1. Prólogo: Quando o Bar é Bachoso
Se para o carioca “Bach” e “bar” são homófonos, então não é apenas a música que encontra abrigo na mesa de um botequim, mas a própria arquitetura do som se rende à malandragem fonética. E se “bar” é “Bach”, nada impede que “Barroso” vire “Bachoso”, um adjetivo que, na falta de melhor termo, designa aquilo que carrega a solenidade barroca do contraponto, mas com o desconcerto tropical de uma pronúncia relaxada.
2. O Surgimento do Bachoso
Bachoso é tudo aquilo que, sem ser bachiano, ostenta a nobreza implícita na justaposição de vozes. O termo surge no cruzamento linguístico onde o rigor da tradição alemã colide — ou talvez samba — com a irreverência fonológica do Rio de Janeiro.
De fato, quando a garganta carioca dissolve o “r” final em algo entre um [χ], um [ʁ] e um simples [h], aquilo que era “Bach” (/bax/) no alemão se acomoda tranquilamente no mesmo espaço acústico de “bar”. O fenômeno não é acidente, é destino fonético.
Assim, se alguém diz:
— “Isso tá muito bachoso.”
Pode querer dizer, conforme o contexto:
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Que há uma exuberância barroca no que se vê ou ouve.
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Que algo transpira erudição deslocada no meio da informalidade.
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Ou, ironicamente, que a coisa virou uma salada de vozes, de argumentos, de decisões ou de harmonias — simultaneamente rigorosa e caótica, como convém ao Brasil.
3. O Bachoso Jurídico: Suprema Harmonia
Aqui se abre uma janela inevitável: Barroso → Bachoso.
Num país onde a oratória jurídica se quer música celestial, nada mais apropriado que traduzir o Supremo em linguagem musical. Afinal, não é o plenário uma espécie de fugato dissonante, onde ministros expõem temas, contra-temas, entradas, saídas e modulações discursivas que beiram o contraponto renascentista, mas com cadências sempre suspensas?
Logo, dizer que uma decisão foi “bachosa” talvez signifique reconhecer que ela possui:
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Um tema jurídico claro (ao menos na exposição inicial);
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Várias vozes simultâneas que, em vez de concordarem, tensionam-se harmonicamente;
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E, por fim, uma resolução que não encerra, mas deixa aberta a fuga para o próximo movimento do Judiciário.
Talvez até possamos batizar a estética decisória do STF de “Bachismo Tropical”, ou mais precisamente, “Supremo Bachoso”.
4. O Bachoso Social: contraponto no boteco
Mas não é preciso ir tão longe. O carioca médio já pratica o bachoso sem saber. Veja:
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O garçom traz três pedidos distintos, que chegam simultaneamente à mesa sem se anular.
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Na mesa, cada voz comenta um tema: futebol, política e fofoca do condomínio. Todas entram em momentos diferentes, sobrepõem-se, cruzam-se, mas sem que ninguém realmente escute o outro.
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E, no fim, quando o garçom traz a conta, há uma cadência imperfeita: ninguém sabe exatamente quem paga o quê, e o acerto vira um coral dissonante.
Isto, meus senhores, é puro Bachoso Popular.
5. Filosofia do Bachoso: uma ontologia da simultaneidade
Se o universo é, como dizia Leibniz, composto de mônadas sem janelas, o Brasil bachoso é composto de vozes sem escuta, mas que coexistem — harmonicamente ou não — no mesmo espaço social.
A estética do bachoso consiste em:
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Superposição sem subordinação.
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Harmonia sem hierarquia.
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Dissonância como forma de convivência.
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E, claro, uma pitada de humor fonético que faz do erro uma virtude e da ambiguidade, uma arte.
6. Conclusão: Ser ou Não Ser Bachoso
No fim das contas, ser bachoso é aceitar que, na língua, na música e na vida social, o rigor não exclui a malandragem, e a malandragem não nega a beleza do rigor.
Que cada um leve seu Bach ao bar, seu Barroso ao contraponto, e que da colisão dessas vozes surja, quem sabe, uma nova estética nacional:
— O Bachismo Carioca.
Ou melhor:
— O Supremo Bachoso Tropical.