Resumo
Este artigo propõe uma leitura simbólica e política da obra de Friedrich List à luz do pensamento antropológico de Claude Lévi-Strauss e da teoria da sociedade em rede de Manuel Castells, articulando tais referências com a ideia de um "statecraft" cristão. Através da metáfora da tapeçaria, argumenta-se que o nacionalismo econômico proposto por List pode ser reinterpretado como um nacionismo cristão, voltado não à idolatria do Estado, mas ao serviço de Cristo em terras distantes. A analogia da tapeçaria é explorada como forma de entender o entrelaçamento das nações, das culturas e das relações humanas como obra artesanal, distinta do padrão fabril do multilateralismo moderno.
Introdução
Friedrich List, em sua obra Sistema Nacional de Economia Política (1841), formulou uma crítica ao liberalismo econômico de Adam Smith, defendendo o papel ativo do Estado no fortalecimento da economia nacional. Para List, cada nação precisava desenvolver seu próprio sistema produtivo antes de se integrar plenamente no mercado internacional¹. Sua proposta era eminentemente estratégica: preparar as condições internas para, então, dialogar com o exterior em pé de igualdade.
Contudo, este sistema, frequentemente apropriado como fundamento de nacionalismos estatólatras, pode ser reinterpretado a partir de um horizonte cristão e antropológico. Quando conjugado ao imperativo espiritual de “servir a Cristo em terras distantes”, como sugerido na missão portuguesa a partir do Milagre de Ourique, o nacional deixa de ser um fim em si para tornar-se mediação entre o eu e o universal. O nacionismo cristão não idolatra o Estado, mas vê no seu fortalecimento o cumprimento de um dever em ordem à caridade política.
O Nacional versus o Nacionalismo
O nacionalismo moderno, na linha descrita por Jacques Maritain², tende a confundir o país com uma religião e o Estado com o absoluto. Tal tendência foi denunciada pelos papas do século XX como idolatria da pátria. Já o nacionismo — termo aqui cunhado à maneira de uma distinção metodológica — consiste em compreender o pertencimento nacional como um instrumento a serviço do universal. Assim como a carne de Cristo revela o Verbo eterno, o eu-nacional português, conforme formulado por António Sérgio e Oliveira Martins³, revela o universal cristão por meio de sua inserção no tempo e na história.
O Pensamento de List como Economia Encarnada
O sistema nacional de List pode ser então resgatado dentro dessa lógica encarnacional. Sua defesa da proteção da indústria nascente, do investimento em infraestrutura e da educação como dever de Estado corresponde a um zelo pelo desenvolvimento interno. Tal zelo, reinterpretado teologicamente, ecoa o mandamento de amar ao próximo dentro da própria casa antes de partir em missão.
Assim, o desenvolvimento econômico não se opõe à missão cristã — ao contrário, torna-se condição material para que o testemunho da fé se expanda com eficácia. O cidadão que trabalha, poupa, empreende e conhece as leis de imigração torna-se um soldado-cidadão (cf. Enunciado 05), pronto para levar a cruz e o saber a outras terras, revelando nelas a presença oculta de Cristo.
Lévi-Strauss e o Mundo do Cosido
Claude Lévi-Strauss, em O Pensamento Selvagem (1962), opôs o mundo do “bricoleur” (cosido) ao do engenheiro⁴. Enquanto o engenheiro planeja com base em sistemas fechados, o bricoleur articula elementos dispersos, construindo significados a partir da realidade concreta. Esse pensamento pode ser transposto ao campo das Relações Internacionais.
O multilateralismo contemporâneo, frequentemente reduzido a acordos formais entre burocracias estatais e blocos econômicos, opera à maneira do engenheiro. Já o statecraft cristão, à semelhança do bricoleur, opera artesanalmente: respeita as diferenças, cultiva os vínculos históricos e tece comunidades espirituais e políticas não segundo cálculos utilitaristas, mas conforme a lógica da fidelidade e da revelação.
A Ontologia da Tapeçaria
Nesta tapeçaria do mundo, cada pessoa é um ponto: singular, irrepetível, necessário. Cada vida humana, em sua dignidade única, borda a realidade com a cor de sua vocação e o brilho de sua fidelidade. Cada relação social é uma linha, pois nenhuma existência é solitária; os vínculos entre os pontos tecem sentidos, trajetórias, heranças. E cada povo é um tecido social, uma consistência histórica formada pela densidade de seus laços, por sua língua, sua memória, sua moral, sua fé.
Castells e a Sociedade em Rede: Do Eu-Nacional aos Nós-Nacionais
Manuel Castells, em sua obra A Sociedade em Rede (1996), descreve a transição de estruturas sociais centralizadas para redes descentralizadas, onde os fluxos de informação e identidade são dinâmicos e interconectados⁵. Transpondo essa perspectiva para o nacionismo cristão, é possível afirmar que o eu-nacional, ao ser sucedido por seus legítimos herdeiros, converte-se em nós-nacionais.
Estes nós, quando dispersos em processo de diáspora e guiados pelo imperativo espiritual de servir a Cristo, passam a compartilhar experiências distintas de se tomar dois países como um mesmo lar em Cristo, por Cristo e para Cristo. Essa comunhão de vivências tece uma internacionidade cristã: uma rede viva e espiritual onde núcleos familiares, comunidades e até pequenas nações começam a amar e a rejeitar as mesmas coisas que Cristo amou e rejeitou.
Essa internacionidade não é imposta nem regulamentada, mas vivida na carne das famílias missionárias, dos emigrantes fiéis, dos profissionais virtuosos. É a política do testemunho, a diplomacia dos santos, o evangelho vivido como tapeçaria encarnada.
Considerações Finais
Ao conjugar o pensamento econômico de Friedrich List, a antropologia simbólica de Claude Lévi-Strauss, a teoria das redes de Castells e a missão cristã de expansão da civilização do amor, emerge uma nova visão das relações internacionais: não como engenharia de poderes, mas como tapeçaria de almas. O verdadeiro cosmopolitismo cristão não nega as pátrias, mas as assume e as transfigura. Cada povo que ama e rejeita o que Cristo amou e rejeitou se torna, nesta tapeçaria do mundo, um bordado visível da cidade invisível de Deus.
Referências Bibliográficas
LIST, Friedrich. Sistema Nacional de Economia Política. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
MARITAIN, Jacques. Cristianismo e Democracia. São Paulo: É Realizações, 2017.
SÉRGIO, António. Ensaios. Lisboa: Sá da Costa, 1971.
LÉVI-STRAUSS, Claude. O Pensamento Selvagem. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. Petrópolis: Vozes, 1999.
CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. Rio de Janeiro: Record, 1995.
Notas de rodapé
LIST, Friedrich. Sistema Nacional de Economia Política, op. cit., p. 113.
MARITAIN, Jacques. Cristianismo e Democracia, op. cit., p. 76.
SÉRGIO, António. Ensaios, op. cit., v. II, p. 41.
LÉVI-STRAUSS, Claude. O Pensamento Selvagem, op. cit., p. 29.
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede, op. cit., p. 68.