1.1) Uma qualidade de meu povo é indiscutivelmente o asseio. Até onde sei não há povo que se preocupe tanto com a higiene quanto o brasileiro.
1.2) O hábito de comermos com guardanapo essas comidas de lanchonete, enquanto os demais povos comem com as mãos, já demonstra essa preocupação. Às vezes, isso chega a ser uma obsessão, a ponto de ser uma porta para neuroses. E num cenário de pandemia, isso pode ser fatal, pois é a porta de entrada para a tirania, como de fato está ocorrendo.
2) Um defeito marcante de meu povo é o desprezo pelo conhecimento. Se o amor pelo saber fosse combinado pelo amor ao asseio, o Brasil indiscutivelmente seria uma excelente civilização, a ponto de combinar o legado cultural indígena do asseio, que é próprio do corpo, aos cuidados da alma, através do amor pelos livros, uma das marcas da civilização européia. E isso criaria uma civilização sui generis, como a japonesa.
3) O desprezo pelo conhecimento, aliado à obsessão pelo asseio - coisa que foi fomentada pelas políticas higienistas da República Velha - fez com que as pessoas se preocupassem apenas com os aspectos aparentes da alma humana. Um bom escritor, se for capaz de remover esse verniz de conservantismo pretensamente civilizatório, de tradição inventada, verá que nada sobra.
4) A grande verdade é que o culto ao asseio por si mesmo não é capaz de formar uma grande civilização. Ele precisa de um complemento de modo que isso torne a civilização ainda mais refinada do já que é - e isso se dá através do amor pelo saber, a ponto de casar o europeu com o indígena. E o mestiço, o híbrido disso, não será um horror metafísico, tal como pensam os gregos antigos, mas uma verdadeira porta de entrada para a virtude, fundada no verdadeiro Deus e verdadeiro Homem.
José Octavio Dettmann
Rio de Janeiro, 20 de maio de 2020.