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quarta-feira, 4 de junho de 2025

Bachoso: ensaio sobre a estética do contraponto carioca

1. Prólogo: Quando o Bar é Bachoso

Se para o carioca “Bach” e “bar” são homófonos, então não é apenas a música que encontra abrigo na mesa de um botequim, mas a própria arquitetura do som se rende à malandragem fonética. E se “bar” é “Bach”, nada impede que “Barroso” vire “Bachoso”, um adjetivo que, na falta de melhor termo, designa aquilo que carrega a solenidade barroca do contraponto, mas com o desconcerto tropical de uma pronúncia relaxada.

2. O Surgimento do Bachoso

Bachoso é tudo aquilo que, sem ser bachiano, ostenta a nobreza implícita na justaposição de vozes. O termo surge no cruzamento linguístico onde o rigor da tradição alemã colide — ou talvez samba — com a irreverência fonológica do Rio de Janeiro.

De fato, quando a garganta carioca dissolve o “r” final em algo entre um [χ], um [ʁ] e um simples [h], aquilo que era “Bach” (/bax/) no alemão se acomoda tranquilamente no mesmo espaço acústico de “bar”. O fenômeno não é acidente, é destino fonético.

Assim, se alguém diz:
“Isso tá muito bachoso.”
Pode querer dizer, conforme o contexto:

  • Que há uma exuberância barroca no que se vê ou ouve.

  • Que algo transpira erudição deslocada no meio da informalidade.

  • Ou, ironicamente, que a coisa virou uma salada de vozes, de argumentos, de decisões ou de harmonias — simultaneamente rigorosa e caótica, como convém ao Brasil.

3. O Bachoso Jurídico: Suprema Harmonia

Aqui se abre uma janela inevitável: Barroso → Bachoso.

Num país onde a oratória jurídica se quer música celestial, nada mais apropriado que traduzir o Supremo em linguagem musical. Afinal, não é o plenário uma espécie de fugato dissonante, onde ministros expõem temas, contra-temas, entradas, saídas e modulações discursivas que beiram o contraponto renascentista, mas com cadências sempre suspensas?

Logo, dizer que uma decisão foi “bachosa” talvez signifique reconhecer que ela possui:

  • Um tema jurídico claro (ao menos na exposição inicial);

  • Várias vozes simultâneas que, em vez de concordarem, tensionam-se harmonicamente;

  • E, por fim, uma resolução que não encerra, mas deixa aberta a fuga para o próximo movimento do Judiciário.

Talvez até possamos batizar a estética decisória do STF de “Bachismo Tropical”, ou mais precisamente, “Supremo Bachoso”.

4. O Bachoso Social: contraponto no boteco

Mas não é preciso ir tão longe. O carioca médio já pratica o bachoso sem saber. Veja:

  • O garçom traz três pedidos distintos, que chegam simultaneamente à mesa sem se anular.

  • Na mesa, cada voz comenta um tema: futebol, política e fofoca do condomínio. Todas entram em momentos diferentes, sobrepõem-se, cruzam-se, mas sem que ninguém realmente escute o outro.

  • E, no fim, quando o garçom traz a conta, há uma cadência imperfeita: ninguém sabe exatamente quem paga o quê, e o acerto vira um coral dissonante.

Isto, meus senhores, é puro Bachoso Popular.

5. Filosofia do Bachoso: uma ontologia da simultaneidade

Se o universo é, como dizia Leibniz, composto de mônadas sem janelas, o Brasil bachoso é composto de vozes sem escuta, mas que coexistem — harmonicamente ou não — no mesmo espaço social.

A estética do bachoso consiste em:

  • Superposição sem subordinação.

  • Harmonia sem hierarquia.

  • Dissonância como forma de convivência.

  • E, claro, uma pitada de humor fonético que faz do erro uma virtude e da ambiguidade, uma arte.

6. Conclusão: Ser ou Não Ser Bachoso

No fim das contas, ser bachoso é aceitar que, na língua, na música e na vida social, o rigor não exclui a malandragem, e a malandragem não nega a beleza do rigor.

Que cada um leve seu Bach ao bar, seu Barroso ao contraponto, e que da colisão dessas vozes surja, quem sabe, uma nova estética nacional:

O Bachismo Carioca.

Ou melhor:
O Supremo Bachoso Tropical.

Bach no Bar: um encontro fonético carioca à luz da percepção polonesa

Introdução: Quando o Sotaque Faz Música

Imagine a cena: um carioca diz com naturalidade — “Vamos ouvir Bach no bar.” O que, para ele, é apenas uma frase trivial, para um polonês que domina a língua portuguesa soa como um pequeno milagre fonético — ou talvez um tropeço encantador da linguagem. Afinal, no sotaque carioca, “Bach” e “bar” têm praticamente a mesma pronúncia.

Este artigo propõe refletir sobre esse fenômeno linguístico que emerge do cruzamento entre três sistemas fonológicos — o português carioca, o alemão e o polonês — e como a percepção de um estrangeiro revela sutilezas que um nativo muitas vezes ignora.

1. O Fenômeno Fonético: Por Que “Bach” e “Bar” São Iguais no Carioca?

A peculiaridade nasce de uma combinação de fatores fonológicos típicos do português falado no Rio de Janeiro:

O “R” Final Carioca:

Diferente de outras variantes do português, o “r” final no sotaque carioca não é alveolar (como em São Paulo ou Portugal), mas sim uma fricativa uvular ou glotal. Isso quer dizer que o som é produzido na parte posterior da garganta, soando como [χ], [ʁ] ou até [h], dependendo da intensidade do sotaque.

Adaptação Fonética de Palavras Estrangeiras:

O português brasileiro não possui, nativamente, o fonema /x/ alemão — aquele som gutural presente na palavra “Bach” (/bax/ no alemão padrão). Por isso, o som é naturalmente substituído por fonemas disponíveis no sistema fonológico do português. No caso do carioca, o “ch” final é mapeado diretamente no som do “r” final, pois ambos compartilham um ponto articulatório posterior e fricativo.

Resultado:
“Bach” → /bar/ no carioca.

2. A Percepção Polonesa: Ouvidos Que Ouvem Mais

Para um nativo da língua polonesa, esse fenômeno não passa despercebido. Isso ocorre porque:

O Polonês Possui o Som /x/:

A língua polonesa contém sons fricativos posteriores, como “ch” e “h”, que variam entre velar [x] e glotal [h]. Portanto, o polonês diferencia naturalmente sons como “Bach” (/bax/) e “bar” (/bar/), seja em polonês, em alemão ou em inglês.

Consciência Metalinguística Aumentada:

Ao aprender português, especialmente na variante carioca, o polonês se depara com um fenômeno curioso: dois sons que, em sua língua, são radicalmente diferentes tornam-se foneticamente equivalentes no português do Rio de Janeiro.

Isso não apenas salta aos ouvidos como também provoca uma espécie de choque linguístico cômico:
“Espere... eles estão realmente dizendo ‘bar’ quando querem dizer ‘Bach’?”

3. Implicações Culturais e Linguísticas

Essa coincidência fonética abre espaço para reflexões culturais e até poéticas:

O Carioca e seu jeito de fazer música até na fala:

Não é exagero dizer que, para o carioca, Bach e bar se encontram na mesma mesa. Afinal, tanto no contraponto quanto no contrabando de chope, há uma harmonia social que une música e convívio.

O polonês e a descoberta do Brasil fonético:

Para o polonês, que traz na bagagem uma língua de articulações robustas e consoantes densas, descobrir que Bach e bar são homófonos no Rio de Janeiro é também descobrir que, no Brasil, a linguagem é mais líquida — ou, quem sabe, mais espirituosa.

Trocadilho Internacional:

Imagine o letreiro de um bar carioca frequentado por músicos:
“Bach no Bar — Happy Hour com Contraponto.”
O polonês ri, o carioca não percebe, e o alemão finge que não entendeu.

4. O que isso revela sobre língua e identidade?

A língua não é um sistema fechado, mas uma tapeçaria viva de adaptações, acomodações e até mal-entendidos férteis. A pronúncia carioca que transforma “Bach” em “bar” não é defeito; é uma expressão legítima das possibilidades fonológicas da comunidade que a fala.

Do outro lado, o polonês, ao reconhecer esse fenômeno, torna-se também intérprete de sua própria língua e da língua do outro. É nesse jogo de reflexos — ouvir, perceber, comparar — que se realiza não só o aprendizado de idiomas, mas também uma ampliação da consciência cultural.

Conclusão: onde está o Bach? Está no bar.

O fenômeno da homofonia entre “Bach” e “bar” no português carioca, percebido de forma aguda por um falante nativo de polonês, é mais do que uma curiosidade fonética. É um lembrete de que a linguagem, como a música, possui variações infinitas — todas legítimas, todas belas, todas expressões de uma humanidade que, no fundo, sempre busca harmonia.

E que, no fim das contas, talvez a melhor forma de ouvir Bach seja, sim, no bar — entre amigos, entre sons e entre mundos.

IPTU após o falecimento do proprietário: quem deve pagar? Aspectos Legais e Jurisprudenciais

Introdução

A morte de um proprietário de imóvel gera uma série de efeitos jurídicos, especialmente no campo do direito tributário e do direito sucessório. Uma dúvida recorrente é: é legal cobrar IPTU de uma pessoa falecida? Quem responde por esse tributo? Este artigo aborda essa questão à luz da legislação brasileira, da doutrina e da jurisprudência, oferecendo esclarecimentos sobre os direitos e deveres dos sucessores em relação ao IPTU.

1. O que é o IPTU e quem é o sujeito passivo?

O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) é um tributo municipal, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, conforme estabelece o artigo 156, I, da Constituição Federal de 1988.

O sujeito passivo do IPTU é, em regra, o proprietário, o titular do domínio útil ou o possuidor do imóvel urbano, conforme o artigo 34 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966):

Art. 34. Sujeito passivo do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.

2. O que acontece com o IPTU após o óbito?

Quando o proprietário falece, não se extingue imediatamente a obrigação tributária, mas ocorre uma alteração no sujeito passivo.

O artigo 131, I, do Código Tributário Nacional (CTN) prevê:

Art. 131. São pessoalmente responsáveis:

I - o espólio, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da abertura da sucessão.

Portanto, até a conclusão do inventário, o espólio — que é a massa patrimonial do falecido — responde pelos tributos, incluindo o IPTU.

Após o encerramento do inventário, os herdeiros passam a ser responsáveis na proporção dos bens que lhes couberam, conforme o artigo 130 do CTN:

Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis transmitem-se aos adquirentes a qualquer título e aos sucessores, a qualquer título, de bens imóveis.

3. A ilegalidade de cobrar IPTU diretamente do falecido

É ilegal e tecnicamente nula qualquer cobrança de IPTU direcionada a uma pessoa falecida, uma vez que, na linguagem jurídica, essa pessoa não possui mais personalidade civil nem capacidade tributária passiva.

Nos termos do artigo 6º do Código Civil:

Art. 6º. A existência da pessoa natural termina com a morte.

Portanto, ao falecer, extingue-se a personalidade civil e, consequentemente, a titularidade ativa e passiva de direitos e deveres.

Se a Prefeitura, por erro, ajuiza uma execução fiscal em nome do falecido, esse processo é absolutamente nulo, conforme entendimento pacífico da jurisprudência.

✔️ Jurisprudência exemplificativa:

“É nula a execução fiscal ajuizada em face de pessoa falecida, devendo ser extinta sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC.”
(TJSP - Apelação Cível nº 1016495-59.2019.8.26.0003)

4. Como deve proceder a administração tributária

A Fazenda Pública deve observar o correto procedimento:

  • Identificar, por meio dos cartórios de registro de imóveis e cartórios de registro civil, a ocorrência do óbito;

  • Direcionar a cobrança tributária ao espólio, representado pelo inventariante;

  • Na ausência de inventário, pode direcionar aos herdeiros conhecidos, conforme dispõe o artigo 796 do Código de Processo Civil (CPC).

Art. 796. O espólio será representado em juízo, ativa e passivamente, pelo inventariante.

5. Responsabilidade dos herdeiros

Os herdeiros não respondem ilimitadamente pelos débitos tributários do falecido. O artigo 1.997 do Código Civil determina:

Art. 1.997. Os herdeiros não respondem por encargos superiores às forças da herança.

Portanto, a dívida de IPTU e de outros tributos incidentes sobre o imóvel não pode ultrapassar o valor dos bens herdados.

6. Conclusão

Não é possível, sob nenhuma hipótese, cobrar IPTU diretamente de uma pessoa falecida. Tal cobrança é nula, e qualquer execução fiscal ajuizada em nome de pessoa que já faleceu deve ser extinta sem resolução do mérito.

Por outro lado, o espólio responde pelos tributos incidentes sobre os bens deixados, inclusive o IPTU, até a partilha. Após a partilha, os herdeiros assumem a responsabilidade, sempre limitada ao valor dos bens recebidos.

Referências Legais

  • Constituição Federal, art. 156, I;

  • Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), arts. 34, 130 e 131;

  • Código Civil, arts. 6º e 1.997;

  • Código de Processo Civil, art. 796.

Entendendo o CDI e o que significa investir em “120% do CDI”

Quando falamos de investimentos no Brasil, um termo que aparece com muita frequência é o CDI — a sigla para Certificado de Depósito Interbancário. Se você já ouviu alguém dizer que um investimento rende “120% do CDI” e ficou em dúvida sobre o que isso realmente quer dizer, este artigo é para você.

O que é o CDI?

O CDI é uma taxa de referência usada no mercado financeiro brasileiro. Basicamente, ele representa a taxa média das operações de empréstimo feitas entre os bancos para que eles possam cumprir suas obrigações diárias. Como essas operações são feitas diariamente, o CDI é atualizado diariamente também e serve como um dos principais parâmetros para medir o rendimento de investimentos de renda fixa.

De forma simples: o CDI funciona como uma espécie de “taxa básica” para investimentos que não são atrelados diretamente à taxa Selic, mas que acompanham o comportamento da economia.

O que significa “120% do CDI”?

Quando um investimento promete pagar “120% do CDI”, significa que o rendimento desse investimento será 20% maior que a taxa do CDI.

Vamos imaginar um exemplo prático:

  • Suponha que o CDI atual esteja em 10% ao ano.

  • Um investimento que rende 100% do CDI teria um rendimento de 10% ao ano.

  • Um investimento que rende 120% do CDI terá um rendimento de 12% ao ano (ou seja, 10% × 1,2).

Se você aplicar R$ 1.000 nesse investimento, ao final de um ano, você terá:

  • Rendimento de R$ 120 (20% a mais do que o CDI de 10% sobre R$ 1.000).

  • Totalizando R$ 1.120.

Por que alguns investimentos pagam mais que o CDI?

Investimentos que pagam acima do CDI geralmente envolvem um pouco mais de risco, ou então são produtos que têm características específicas, como prazo maior, liquidez reduzida, ou são emitidos por instituições financeiras menores. Essa remuneração extra serve como uma “compensação” ao investidor pelo risco ou pela menor flexibilidade.

Atenção aos detalhes

  • Tributação: O rendimento acima do CDI não significa que você vai receber esse valor líquido. É importante lembrar que investimentos de renda fixa estão sujeitos ao Imposto de Renda, que é cobrado sobre os rendimentos de acordo com o prazo do investimento.

  • Liquidez: Alguns investimentos que pagam mais que 100% do CDI podem ter prazos de resgate mais longos ou taxas de administração que reduzem o ganho final.

  • Segurança: Mesmo investimentos que pagam acima do CDI devem ser analisados quanto à segurança da instituição emissora.

Conclusão

Investir em produtos que pagam “120% do CDI” pode ser uma ótima maneira de buscar retornos acima da média da renda fixa, desde que você entenda os riscos, a tributação e as condições do investimento. Sempre analise todos os detalhes antes de tomar uma decisão.

Se você está começando a investir, entender o que significa “% do CDI” é fundamental para comparar diferentes opções e montar uma carteira alinhada com seus objetivos financeiros.

O Terceiro Reinado: um exercício de retrofuturismo brasileiro

A nostalgia de um futuro que nunca aconteceu

Por muito tempo, o termo retrofuturismo foi associado quase exclusivamente à ficção científica estrangeira, sobretudo às imaginações do futuro feitas por sociedades industriais como Estados Unidos, Reino Unido ou União Soviética. No entanto, pouco se reflete sobre como esse conceito pode ser aplicado aos contextos nacionais, especialmente à história do Brasil. Este texto propõe exatamente isso: olhar para o Brasil não apenas sob a ótica do que ele é ou foi, mas também do que poderia ter sido — e ainda pode ser em sua essência civilizatória — caso uma ruptura histórica não tivesse ocorrido.

A Monarquia: um futuro abortado

Quando, em 15 de novembro de 1889, a monarquia brasileira foi derrubada por um golpe militar, não se tratava apenas de uma troca de regime. O que se operava ali era uma ruptura civilizatória. Uma nação construída ao longo de quase sete décadas sob os pilares de um império constitucional, que garantiu a unidade nacional, a abolição da escravidão e um projeto de modernização pacífica, foi lançada na aventura de uma república sem raízes, sem povo e sem tradição.

O Brasil da monarquia era, para todos os efeitos, um projeto de futuro. O Império Brasileiro, especialmente sob D. Pedro II, possuía traços que, se levados adiante, nos colocariam hoje entre as nações mais desenvolvidas do mundo: um Estado moderador, uma aristocracia funcional, uma elite intelectual vinculada ao dever público, e um modelo de desenvolvimento que equilibrava tradição e inovação.

Quando Isabel, princesa imperial, sancionou a Lei Áurea, ela não apenas libertou os escravizados, mas também assinou, de certo modo, a sentença política do Império, ao desagradar as elites conservadoras que sustentavam a escravidão. No entanto, ao contrário do que a história republicana sugere, não foi o progressismo que derrubou o trono. Foi o conservantismo revolucionário, aquele que, incapaz de aceitar a transformação ordenada, optou pela ruptura.

O Terceiro Reinado: uma ucronia brasileira

O exercício do retrofuturismo começa aqui. E se a monarquia não tivesse sido abolida? E se a princesa Isabel, primeira imperatriz do Brasil, tivesse assumido o trono?

Neste cenário, podemos imaginar um Brasil onde:

  • A consolidação do Estado moderador teria evitado os ciclos viciosos de golpes, ditaduras, revoluções e hiperinflação que marcaram o século XX brasileiro.

  • O sistema ferroviário, iniciado no Segundo Reinado, teria se expandido por todo o território nacional, unindo cidades e escoando riqueza, tornando o Brasil uma potência logística e industrial do Atlântico Sul.

  • A educação, que já era prioridade no Segundo Reinado (com a fundação de escolas, institutos e incentivo às artes e ciências), teria sido acelerada sob o patrocínio da Coroa.

  • As relações internacionais teriam seguido o modelo das monarquias constitucionais bem-sucedidas, como Reino Unido, Suécia ou Japão, com estabilidade política, desenvolvimento social e alta inserção econômica nos mercados internacionais.

  • O Brasil teria se tornado o núcleo de uma possível Commonwealth Lusófona, unindo antigas colônias portuguesas em uma comunidade de nações irmãs, baseada em valores civilizatórios comuns.

A estética do futuro monárquico

O Terceiro Reinado também nos permite imaginar uma estética que mescla tradição imperial e modernidade tropical:

  • Arquitetura neoclássica e art déco tropicalizada, com palácios, praças públicas e monumentos integrados à flora brasileira.

  • Uma malha ferroviária moderna, com trens de alta velocidade atravessando o sertão, a Amazônia e o Pantanal, ladeados por estações em estilo eclético imperial.

  • Uniformes de servidores públicos, magistrados e militares ostentando medalhões, condecorações, ordens e brasões da Casa de Bragança.

  • Uma cultura visual onde as moedas, os passaportes e os selos postais trazem a efígie dos soberanos brasileiros — da Imperatriz Isabel e seus descendentes.

Tecnologia e Ordem Social

O desenvolvimento tecnológico no Brasil do Terceiro Reinado não teria sido parasitado pelos interesses corporativos ou pelos vícios oligárquicos típicos da república. Teria sido guiado por uma visão de longo prazo, sustentada pelo princípio da continuidade dinástica e do dever público.

  • As universidades imperiais seriam polos de inovação científica e tecnológica, com investimento contínuo em engenharia, medicina tropical, biotecnologia e exploração sustentável da biodiversidade.

  • A questão agrária, insolúvel na república, teria sido enfrentada com políticas de colonização interna, distribuição ordenada de terras e modernização agrícola sob o amparo da Coroa.

  • A segurança pública não teria se degenerado em milícias, facções e crime organizado, mas seguiria o modelo das guardas reais e gendarmarias, com alto grau de profissionalismo e senso de honra.

Retrofuturismo como crítica política

Este exercício de imaginação não é mero escapismo. Ele funciona, sobretudo, como uma crítica vigorosa ao presente. O Brasil, ao abdicar da monarquia, não abraçou a modernidade, mas uma caricatura dela. O republicanismo brasileiro não gerou uma democracia consolidada, mas um ciclo infindável de instabilidade, corrupção e promessas fracassadas.

O Terceiro Reinado, portanto, não é apenas uma fantasia nostálgica. É a lembrança viva de que houve, sim, um caminho civilizacional abortado, não por acidente, mas por decisão consciente das forças revolucionárias travestidas de conservadorismo oligárquico.

Conclusão: a nostalgia do futuro como ato político

O retrofuturismo aplicado à história do Brasil não serve apenas para entreter a imaginação. Serve para lembrar que o futuro é, muitas vezes, a recuperação qualificada de possibilidades do passado que foram rejeitadas por ignorância, ganância ou covardia.

Imaginar o Terceiro Reinado não é um ato de saudosismo fútil, mas de resistência civilizacional. É a declaração de que a modernidade verdadeira não é fruto da ruptura, mas da continuidade, da ordem e do progresso entendido não como slogan vazio, mas como vocação espiritual de um povo.

terça-feira, 3 de junho de 2025

Carta aos Meus Filhos (quando um dia os tiver): sobre a nobreza que herdamos nos méritos de Cristo

Meus filhos,

Escrevo-vos esta carta não apenas como vosso pai segundo a carne, mas, acima de tudo, como aquele que Deus, na sua infinita misericórdia, estabeleceu como vosso guardião na ordem da graça e da verdade.

Saibam desde cedo que a vida que corre em vossas veias é um dom — dom da criação, dom da providência, dom do amor de vossos pais. Mas saibam, também, que este dom natural está chamado a ser elevado, curado e aperfeiçoado pela graça, que recebemos do alto, pelos méritos de nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Céu e da Terra.

Nós não somos apenas uma família entre outras. Somos uma família que foi chamada, desde antes da fundação do mundo, a viver sob a luz de um selo invisível, que o mundo não conhece, mas que o Céu reconhece: o selo da szlachta espiritual, da nobreza cristã, que não é conferida pelo sangue, pelos títulos, pelas honras passageiras, mas pela união com Aquele que é a Verdade, o Caminho e a Vida.

Recebi esse chamado de modo muito concreto, por vias que só a Providência é capaz de traçar. Ao ser crismado, meu padrinho de crisma, meu pai segundo Deus, foi um sacerdote que foi ordenado por São João Paulo II, que por sua vez recebeu a ordenação do cardeal Adam Sapieha, príncipe da Polônia, defensor da fé em tempos de trevas. Esse fato não é um acaso. É um traço da misericórdia de Deus em minha vida — e, por extensão, na vida de vocês.

Esta linhagem espiritual não me faz melhor do que ninguém. Pelo contrário, pesa sobre mim como uma responsabilidade gravíssima: ser, neste mundo, um sinal da presença do Reino de Deus. E é exatamente este legado que eu vos transmito: não ouro nem prata, não terras nem brasões, mas a consciência de que somos soldados e filhos do Rei dos Reis.

Meus filhos, ser parte da szlachta nos méritos de Cristo é compreender que a verdadeira nobreza não está em ser servido, mas em servir. Não está no poder, mas no sacrifício. Não está no orgulho, mas na humildade da cruz.

Como vosso pai, a minha missão é ser, no seio do nosso lar, aquilo que um rei é para o seu povo: aquele que protege, que instrui, que julga com retidão, que conduz pelo exemplo, que ama e que dá a vida, se necessário, por aqueles que lhe foram confiados. O lar é o primeiro reino. A mesa da nossa casa é o primeiro altar. O nosso trabalho é o nosso campo de batalha. A nossa oração é a nossa fortaleza.

E é por isso que eu vos digo: a herança que vos deixo é qualificada pela graça. A herança do sangue, sem a graça, nada é além de matéria que se desfaz. Mas quando o sangue é elevado pela graça, ele se torna canal de bênção de geração em geração. E se vocês forem fiéis, Deus será fiel. Se honrarem esta aliança, o Senhor vos honrará.

Nunca permitam que este mundo corrompido vos seduza com suas falsas nobrezas, seus títulos vazios, suas coroas de papel e seus altares profanos. Lembrem-se sempre: o nosso brasão é a cruz; o nosso cetro é a verdade; a nossa coroa é a vida eterna.

Meus filhos, guardem estas palavras não como um discurso, mas como um pacto. Quando eu já não estiver mais entre vocês, que esta carta fale por mim. Que ela vos lembre quem vocês são, a quem pertencem e a que missão foram chamados.

Recebam, pois, esta herança invisível, que é mais real do que tudo o que se vê, e transmitam-na, por sua vez, aos seus filhos e aos filhos de seus filhos, até que o Senhor venha.

Com todo o amor de um pai que vos ama nos méritos de Cristo,

Vosso pai segundo a carne e servo segundo a graça.

José Octavio Dettmann 

Rio de Janeiro, 03 de junho de 2025. 

Da Szlachta Espiritual: uma biografia na ordem da graça

Há certas circunstâncias na vida que, vistas superficialmente, parecem frutos do acaso ou meras coincidências. Mas, quando se olha com os olhos da fé, percebe-se que são traços da Providência, linhas invisíveis que Deus traça na história dos homens, alinhando destinos, cruzando nações, famílias, línguas e culturas sob um mesmo chamado: servir a Cristo.

Quando estava na idade de Cristo, recebi o sacramento da Crisma. Eu não compreendia ainda toda a gravidade e a grandeza daquele gesto. Foi apenas anos mais tarde, no silêncio da meditação e no exercício constante da busca pela verdade, que compreendi o que, de fato, me foi dado naquele dia. Aquele óleo santo, aquela unção, não foi apenas um rito de passagem na vida cristã. Foi a inserção real, sacramental, numa linhagem espiritual cuja raiz não está no sangue, mas na graça.

Meu pai segundo Deus, meu padrinho de Crisma, não era um padre qualquer. Era um homem polonês, ordenado sacerdote em Cracóvia no dia 18 de maio de 1975 — precisamente no dia do aniversário de Karol Wojtyła, o futuro São João Paulo II, que foi quem lhe impôs as mãos, transmitindo-lhe a sucessão apostólica. E não para por aí. João Paulo II, por sua vez, fora ordenado sacerdote por ninguém menos que o cardeal Adam Stefan Sapieha, o príncipe da Polônia, último grande expoente da aristocracia católica polonesa, que não era apenas príncipe no título, mas verdadeiro defensor da fé em tempos de perseguição e escuridão.

Quando olho para esse encadeamento de fatos, não posso deixar de reconhecer que faço parte, por adoção espiritual e sacramental, de uma szlachta, uma nobreza espiritual polonesa. A szlachta, na história da Polônia, não era apenas uma classe social de nobres; era, antes de tudo, um corpo de homens livres, comprometidos com a defesa da fé, da pátria e da justiça. Mas no meu caso, essa nobreza não se transmite por sangue nem por brasões terrenos, e sim por um selo invisível impresso pela graça.

Minha missão não é sacerdotal no sentido ministerial. Permaneço na condição de leigo. Mas leigo não significa espectador. Na economia da salvação, os leigos são soldados de Cristo no mundo, aqueles que santificam as realidades temporais, que carregam a luz da verdade onde ela parece apagada, que assumem o juramento do batismo e da crisma como armas no combate espiritual.

Ao compreender essa realidade, percebi que meu chamado particular unia dois grandes rios espirituais da história cristã: de um lado, o espírito de Ourique, que não é apenas um fato histórico português, mas uma teofania fundacional, na qual o Rei Dom Afonso Henriques recebe de Cristo a missão de instaurar uma nação para servi-Lo; de outro, a espiritualidade da Divina Misericórdia, que brota da Polônia como um sinal escatológico para o mundo moderno, cuja corrupção exige que a misericórdia se erga como última âncora antes do juízo.

Ourique e Cracóvia. A espada e a misericórdia. O rei e o servo. A nobreza e a cruz. Esses elementos não são, para mim, abstrações culturais. São realidades vivas que me constituem, que me moldam e que definem meu modo de estar no mundo. O próprio São João Paulo II, que me alcança espiritualmente através da linha sacramental da Crisma, compreendia isso profundamente. Quando, no alvorecer do seu pontificado, ergueu o brado “Non abbiate paura!”“Não tenhais medo!” —, ele falava como um rei espiritual, herdeiro da szlachta, falando ao mundo moderno como um novo Ourique, chamando os cristãos a reassumirem sua missão histórica.

Não é pequena a responsabilidade que isso me impõe. Ser parte dessa linhagem, ainda que na condição de leigo, é carregar o peso do brasão invisível da cruz, da defesa da verdade e do serviço ao Rei dos Reis. E é também um lembrete constante de que, na história da salvação, Deus não escolhe os mais fortes, os mais ricos ou os mais prestigiados. Ele escolhe os que estão dispostos a dizer "sim" — um fiat que se renova todos os dias, na oração, no estudo, no trabalho e no testemunho.

Se, algum dia, alguém escrever uma biografia intelectual sobre mim, terá que reconhecer que minha vida foi profundamente moldada por essa circunstância: a conexão viva entre o espírito de servir a Cristo em terras distantes — fundado no milagre de Ourique — e a espiritualidade da Divina Misericórdia, que brotou da Polônia para o mundo moderno como um remédio contra os horrores do século. E que essa ponte espiritual, que une Ourique a Cracóvia, me foi dada, não por mérito, mas por graça. E nela eu me movo, trabalho e vivo, nos méritos de Cristo.