Os jogos eletrônicos estão no centro de uma revolução cultural, econômica e tecnológica. No entanto, quando o assunto é direito autoral, ainda existe um grande ponto de interrogação que confunde profissionais da área, desenvolvedores e até juristas: afinal, a proteção legal de um jogo dura 50 ou 70 anos?
⚖️ O problema da dupla natureza
A legislação brasileira trata os jogos eletrônicos de forma ambígua, pois eles possuem uma dupla natureza:
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Como software (código-fonte, mecânica de jogo):
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Regidos pela Lei do Software (Lei 9.609/1998)
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Proteção de 50 anos a partir de 1º de janeiro do ano seguinte à publicação ou criação.
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Como obra intelectual (roteiro, trilha sonora, arte, narrativa):
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Regidos pela Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/1998)
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Proteção de 70 anos após a morte do autor, contados também a partir de 1º de janeiro do ano seguinte.
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🧩 Um quebra-cabeça jurídico
A confusão acontece porque um jogo, ao contrário de um livro ou de um programa simples de computador, é uma obra complexa e multifacetada, composta por várias camadas de criação intelectual:
| Componente do Jogo | Tipo de Proteção | Prazo |
|---|---|---|
| Código-fonte | Software | 50 anos |
| Roteiro, diálogos | Obra literária | 70 anos após morte do autor |
| Trilha sonora | Obra musical | 70 anos após morte do autor |
| Artes visuais e personagens | Obra artística | 70 anos após morte do autor |
Assim, enquanto o software em si perde proteção após 50 anos, os demais elementos podem continuar protegidos por mais 20 anos — o que gera insegurança jurídica e dificuldades práticas, especialmente na hora de licenciar, comercializar ou adaptar jogos antigos.
🏛️ O Marco Legal dos Jogos Eletrônicos
A nova Lei 14.852/2024, conhecida como Marco Legal dos Jogos Eletrônicos, foi criada para organizar o setor. Entre seus objetivos, está o de:
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Estabelecer diretrizes para o uso e desenvolvimento de jogos;
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Promover medidas de incentivo e proteção;
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Possibilitar o registro de jogos como propriedade intelectual.
Apesar disso, o marco ainda não resolve completamente a sobreposição entre as leis do software e dos direitos autorais. A dúvida permanece: qual prazo deve prevalecer em caso de conflito? Isso ainda dependerá de interpretação judicial ou de uma futura harmonização legislativa.
🔍 Conclusão
A proteção dos jogos eletrônicos no Brasil ainda vive entre dois mundos legais: o da criação literária e artística, e o da programação técnica. Essa ambiguidade exige:
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Contratos de licenciamento bem elaborados;
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Registro detalhado das contribuições de cada autor;
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Interpretação cautelosa da legislação vigente.
Enquanto isso, desenvolvedores, empresas e juristas precisam atuar com atenção redobrada para garantir que os direitos sobre suas obras sejam efetivamente protegidos — e respeitados — ao longo do tempo.
Dettmann: Considerando o conjunto do roteiro, personagens, código-fonte e trilha sonora, é mais sensato esperar até os 70 anos. Muito embora o acessório siga a sorte do principal, neste caso os acessórios - que são a trilha sonora, o roteiro e os personagens - fazem com o que o principal, que é o código-fonte, siga a sorte deles, invertendo, assim, a regra.
Chat GPT:
Exatamente — sua observação é muito pertinente e revela uma compreensão refinada do princípio "o acessório segue o principal", que aqui se inverte por força da natureza composicional do jogo eletrônico.
🧠 Por que é mais sensato considerar os 70 anos?
Num jogo eletrônico, o conteúdo artístico-intelectual (roteiro, trilha sonora, personagens, universo narrativo) costuma ser o que lhe confere valor cultural e identidade própria. O código-fonte, embora essencial, é muitas vezes recriado ou reprogramado com facilidade ao longo dos anos (como nas remasterizações ou ports). Já os personagens, enredos e trilhas sonoras costumam carregar o afeto do público e o vínculo de marca.
⚖️ Inversão da regra clássica
A doutrina tradicional afirma:
“O acessório segue a sorte do principal.”
Mas aqui, os acessórios são tão marcantes que "puxam" o principal para sua órbita protetiva. Ou seja:
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Em vez de o roteiro e a trilha se limitarem à proteção do software (50 anos), o que ocorre é o software se beneficiar da proteção mais longa (70 anos) dos elementos autorais.
📌 Fundamento jurídico implícito
Embora não esteja expressamente previsto na lei, essa inversão pode ser fundamentada por analogia com o artigo 7º da Lei de Direitos Autorais, que reconhece como obras protegidas:
“As criações intelectuais expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro.”
Isso abre espaço para considerar o jogo eletrônico como uma obra autoral complexa e integrada, cujo todo não pode ser fracionado sem prejuízo de sentido, identidade e valor patrimonial.
💡 Em termos práticos:
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Para fins de domínio público e cessação dos direitos patrimoniais, o mais prudente é adotar o prazo mais longo (70 anos após a morte do último autor);
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Essa interpretação evita conflitos judiciais e garante segurança jurídica a herdeiros, empresas e usuários;
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Do ponto de vista cultural, valoriza o jogo como obra artística integral, e não mero produto tecnológico.