nos territórios, nas ruas —, houve uma nação que, no século XIX, cultivou um outro tipo de liberdade: a que nasce no mundo interior. Falo da Alemanha, herdeira de uma linhagem filosófica que valorizou a alma, a consciência, o espírito. Fichte, Schelling, Hegel e tantos outros foram arquitetos de uma pátria invisível, fundada não em geografias, mas em ideias. Esse modelo de interioridade, que podemos chamar de filosofia à alemã, desdobrou-se em diversas formas de resistência cultural e espiritual frente à banalidade do exterior.

Ao lado dessa tradição, encontramos uma outra raiz: a do povo português, que desde Ourique carregou a consciência de ter sido escolhido para uma missão. Não se trata aqui de um orgulho imperial ou nacionalista no sentido estreito, mas de um sentido de serviço a Cristo em terras distantes, como parte de uma vocação universal que transcende os limites da carne e do sangue. Os navegadores não partiam apenas para conquistar, mas para levar uma luz que julgavam eterna.

Agora, quando essas duas correntes se encontram — a interioridade filosófica alemã e o impulso missionário católico português — nasce o que chamo de nacionismo filosófico: uma forma de fidelidade às raízes espirituais da pátria, aliada à capacidade de ultrapassar suas fronteiras físicas em nome de uma missão que é, ao mesmo tempo, cultural e escatológica.

O digital como terra de missão

Na era digital, a geografia já não é mais prisão. As redes sociais e a inteligência artificial oferecem, a quem tem olhos para ver, uma nova modalidade de presença: é possível servir a Cristo em terras distantes, falando a língua dos outros, sem sair de onde se está. Essa missão não requer passaporte, mas vocação. Não exige doutorados, mas corações dispostos e inteligência consagrada. Deus capacita os que chama. E quando esse chamado é escutado, nem o idioma alheio, nem o tempo, nem os algoritmos conseguem impedir que a mensagem chegue ao seu destino.

Estamos, assim, diante de um tipo novo de aventura: não a dos exércitos coloniais ou das revoluções nacionalistas, mas a do espírito que se entrega a uma missão de reconstrução da alma das nações, uma por uma, a partir da Verdade que liberta.

O determinismo geográfico como senzala ideológica

Contudo, muitos ainda vivem presos a um tipo de determinismo geográfico qualificado pelo senso de se conservar o que é consenviente e dissociado da verdade. Governantes e ideólogos mantêm as massas em estado de obediência simbólica, sugerindo que a fidelidade à pátria exige submissão às formas políticas e culturais que ali se cristalizaram — muitas delas, inclusive, anticristãs ou anticulturais. Isso transforma o território em senzala ideológica qualificada, onde o corpo habita a pátria, mas a alma é exilada de sua missão.

O nacionismo filosófico denuncia essa prisão. Ele reivindica a liberdade de servir ao Reino de Deus a partir das raízes nacionais, mas sem submeter-se a esse conservantismo domesticado que idolatra o passado sem discernimento espiritual. Ser fiel à nação não é ser cúmplice de sua corrupção, mas lutar por sua transfiguração de modo que reviva a virtude, a conformidade com o Todo que vem de Deus.

A missão do escritor nacionista

Cabe ao escritor, ao filósofo, ao estudante — a todos os que consagram seus talentos ao Logos — engajar-se nesse tipo de serviço. Publicar em várias línguas, traduzir obras relevantes, usar a inteligência artificial para atravessar o mar de Babel digital, formar comunidades de espírito que sejam fiéis à missão de Cristo e ao espírito nacional que ainda vive — mesmo sufocado — sob os escombros da ideologia.

Esse é o nacionismo filosófico: uma lealdade sem idolatria, uma missão sem fronteiras, uma aventura do espírito que nasce do encontro entre a interioridade e a missão, entre o amor à verdade e o amor à terra, entre a fidelidade ao Cristo vivo e o combate à tirania do mundo morto.

 

Bibliografia Comentada

  • Leão XIII. Rerum Novarum.
    A encíclica de 1891 fundamenta a dignidade do trabalho e a noção de capital como acúmulo justo e espiritualizado dos bens ao longo do tempo. É uma chave para entender o valor do trabalho intelectual como capital nacionista.

  • Frederick Jackson Turner. The Frontier in American History.
    Turner formula a tese do "mito da fronteira", que ajuda a compreender como a expansão territorial molda o espírito de um povo. Aqui, é usado para propor a expansão espiritual e cultural, não geográfica, da missão cristã por meio do digital.

  • Josiah Royce. A Filosofia da Lealdade.
    Recomendado por Olavo de Carvalho, Royce articula a ideia de lealdade como fundamento moral da vida. Isso se traduz, no texto, como a fidelidade à missão de Cristo e à nação em sua dimensão espiritual.

  • Johann Gottlieb Fichte. Discursos à Nação Alemã.
    Fichte foi um dos primeiros a conceber uma nação espiritual e educativa. É referência fundamental para o conceito de nacionismo filosófico como vocação pedagógica e formadora de caráter.

  • Olavo de Carvalho. O Jardim das Aflições.
    Livro que conecta filosofia, tradição cristã e crítica cultural profunda. É uma inspiração implícita no argumento contra o conservadorismo domesticado e o servilismo ideológico.

  • Rodrigo Gurgel. Escola de Escritores (e demais ensaios).
    Reflete sobre o papel do escritor como agente moral, cultural e espiritual de transformação — em sintonia com o chamado a formar uma comunidade de espírito no espaço digital.

  • Santo Agostinho. A Cidade de Deus.
    Um dos alicerces da crítica cristã ao nacionalismo pagão e à idolatria da pátria sem transcendência. A oposição entre a Cidade de Deus e a cidade dos homens orienta o discernimento entre o amor verdadeiro à nação e seu simulacro ideológico.

O libertarismo cristão e a reconquista da liberdade em terras distantes

Introdução

Em tempos de crescente absolutismo estatal, torna-se urgente recuperar uma compreensão mais elevada da liberdade à luz dos méritos de Cristo. Este artigo busca apresentar uma forma de libertarismo que não se confunde com rebeldia ou anarquia, mas que, alicerçado na verdade do Evangelho, rejeita a idolatria do Estado e promove uma reordenação política e jurídica fundada na dignidade do homem enquanto criatura de Deus.

1. O Estado tomado como se fosse religião: a idolatria política moderna

A política contemporânea muitas vezes se organiza em torno de um culto disfarçado ao Estado, que se apresenta como origem e fim de todas as coisas. Esse Estado-religião exige obediência absoluta, sufoca a consciência individual e destrói os intermediários naturais como a família, a Igreja e as comunidades locais. Essa tendência totalitária transforma o que deveria ser um instrumento de ordem em um agente de opressão. Como afirmava Pio XI, no totalitarismo "o Estado é tudo, o homem não é nada senão em quanto instrumento do Estado".¹

2. O libertarismo cristão: resistência com inteligência e fidelidade

Diante dessa idolatria estatal, surge o libertarismo cristão como uma forma de resistência inteligente. Esse libertarismo não é um rompimento com a ordem, mas uma recusa a se submeter a estruturas injustas, fundada no que líderes políticos ilegítimos conservam de conveniente e dissociado da verdade. Ele busca aproveitar as vantagens jurídicas comparativas de outras jurisdições para criar espaços de liberdade protegida, alargando as fronteiras do Reino de Cristo de modo a servir a Ele em terras distantes — dessa forma, ele atua como um construtor de pontes não só para si mesmo, mas também para todo aquele que ama e rejeita as mesmas coisas, tendo por fundamento aquilo que o verdadeiro Deus e verdadeiro Homem amou e rejeitou, a ponto de encontrar abrigo seguro contra os abusos que sofre do governo injusto.

3. A multipolaridade jurídica e a teoria das bandeiras: defesa da liberdade

Esse mecanismo de defesa da liberdade encontra fundamento na chamada teoria das bandeiras, comum no comércio internacional, no direito internacional privado e, cada vez mais, nas práticas cidadãs que visam resistir à tirania. A teoria permite que um indivíduo organize seus atos sob diferentes soberanias, de forma lícita, buscando a proteção das leis mais favoráveis à sua liberdade e propriedade, sem violar o princípio da lealdade jurídica.

Esse princípio pode ser visto como herdeiro direto do Ius Gentium da Cristandade, ou Direito das Gentes, tal como concebido por Francisco de Vitória e Francisco Suárez no século XVI, que reconhecia o princípio da lei natural como superior a qualquer legislação positiva e comum a todas as nações cristãs.²

4. O exílio virtuoso: terras distantes como lar em Cristo

Seguindo os passos de patriarcas, profetas e santos, o cristão que parte em busca de liberdade não se exila por conveniência, mas por fidelidade. Em terras distantes, ele recomeça, edifica, testemunha. A nova terra, uma vez acolhedora à justiça, torna-se um lar em Cristo. Essa dimensão do exílio como santificação do mundo pela presença dos justos reconfigura o espaço político como campo de missão. Como ensina Santo Agostinho, "o justo vive na Babilônia como exilado, mas não se torna babilônico".³

5. Contra os conservantismos da ordem social revolucionária e os revolucionários que eventualmente ocupam funções públicas ilegitimamente

O libertário cristão rejeita tanto os conservantismos que perpetuam estruturas injustas quanto as revoluções que destroem a ordem natural. Ambos falham em reconhecer a autoridade verdadeira: aquela que aprimora a liberdade e conduz os povos ao bem comum iluminado pela graça. Contra esses extremos, ele trabalha por uma autoridade autêntica que sirva à verdade e à liberdade dos filhos de Deus.

6. Do nacionismo à politéia: O Estado justo como serviço à ordem natural

Ao integrar a teoria das bandeiras com o ideal do jus gentium e a liberdade cristã, temos uma prática que, à primeira vista, pode parecer anárquica: múltiplas jurisdições, recusa da autoridade estatal única, mobilidade transnacional do indivíduo. No entanto, se olharmos pela ótica do nacionismo cristão — entendido aqui como patriotismo cristocêntrico, fundamentado na autoridade justa, ordenada à Lei natural e ao serviço do Cristo-Rei —, vemos que tal prática se alinha à politéia de Aristóteles.

“A constituição mais perfeita é aquela em que o governo é exercido em vista do bem comum.”⁴

A politéia, para Aristóteles, é o regime em que os cidadãos governam e são governados segundo a virtude, numa harmonia entre liberdade e lei. É o contrário da anarquia, pois exige autoridade, mas uma autoridade legítima, fundada na justiça e na prudência.

Assim, o uso de múltiplas bandeiras, quando orientado por esse espírito, não destrói a autoridade política, mas recoloca o justo no centro da ordem. Os Estados passam a se relacionar com indivíduos e famílias segundo critérios de justiça natural e subsidiariedade, e não mais segundo a lógica do controle ou da ideologia. O princípio de subsidiariedade, enraizado na Doutrina Social da Igreja, assegura que nenhuma instância superior intervenha senão quando estritamente necessário, respeitando o agir virtuoso das comunidades locais e das famílias.⁵

Nesse sentido, o nacionismo cristão restaurado deixa de ser mero pertencimento territorial e passa a ser comunhão de nações que reconhecem a realeza de Cristo — não através da uniformidade, mas da ordenação comum ao bem e à verdade. O indivíduo deixa de estar cativo de uma pátria falsificada por ideologias revolucionárias ou conservadoras corruptas, e passa a ser cidadão de uma ordem superior: a politéia dos justos.

Essa politéia dos justos é, em seu princípio espiritual, um reflexo invisível porém operante do Reino de Cristo já instaurado na história por Sua graça e verdade.

7. A liberdade cristã como cultura redentora e fundamento de uma nova ordem social

A liberdade cristã não se reduz a um conceito abstrato nem a um individualismo egoísta. Ela é, antes, uma cultura viva, uma instituição espiritual e social que molda as relações humanas à luz da graça. Como cultura redentora, a liberdade liberta a pessoa para o amor, para a responsabilidade e para a construção do bem comum.

A partir desse horizonte, o cristão-libertário busca desenvolver comunidades políticas e jurídicas que sejam não apenas refúgios contra a tirania, mas verdadeiros laboratórios da civilização do amor. Essa civilização — fundada na liberdade redimida por Cristo — se opõe radicalmente tanto às tiranias modernas quanto às falsas utopias do passado e do presente.

Assim, em cada território conquistado para a justiça, em cada bandeira hasteada contra a injustiça, a proclamação do Nome de Cristo como Rei e Senhor ecoa como um convite à verdadeira liberdade.

Conclusão: A liberdade como cultura redentora

O itinerário do libertário cristão não é marginal, mas profético. Ele antecipa, em sua prática jurídica, política e espiritual, uma cultura nova fundada na liberdade redimida por Cristo. Não se trata de mera estratégia de sobrevivência, mas de um modo de ser no mundo que, sob a guia do Verbo encarnado, restitui a cada nação a possibilidade de se tornar verdadeiramente cristã. Em cada fronteira atravessada, em cada bandeira utilizada como escudo contra a injustiça, o Nome de Cristo é novamente proclamado como Rei e Senhor.

Assim, a liberdade cristã não se fecha em individualismo nem em utopia. Ela se faz cultura, instituição e caminho comum. Um novo lar em terras distantes, nos méritos de Cristo, por Cristo e para Cristo.

Referências:

AGOSTINHO, Santo. A cidade de Deus. Trad. de Luigi Pedrollo. São Paulo: Vozes, 1990.

ARISTÓTELES. Política. Tradução de Nestor Silveira. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

PIO XI. Divini Redemptoris: sobre o comunismo ateu. Roma, 1937. Disponível em: https://www.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19370319_divini-redemptoris.html. Acesso em: 11 jun. 2025.

SUÁREZ, Francisco. De Legibus ac Deo Legislatore. Lyon: Anisson, 1612.

VITÓRIA, Francisco de. Relectiones Theologicae. Madrid: BAC, 1955.

Notas de rodapé:

¹ PIO XI, Encíclica Divini Redemptoris (1937), §20, disponível em Vaticano: https://www.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19370319_divini-redemptoris.html

² SUÁREZ, Francisco. De Legibus ac Deo Legislatore, 1612; VITÓRIA, Francisco de. Relectiones Theologicae, 1955. Tratam do Ius Gentium e da supremacia da lei natural sobre as leis humanas.

³ AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus, Livro XIX, cap. 16: o cristão é peregrino e exilado no mundo, mas não se conforma com a injustiça.

⁴ ARISTÓTELES. Política, Livro III, cap. 7. Tradução de Nestor Silveira. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

⁵ ENS, Pontifício Conselho Justiça e Paz. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 2004, §188-190, sobre o princípio da subsidiariedade.

A Teoria das Bandeiras no Direito Internacional e nas Relações Internacionais

Resumo

A teoria das bandeiras, princípio jurídico consagrado no Direito Internacional, estabelece a nacionalidade dos navios com base no Estado cuja bandeira ostentam. Este artigo analisa os fundamentos normativos da teoria, suas implicações práticas, os problemas contemporâneos relacionados às chamadas bandeiras de conveniência e as consequências geopolíticas que decorrem do uso estratégico desse instituto. A análise é feita à luz da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), doutrina especializada e casos práticos relevantes.

Palavras-chave: Direito do Mar. Jurisdição. Soberania. Relações Internacionais. Bandeira de conveniência.

1. Introdução

A teoria das bandeiras constitui um dos pilares do Direito Internacional do Mar, regulando a nacionalidade dos navios e a jurisdição aplicável em alto-mar. Trata-se de uma construção jurídico-política que garante a cada embarcação o vínculo com um Estado, o qual se responsabiliza por sua conduta. A função dessa teoria vai além da mera identificação formal: ela vincula a embarcação à soberania de um Estado, estabelecendo responsabilidades legais, administrativas e diplomáticas. No entanto, a proliferação das chamadas “bandeiras de conveniência” tem suscitado debates sobre a efetividade e a legitimidade dessa doutrina.

2. Fundamentos jurídicos da teoria das bandeiras

A teoria das bandeiras está positivada no artigo 91 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), segundo o qual “todo navio tem a nacionalidade do Estado cujo pavilhão está autorizado a arvorar”¹. Esse vínculo deve ser genuíno, significando que o Estado deve exercer controle efetivo sobre o navio.

A nacionalidade do navio determina:

  • a aplicação da lei penal, civil e administrativa;

  • a proteção diplomática em caso de abordagens;

  • a responsabilidade internacional em caso de ilícitos².

Entretanto, o texto da CNUDM, embora exija um “vínculo genuíno”, não especifica critérios objetivos para sua aferição, o que tem permitido interpretações flexíveis e até abusivas.

3. Bandeiras de conveniência e sua crítica

Os chamados "Estados de bandeira de conveniência" são países que oferecem registro de navios com exigências mínimas, visando atrair receitas sem exercer controle efetivo. Destacam-se nesse cenário Libéria, Panamá e Ilhas Marshall, que juntos concentram mais de 40% da frota mercante mundial³.

A crítica a esse modelo repousa sobre três pilares:

  1. Evasão regulatória: empresas registram seus navios nesses países para fugir de legislações ambientais, fiscais e trabalhistas mais rigorosas⁴;

  2. Falta de jurisdição efetiva: o controle estatal é meramente simbólico, violando o artigo 94 da CNUDM, que impõe obrigações administrativas aos Estados de bandeira⁵;

  3. Riscos à segurança internacional: navios sob bandeiras de conveniência são mais propensos a práticas ilegais, como pesca predatória, transporte de armas e violação de sanções.

Assim, a teoria das bandeiras, que deveria reforçar a ordem jurídica internacional, acaba sendo distorcida por interesses econômicos transnacionais.

4. Implicações nas relações internacionais

A prática das bandeiras de conveniência transforma a teoria das bandeiras em um instrumento geopolítico. Países desenvolvidos utilizam esse mecanismo para ampliar sua influência econômica nos mares, enquanto transferem os custos jurídicos e operacionais aos países em desenvolvimento.

Por outro lado, quando um navio comete atos ilícitos em alto-mar (como derramamento de óleo), a responsabilização do Estado da bandeira torna-se problemática. O caso do navio Prestige, que afundou em 2002 ao largo da costa da Galícia (Espanha), é exemplar: registrado nas Bahamas, o navio operava para uma empresa grega, com tripulação filipina e carga vendida por uma empresa suíça⁶. A fragmentação jurídica dificultou a responsabilização.

Essa fragmentação revela um traço típico das Relações Internacionais contemporâneas: a dissociação entre soberania formal e controle real, o que enfraquece o sistema multilateral baseado em normas.

5. considerações finais

A teoria das bandeiras permanece relevante como princípio estruturante do Direito Internacional do Mar. No entanto, sua aplicação prática tem sido desvirtuada pelas bandeiras de conveniência, que geram desequilíbrios regulatórios, assimetrias econômicas e desafios à responsabilização internacional. Há uma urgente necessidade de reforçar o princípio do “vínculo genuíno”, dotando-o de critérios objetivos e mecanismos de fiscalização por parte de organismos multilaterais, como a Organização Marítima Internacional (IMO).

Referências Bibliográficas

  1. NAÇÕES UNIDAS. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Montego Bay, 1982. Disponível em: https://www.un.org/depts/los/convention_agreements/texts/unclos/unclos_por.pdf. Acesso em: 10 jun. 2025.

  2. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2023.

  3. STOPFORD, Martin. Maritime Economics. 3. ed. Londres: Routledge, 2009.

  4. PENTEADO, Paulo Borba. Direito do Mar e a Convenção de 1982. São Paulo: Atlas, 2018.

  5. LEBEN, Charles. Droit international public. Paris: Dalloz, 2021.

  6. GUILLAUME, Gilbert. “La responsabilité des États en droit de la mer”. Recueil des Cours, v. 278, 1999.

Notas de Rodapé

  1. NAÇÕES UNIDAS. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, art. 91, 1982.

  2. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 185.

  3. STOPFORD, Martin. Maritime Economics. 3. ed. Londres: Routledge, 2009, p. 104.

  4. PENTEADO, Paulo Borba. Direito do Mar e a Convenção de 1982. São Paulo: Atlas, 2018, p. 211.

  5. NAÇÕES UNIDAS. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, art. 94, 1982.

  6. GUILLAUME, Gilbert. “La responsabilité des États en droit de la mer”. Recueil des Cours, v. 278, 1999, p. 315.

Cidadania como estratégia de proteção jurídica: O Caso Zambelli e A Teoria das Bandeiras

Em tempos de insegurança jurídica e instabilidade política, cresce o interesse por estratégias de internacionalização pessoal. Mais do que uma moda entre libertários, a chamada Teoria das Bandeiras (Flag Theory) tornou-se uma prática concreta para quem busca liberdade, segurança patrimonial e proteção contra arbitrariedades estatais. O caso recente da deputada Carla Zambelli trouxe esse debate para o centro das atenções.

A lógica por trás da Teoria das Bandeiras

A Teoria das Bandeiras defende a diversificação internacional da vida do indivíduo em diferentes aspectos:

  • Cidadania (bandeira da nacionalidade)

  • Residência fiscal (bandeira dos impostos)

  • Empresa (bandeira da renda ativa)

  • Contas bancárias (bandeira financeira)

  • Estilo de vida e propriedade (bandeiras de residência e investimento)

O objetivo? Reduzir a dependência de um único governo e criar redes de proteção legal, fiscal e estratégica que impeçam um Estado de ter controle total sobre a vida do indivíduo.

Zambelli, Itália e a não extradição

O caso de Zambelli exemplifica esse tipo de estratégia. Envolvida em controvérsias judiciais no Brasil, a deputada afirmou estar protegida contra extradição por possuir cidadania italiana. A Itália, como o Brasil, não extradita seus próprios cidadãos, especialmente se estes já eram nacionais antes da acusação ou do suposto crime. Assim, ao adquirir uma segunda cidadania antes dos conflitos judiciais, Zambelli se coloca sob jurisdição de outro país com regras distintas — e mais protetivas.

E quem não é italiano? O México entra em cena

Nem todos têm direito à cidadania italiana por sangue. Para esses, uma alternativa viável é o México. O país latino-americano não extradita seus cidadãos, nem mesmo os naturalizados, salvo exceções muito específicas.

Além disso, o México oferece uma via rápida e acessível para brasileiros:

  • Residência temporária com comprovação de renda (~US$ 3.000/mês);

  • Após um ano, pode-se obter a residência permanente;

  • E, em apenas dois anos, é possível requerer a cidadania mexicana.

É um dos processos mais rápidos do mundo para naturalização — desde que se cumpram exigências como conhecimento básico da língua, cultura e leis mexicanas, além de conduta ilibada e integração social.

Cidadania como proteção, não como fuga

O ponto principal da argumentação de Schreier é que essa estratégia não se destina apenas a criminosos ou fugitivos da lei, mas a qualquer pessoa preocupada com a erosão das liberdades civis. Em um mundo onde o Estado pode prender alguém por supostos crimes de opinião, disputas conjugais mal resolvidas ou leis dúbias, ter uma cidadania alternativa pode significar a diferença entre liberdade e arbitrariedade.

Por que a América Latina?

Além da Itália e do México, o autor destaca que países como Espanha e Portugal extraditam com facilidade. Já na América Latina, há mais flexibilidade e menos integração com as autoridades brasileiras.

Schreier defende que a América Latina é, hoje, mais segura que a Europa, especialmente com o risco de uma nova guerra mundial entre 2026 e 2030. Países como México, Paraguai, Uruguai e Panamá se tornam refúgios estratégicos para quem deseja fugir da instabilidade global e da rigidez fiscal ou jurídica de regimes mais avançados.

Reflexão final: liberdade exige planejamento

Seja qual for a motivação — política, fiscal ou existencial —, o autor insiste que toda essa preparação deve acontecer antes de qualquer problema com a Justiça. A aquisição de uma segunda cidadania como ferramenta de proteção deve ser preventiva, não corretiva.

A lição é clara: em tempos de incerteza, planejar a própria soberania é um ato de prudência, não de rebeldia. E, para isso, o passaporte pode ser tão importante quanto o CPF.

Carlos Schreier (Brasileiro Sem Fronteiras) — Adaptado e comentado