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sábado, 14 de junho de 2025

Contra os intelectuais de vitrine: estudiosidade, história e psicologia moral da pose

Introdução

A vida intelectual, quando levada a sério, é um sacerdócio. Ela exige renúncia, sacrifício, trabalho e, sobretudo, amor à verdade. Entretanto, vivemos uma época marcada pela estetização da cultura e pela transformação da figura do intelectual em personagem de vitrine. Nas redes sociais, em conferências e até em ambientes acadêmicos, proliferam aqueles que fazem da pose um método de sobrevivência simbólica.

Este texto é uma denúncia, um diagnóstico e um testemunho pessoal sobre o fenômeno que venho observando ao longo dos anos: o surgimento e a consolidação dos intelectuais de vitrine.

Parte I – A estudiosidade contra a pose

Existe uma cena que se repete com frequência quase mecânica: o sujeito que se diz conservador aparece em fotos com gravatas borboletas ou posando diante da pirâmide de vidro do Louvre. Um símbolo que, para muitos, representa cultura e erudição. Para mim, representa o oposto: a encenação vaidosa, a estética vazia que toma o lugar da verdadeira vida intelectual.

O meu procedimento diante dessas figuras é sempre o mesmo. Solicito acesso ao blog pessoal da pessoa, ou, na falta disso, ao seu canal de YouTube. Quero verificar a continuidade de pensamento, o histórico das ideias, a densidade dos argumentos. Não busco embaraçar ninguém, nem criar armadilhas. O que me move é a estudiosidade, uma virtude moral descrita por São Boaventura como a ordenação reta da curiosidade humana ao serviço da verdade¹.

A minha análise é metódica e objetiva. Muitas vezes, recorro à inteligência artificial para organizar os dados e fazer cruzamentos entre as afirmações públicas da pessoa. A IA, apesar de não ter capacidade de amar a verdade, funciona como uma lupa técnica que me ajuda a depurar os discursos.

Mas o desfecho dessas interações costuma ser previsível: quando a outra parte percebe que está diante de alguém que estuda com seriedade, a primeira reação é o bloqueio. O medo da exposição é maior que o compromisso com a verdade.

E aqui reside minha decisão ética: não dialogo com quem vive de pose. O debate sério só é possível entre pessoas que aceitam a possibilidade de serem refutadas e que têm um compromisso superior com a verdade.

Parte II – Os intelectuais de salão: um fenômeno histórico recorrente

O intelectual de vitrine, embora amplificado pelas redes sociais, não é um fenômeno novo. Ele é apenas o herdeiro direto dos intelectuais de salão.

Ortega y Gasset e o Homem-Massa Culto

José Ortega y Gasset, em **"A Rebelião das Massas"**², já havia descrito o surgimento de uma nova espécie de intelectual: o técnico especializado que, por dominar uma fração mínima do saber, passava a opinar sobre tudo com arrogância. Esse homem-massa culto não tem formação integral. Ele é um acumulador de informações, mas não sabe articular princípios universais.

O traço psicológico dominante nele é a soberba intelectual. Ortega via isso como um dos sintomas mais perigosos da modernidade: a ignorância arrogante de quem, por deter uma técnica, acha que domina o todo.

Julien Benda e a Traição dos Intelectuais

Julien Benda, em sua obra **"La Trahison des Clercs" (A Traição dos Intelectuais)"**³, foi ainda mais incisivo. Para Benda, o intelectual deve ser um guardião dos valores universais: justiça, verdade, bem comum. Mas o que se viu ao longo do século XX foi uma traição massiva dessa missão. Os intelectuais passaram a servir paixões políticas, ideológicas ou simplesmente a própria vaidade.

Hoje, o intelectual de vitrine repete a mesma traição, só que com filtros do Instagram, cenários montados com estantes de livros e frases de efeito em podcasts.

A Continuidade Histórica da Pose

O espaço do salão físico — os cafés, as academias, os círculos literários — migrou para o ambiente digital: grupos de Telegram, lives no YouTube, threads de Twitter. Mas a estrutura psicológica e moral da pose continua a mesma. O medo da exposição e a fuga diante da verdade permanecem.

Parte III – O Perfil Psicológico do Intelectual de Vitrine

A análise histórica, por si só, não basta. É preciso também entender o fenômeno em sua raiz psicológica.

1. Narcisismo Epistêmico

O primeiro traço distintivo é o narcisismo epistêmico: a necessidade de construir uma imagem pública de erudição. O sujeito não busca a verdade, busca a admiração dos outros. O conhecimento vira um adereço social.

Esse fenômeno foi bem descrito pela psicologia social em estudos sobre gestão da impressão (impression management)⁴. O indivíduo passa a calibrar todas as suas falas e aparições para maximizar prestígio e minimizar riscos de exposição.

2. Medo da Refutação: Aversão ao Conflito Cognitivo

O intelectual de vitrine apresenta também uma intensa aversão ao conflito cognitivo⁵. Isso significa que ele evita a todo custo ser confrontado com ideias que possam desmontar sua narrativa. Por isso, bloqueia, foge, faz piadas evasivas, muda de assunto.

Esse comportamento é uma resposta típica de quem sofre de dissonância cognitiva: o desconforto mental causado quando a realidade desmente a autoimagem cultivada.

3. Conservadorismo de Conveniência

Outro traço recorrente é o conservadorismo de conveniência. Trata-se de uma adesão superficial aos valores tradicionais, apenas como meio de se distinguir de seus adversários ideológicos. No fundo, o intelectual de vitrine não ama os princípios que defende. Ele os instrumentaliza como parte de sua construção de persona pública.

4. Medo do Exame Moral: Fuga da Consciência

A reação emocional mais forte desse tipo de pessoa é o medo do exame moral. Ele foge da consciência de maneira sistemática. Não suporta olhar para dentro, nem ser exposto a perguntas que o obriguem a fazer uma autocrítica honesta.

Santo Agostinho, em suas Confissões, já descrevia esse tipo de movimento da alma: a fuga de si mesmo, a recusa a examinar a própria vida à luz da verdade⁶.

Conclusão: silêncio como resposta ética

Depois de anos observando, analisando e interagindo com esse tipo de figura, minha decisão é clara: não dialogo com intelectuais de vitrine.

Minha vocação é servir à verdade, e isso inclui reconhecer que há casos onde o silêncio é a forma mais pura de caridade. Não porque me falte disposição para o debate, mas porque o outro lado já declarou guerra à verdade quando escolheu a pose, a fuga e o bloqueio como método de vida.

Como diz a Escritura: "Não respondas ao insensato segundo a sua estultícia, para que não te faças semelhante a ele." (Provérbios 26:4)

Bibliografia

  1. São Boaventura. Collationes in Hexaëmeron. Roma: Quaracchi, 1891.

  2. Ortega y Gasset, José. A Rebelião das Massas. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

  3. Benda, Julien. La Trahison des Clercs. Paris: Grasset, 1927.

  4. Leary, Mark R.; Kowalski, Robin M. Impression Management: A Literature Review and Two-Component Model. Psychological Bulletin, vol. 107, no. 1, 1990.

  5. Festinger, Leon. A Theory of Cognitive Dissonance. Stanford: Stanford University Press, 1957.

  6. Santo Agostinho. Confissões. São Paulo: Paulus, 1997.

Quando eu buscava mestres e só encontrei técnicos de pose

 Houve um tempo na minha vida em que eu tomava a iniciativa de procurar gente mais culta do que eu no Facebook. Era um movimento sincero de quem reconhecia as próprias limitações e desejava aprender. Eu estudava o perfil dessas pessoas com cuidado, observava o que elas publicavam, o que liam, os autores que citavam, os temas que dominavam. Só depois de um exame atencioso eu me aproximava. Fazia perguntas pertinentes, baseadas no que estava evidenciado no perfil delas. Evitava a curiosidade banal. O que eu queria era beber de uma fonte mais limpa, mais profunda, mais iluminada.

Mas o que eu recebi em troca foi, na maioria das vezes, um bloqueio. Não um bloqueio conceitual, mas um bloqueio real: o dedo nervoso clicando no botão de me excluir da possibilidade de diálogo. A pessoa, que aparentemente era culta, reagia com antipatia, como se meu gesto de aproximação fosse um incômodo ou uma ameaça. E foi aí que a ficha caiu: essas pessoas tinham, sim, um conhecimento técnico maior do que o meu em certas áreas, mas eram moralmente inferiores. Se tivessem verdadeira superioridade, veriam o Cristo que há em mim — um Cristo sedento de saber, um Cristo que bate à porta querendo aprender — e teriam me acolhido.

Eu estava, com minha humildade, lhes oferecendo a chance de fazer o bem a alguém que queria crescer. E elas recusaram. Optaram pelo desprezo, pelo isolamento vaidoso, pela defesa de um território que nem era delas, mas que usavam como biombo para parecer importantes.

Depois de repetidas experiências desse tipo, parei de tomar a iniciativa. Fiz um voto íntimo: "Agora, quem quiser conversar comigo, que me procure. Quem quiser ser meu interlocutor, que estude meu perfil como eu estudei o dos outros. Que faça perguntas fundamentadas, como eu sempre fiz."

E o que aconteceu? O silêncio.

Ninguém fez o movimento que eu antes fazia. Ninguém veio com respeito, com leitura prévia, com perguntas pensadas. As pessoas, quando me adicionavam, faziam sempre o contrário: chegavam sem preparo, com perguntas tolas, banais, repetitivas — ou então com aquele tom de superioridade que só revela ignorância.

Esse vazio ao meu redor tornou-se um termômetro moral. Percebi que o que eu antes chamava de "gente mais culta" era, na verdade, uma coleção de técnicos de pose: pessoas que dominavam termos, conceitos, bibliografias, mas que não tinham amor à verdade nem espírito de caridade intelectual. Eram como escribas vaidosos, empoleirados nas letras mortas, incapazes de enxergar a presença viva de Cristo no outro.

A minha solidão intelectual, que antes eu via como um fracasso, agora eu vejo como um dom de discernimento. Ela me ensinou que o verdadeiro critério para escolher mestres e interlocutores não é a erudição fria, mas a superioridade moral. A capacidade de reconhecer no outro um semelhante, um irmão em Cristo, um necessitado de saber — e estender a mão.

Hoje, se alguém quiser meu tempo, minha atenção, minha escuta, terá que demonstrar o mesmo zelo que um dia eu tive pelos que me pareceram maiores. Terá que estudar o que eu já escrevi, terá que fazer perguntas pertinentes, terá que vir com o espírito de quem serve e aprende.

O que está em jogo aqui não é um jogo de vaidades, mas um juízo moral: eu não busco mais quem sabe mais que eu; eu busco quem ama mais que eu.

Porque no fim das contas, conhecimento técnico é fácil de obter. O que é raro mesmo é encontrar gente que seja, ao mesmo tempo, culta e boa. Gente que tenha entendido que, se Cristo vive no próximo, então cada conversa é um ato de acolhimento, de caridade e de serviço.

Enquanto não encontro alguém assim, continuo meu caminho, na companhia daquele que nunca me bloqueou: o Cristo que me chamou a estudar e a escrever, para a glória d'Ele.

O desejo mimético e a ordem cristocêntrica da imitação

Introdução

O conceito de desejo mimético, popularizado por René Girard, tem ganhado espaço nos debates sobre cultura, comportamento e moralidade. Muitos, entretanto, tratam a mimese como um dado antropológico neutro, ou até como um bem em si mesmo, sem considerar que o desejo humano, por sua própria estrutura, necessita de ordenação moral e teológica para não degenerar. Neste artigo, proponho uma reflexão crítica a partir de um princípio fundamental: o desejo mimético só é legítimo quando encontra sua direção última em Cristo, paradigma absoluto da imitação.

A natureza ambígua do desejo mimético

René Girard mostrou com clareza que o desejo humano é sempre mediado. Não desejamos as coisas de forma espontânea; desejamos porque o outro deseja. Esse mecanismo é estrutural, inscrito na condição humana desde a queda. Girard descreve como o desejo mimético, quando desordenado, gera inveja, rivalidade, escândalo e violência.

Mas há um ponto teológico que precisa ser sublinhado: Girard, apesar de sua lucidez antropológica, não dá conta sozinho da dimensão salvífica da imitação. Ele aponta o problema, mas a solução definitiva está na Revelação: Cristo é o único modelo de desejo verdadeiramente ordenado.

Cristo como único paradigma legítimo da imitação

São Paulo resume essa verdade de modo lapidar:

"Sede meus imitadores, como eu sou de Cristo." (1Cor 11,1)

O apóstolo estabelece o critério hermenêutico da imitação: a mediação só é legítima quando é Cristo-cêntrica.
Imitar alguém apenas porque essa pessoa é admirada, carismática, elegante, ou socialmente bem posicionada, é cair numa armadilha de vaidade e idolatria. É transformar a vida moral em teatro, como os fariseus que Jesus denuncia nos Evangelhos.

O risco aqui é claro: a substituição da virtude pela pose, da vida interior pela aparência exterior. Trata-se de uma degeneração moral onde o sujeito se torna um arremedo de humanidade, uma caricatura ambulante.

O animal que mente: a degradação do desejo mimético

Quando alguém imita o próximo fora da referência a Cristo, cai naquilo que poderíamos chamar de zoon pseudos, o "animal que mente". Uma vida baseada na mimesis de pose é uma vida de simulacro:

  • Simula virtude sem ter virtude

  • Simula cultura sem ter cultura

  • Simula autenticidade enquanto vive de aparências

Esse é o típico caso do conservador de gravata borboleta que imita o conservadorismo anglo-saxão sem entender sua raiz espiritual, ou da moça que faz pose diante da pirâmide do Louvre como se fosse uma intelectual, mas que foge de qualquer aprofundamento verdadeiro de ideias.

A ordenação do desejo: do escândalo à redenção

O desejo mimético, enquanto potência da alma, não é mau em si. Como toda potência criada por Deus, ele é bom na sua raiz, mas precisa ser educado e redimido. Aqui, Santo Tomás de Aquino nos ajuda com a sua teoria das potências da alma e da necessidade de ordenação ao fim último.

Cristo é esse fim último. Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14,6).
Toda imitação que não aponta para Ele é caminho de morte.

Como diz Girard, só há duas saídas para o desejo mimético: a violência sacrificial ou a conversão a Cristo.

Conclusão

A imitação não pode ser uma simples reprodução exterior de comportamentos alheios. Ela deve ser um ato de discernimento espiritual, um reconhecimento de Cristo no outro, seguido de uma decisão interior de aproximar-se da Verdade.

Imitar alguém sem Cristo é idolatria.
Imitar Cristo no outro é discipulado.

O cristão autêntico, ao olhar para qualquer figura humana, deve fazer a seguinte pergunta:
"Vejo Cristo nesta pessoa a ponto de, nos méritos de Cristo, me sentir autorizado a imitá-la?"
Se a resposta for não, então que não se imite. Porque, como diz o Senhor:

"O discípulo não está acima do mestre; todo aquele, porém, que for bem preparado, será como o seu mestre." (Lc 6,40)

E o único Mestre, em última instância, é Cristo.

Bibliografia

  • GIRARD, René. O Bode Expiatório. São Paulo: Paulus, 2004.

  • SAGRADA ESCRITURA. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

  • TOMÁS DE AQUINO, São. Suma Teológica. Trad. Frei Leonardo Porto. Loyola, 2001.

  • CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000.

Conservadores de gravata borboleta: um estudo retroativo sobre o conservantismo de pose

Antes mesmo de conhecer o ambiente do Amal Date e suas exibições performáticas diante da pirâmide de vidro do Louvre, eu já havia me deparado com um tipo humano que hoje reconheço com mais clareza: os "conservadores de gravata borboleta". Naquele tempo, minha experiência ainda não havia sido temperada pelas lições de São Boaventura, nem meu olhar havia sido treinado pelas análises espirituais que hoje me orientam. Mas já havia em mim uma intuição incômoda, uma suspeita de que havia algo de teatral demais naquela estética importada.

A gravata borboleta, símbolo característico do conservadorismo anglo-saxão, carrega consigo uma tradição de formalismo, distinção e certa pompa cerimonial. No contexto britânico ou americano, ela pode ser vista como um código visual de pertencimento a uma elite intelectual ou social que preza por códigos de conduta, rituais e um tipo muito específico de "decoro público" (SCRUTON, 2017). No entanto, transplantada de forma acrítica para o solo brasileiro, ela frequentemente vira um fetiche estético, descolado da substância moral e filosófica que deveria acompanhar um verdadeiro espírito conservador.

Se eu pudesse retroceder no tempo, faria o que hoje é meu método habitual de investigação de perfis: pediria aos sujeitos suas postagens de blog, links de YouTube, textos, entrevistas, qualquer produção que permitisse um estudo de suas ideias em profundidade. A experiência me ensinou que o conservantismo de pose não resiste a uma análise de conteúdo sério. Eles provavelmente tremeriam na base. E eu acabaria com mais uma história a acrescentar à coleção de casos em que o teatro ideológico ruiu diante da busca pela verdade.

São Boaventura, ao tratar do itinerário da alma para Deus, nos alerta sobre os perigos de um conhecimento que não passa pela purificação do olhar interior. Em sua obra Itinerarium mentis in Deum, o santo doutor frisa que a verdadeira sabedoria nasce da contemplação e da conversão do coração, e não da mera acumulação de signos externos (BOAVENTURA, 1999).

Com a lente boaventuriana que hoje carrego, consigo perceber que a gravata borboleta, naquele contexto, era apenas mais uma camada de verniz. Um artifício para encobrir o vazio de conteúdo, a ausência de verdadeira conversão cultural e espiritual. O exibicionismo – seja através da indumentária ou das selfies diante de símbolos culturais – é sempre um escudo frágil diante daquele que busca a verdade por amor a Cristo.

Talvez, se naquela época eu tivesse o olhar que tenho hoje, a história fosse diferente. Mas a Providência tem seus tempos. O que antes foi hesitação, hoje é método. E o que antes passou despercebido, hoje é matéria de análise e reflexão.

Nota de Rodapé

  1. Por "conservantismo", entendo aqui a degeneração do conservadorismo autêntico em um mero culto exterior de formas, símbolos e ritos sociais vazios de conteúdo moral ou espiritual. Trata-se de uma simulação de virtude cívica, ancorada mais em estéticas, jargões e posturas performáticas do que em compromisso real com a verdade, a tradição viva e a moral objetiva. O conservantismo é, portanto, uma espécie de teatro político-ideológico que conserva apenas aquilo que lhe é conveniente, evitando o sacrifício pessoal necessário para conservar o que é verdadeiro e permanente.

Referências Bibliográficas

BOAVENTURA, São. Itinerário da mente para Deus. Trad. João Carlos Almeida. São Paulo: Paulus, 1999.

SCRUTON, Roger. Como ser um conservador. Trad. Maurício Tamboni. São Paulo: Record, 2017.

A diferença entre o intelectual de pose e o intelectual de carne e osso: reflexões sobre a estudiosidade e a exposição pública

Introdução

A distinção entre curiosidade e estudiosidade não é apenas uma sutileza filosófica; é um princípio que orienta toda a minha conduta intelectual, especialmente nas redes sociais. Não me movo por curiosidade fútil, mas por um desejo ordenado e sincero de conhecer a verdade. Ao longo dos anos, essa postura tem gerado situações reveladoras sobre a natureza das pessoas com quem me deparo. Um episódio recente, envolvendo alguém que se exibia orgulhosamente em frente ao Louvre, tornou-se para mim um caso exemplar da diferença entre o intelectual de pose e o intelectual de carne e osso, moldado pela estudiosidade conforme ensina São Boaventura.

A ilusão da pose intelectual

A fotografia diante do Louvre é, por si só, uma cena carregada de simbolismo. Trata-se de uma tentativa clássica de associação automática com o saber, a cultura e a sofisticação estética. A imagem passa uma mensagem de erudição, mas essa imagem, por si só, não passa de uma casca.

Quando, motivado pela estudiosidade, peço a essa pessoa o link de seu blog, seu perfil no Facebook ou qualquer outro espaço onde ela exponha suas ideias, a reação é quase sempre a mesma: ela treme na base. Esse tremor revela o abismo entre a pose intelectual e o verdadeiro compromisso com a atividade intelectual.

A natureza pública da vida intelectual

Segundo São Boaventura, a estudiosidade é uma virtude que orienta e ordena o desejo de saber, afastando-o da curiosidade vã e da busca desordenada por informações sem finalidade moral e intelectual legítima¹. Quem possui essa virtude entende que a atividade intelectual é, por natureza, pública. O intelectual de carne e osso sabe que o fruto de suas leituras, meditações e debates pertence à esfera pública, pois visa ao bem comum, à edificação do próximo e à glorificação da verdade.

Ao contrário, o intelectual de pose evita o escrutínio público. Mantém perfis fechados, não mantém blog, não escreve textos de fôlego e, quando pressionado a expor o que pensa, escorrega para generalidades, frases feitas ou silêncios constrangedores.

A covardia intelectual diante da exposição

O verdadeiro intelectual não teme ser estudado. Pelo contrário, ele deseja que seus escritos, suas ideias e até suas contradições sejam conhecidos, para que o diálogo autêntico aconteça. Já o intelectual de pose foge da exposição como o demônio foge da cruz. O medo de ser estudado é, na verdade, medo de ser desmascarado. Teme-se que, ao menor aprofundamento, fique claro que por trás da selfie no Louvre, não há um pensamento sólido, apenas vaidade e afetação.

Essa covardia intelectual é agravada quando a pessoa tenta manipular conceitos como privacidade ou proteção de dados para fugir da responsabilidade pública da vida intelectual. Como já apontei em outro momento, a LGPD não é um escudo contra a exigência ética de exposição no campo das ideias².

A inversão moral: quando o estudioso passa por invasivo

Chega-se ao absurdo de que, ao solicitar os meios para seconhecer melhor uma pessoa — um pedido legítimo fundado na estudiosidade —, sou eu quem passa por invasivo. Isso é fruto da inversão de valores promovida por uma geração que confunde exposição estética com compromisso intelectual, e que, no fundo, teme o debate, a crítica e a responsabilidade.

Conclusão

O episódio da selfie diante do Louvre serve como mais um sinal claro da crise da autenticidade intelectual em nossos tempos. A verdadeira atividade intelectual é pública, aberta ao exame, moldada pela virtude da estudiosidade e regida por um amor sincero à verdade.

Se alguém não é capaz de fornecer um blog, um perfil público ou sequer um conjunto mínimo de ideias já organizadas por escrito, essa pessoa não pode, honestamente, reivindicar para si o título de intelectual. Ela não passa de um simulacro, uma caricatura, um intelectual de pose.

Cabe a nós, que seguimos o ideal da estudiosidade tal como descrito por São Boaventura, continuar buscando a verdade com seriedade, oferecendo nossa produção intelectual ao olhar público e exigindo o mesmo de quem deseja dialogar conosco.

Referências

¹ BOAVENTURA, São. Breviloquium. Petrópolis: Vozes, 1999.

² BRASIL. Lei n. 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Brasília, DF, 2018.

³ CARVALHO, Olavo de. O Mínimo que Você Precisa Saber para não ser um Idiota. Rio de Janeiro: Record, 2013.

A invisibilidade do culto: sobre a verdadeira vocação da cultura diante de Deus

 Introdução

Vivemos na era da exibição. Redes sociais como Instagram, TikTok e aplicativos de relacionamento como o Amal Date tornaram-se vitrines para um tipo de vaidade intelectual disfarçada de cultura. Fotografias cuidadosamente posadas em frente a monumentos famosos, como a pirâmide de vidro do Louvre, buscam transmitir ao observador a falsa impressão de erudição e sofisticação. No entanto, o verdadeiro culto – aquele que se dedica ao conhecimento nos méritos de Cristo – não se apresenta aos olhos do mundo, mas permanece oculto, invisível e silencioso, como uma oferta sacerdotal feita ao Altíssimo.

A falsa cultura e o público errado

A cena é comum: uma moça, vestida de forma estratégica, tira selfies diante do Louvre com legendas recheadas de citações rasas ou de hashtags que apelam à ideia de cultura cosmopolita. Seu público-alvo são os seguidores do Instagram e os pretendentes eventuais do Amal Date. A motivação por trás desse gesto é clara: alimentar o próprio ego através de aplausos virtuais.

Esse fenômeno é descrito por Josiah Royce em sua obra The Philosophy of Loyalty, onde o autor discute a ideia de "lealdade ao público errado"¹. Segundo Royce, quando escolhemos como plateia aqueles que apenas nos oferecem reconhecimento superficial e momentâneo, traímos o verdadeiro chamado da lealdade ao bem, à verdade e ao serviço autêntico. A busca por curtidas e aprovação social acaba por corromper até mesmo o desejo inicial de aprender.

A Verdadeira Audiência: Deus, os Anjos e os Santos

Em contraste com essa cultura da aparência, o verdadeiro culto ao saber vive sob outro olhar: o de Deus. Aquele que estuda com amor à verdade, que consome livros, que se dedica ao aperfeiçoamento intelectual, faz tudo isso sabendo que sua audiência real não está na Terra, mas no Céu.

Ser culto é um sacerdócio. O estudioso verdadeiro age como um levita intelectual, que prepara com zelo o altar da razão para oferecer a Deus um sacrifício de pensamento ordenado, refletido e verdadeiro. Ele sabe que o conhecimento é uma graça, e que, como toda graça, exige responsabilidade. O verdadeiro culto é aquele que, mesmo no silêncio de uma biblioteca doméstica ou na solidão de um quarto, persevera no estudo porque reconhece que o conhecimento adquirido será um dia cobrado por Aquele que o concedeu. 

Sacrifício e vocação em meio ao desprezo

No Brasil, a situação é ainda mais desafiadora. A cultura do improviso, da gambiarra intelectual e do anti-intelectualismo militante faz com que o estudioso, muitas vezes, seja ridicularizado, ignorado ou até mesmo perseguido. Ser culto aqui não é motivo de aplauso, mas de escárnio. Muitos tratam o estudo como subemprego ou como fuga da realidade prática. Mas como já dizia São Paulo:

"Sede, pois, firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor."
(1 Coríntios 15, 58)

Essa resistência ao estudo, no entanto, não pode servir de desculpa para o abandono da vocação. O chamado à cultura é, antes de tudo, um chamado à caridade intelectual: amar a verdade o suficiente para servi-la, mesmo sem reconhecimento humano. 

Conclusão

Enquanto o mundo celebra a vaidade de uma selfie diante da pirâmide do Louvre, o verdadeiro culto se recolhe, fecha a porta do seu quarto, abre um livro e dialoga com os grandes mestres da história sob o olhar de Deus. O mundo talvez nunca aplauda esse esforço. Mas a audiência que realmente importa – Deus, os anjos e os santos – já vê, já registra e, no momento oportuno, recompensará.

Assim, que cada um de nós, chamado ao estudo, permaneça fiel ao seu dever. Pois mesmo invisível aos olhos do mundo, nossa labuta diária no campo do conhecimento é uma participação concreta na grande obra da Redenção. 

Notas

¹ ROYCE, Josiah. The Philosophy of Loyalty. New York: Macmillan, 1908.

² BÍBLIA SAGRADA. 1 Coríntios 15, 58. 

A natureza pública da atividade intelectual e os limites da privacidade nas redes sociais: um testemunho autobiográfico

Introdução

O avanço das redes sociais trouxe profundas alterações nas formas de convivência, interação e exposição pública de ideias. Contudo, ao mesmo tempo que proporcionam novos espaços para o debate intelectual, essas plataformas também criaram um ambiente onde a confusão entre privacidade e compromisso público com a verdade tornou-se comum. Este artigo, de caráter autobiográfico, nasce da minha experiência pessoal no Facebook, onde tenho observado um fenômeno recorrente: pessoas com perfis restritos tentando estabelecer contato comigo sem antes demonstrar qualquer disposição intelectual legítima para o diálogo. A presente reflexão busca delimitar, à luz de princípios filosóficos, jurídicos e teológicos, o que considero ser a verdadeira natureza da atividade intelectual em contraste com o uso equivocado da privacidade digital.

O Problema dos Perfis Restritos no Ambiente Intelectual

Um dos pontos que tenho constatado é que muitas das pessoas que me enviam solicitações de amizade mantêm seus perfis bloqueados ou altamente restritos. Essa prática, embora legítima sob certos aspectos da privacidade individual, é incompatível com a vocação pública da atividade intelectual. Quem pretende participar de um espaço de debate ou de troca de ideias precisa, minimamente, abrir-se ao exame público. Tal como o próprio Olavo de Carvalho afirmava, a atividade intelectual deve ser pública, pois envolve uma responsabilidade objetiva com a busca da verdade e com a exposição racional de argumentos¹.

Se alguém deseja interagir comigo num espaço de rede social, sobretudo quando a motivação é intelectual, essa pessoa precisa tornar visível aquilo que pensa, escreve ou partilha. Sem isso, qualquer tentativa de diálogo se torna artificial, superficial e, muitas vezes, impossível.

A Necessidade de Critério na Aceitação de Novos Contatos

Ao ser forçado a adicionar alguém apenas para ter acesso ao seu perfil, e ao constatar que ali não há nada relevante para um diálogo construtivo, sinto-me obrigado, por critério de coerência intelectual, a bloquear essa pessoa de antemão. Esta atitude não é fruto de antipatia pessoal, mas de um compromisso com a seriedade que a atividade intelectual exige.

A ausência de conteúdo público em um perfil revela mais do que uma simples opção de privacidade: demonstra a falta de disposição para o debate aberto. Trata-se, portanto, de um critério seletivo necessário para preservar o ambiente de estudo e de reflexão que cultivo em minhas redes sociais.

A Confusão entre a LGPD e o Compromisso Público com a Verdade

Infelizmente, a confusão entre o direito à privacidade e a responsabilidade pública da vida intelectual vem se agravando com o uso equivocado da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Muitos acreditam que podem invocar a LGPD para justificar uma postura de reclusão absoluta, mesmo quando decidem entrar em contato com perfis públicos de pessoas que, como eu, mantêm um compromisso aberto com o debate de ideias.

A LGPD tem como objetivo proteger dados pessoais contra uso indevido, mas não foi criada para justificar a supressão da responsabilidade intelectual nas interações sociais². A atividade intelectual, por definição, deve ocorrer sob o olhar público. Aquilo que é feito dentro de quatro paredes pode e deve permanecer na esfera privada, conforme o ensinamento de Nosso Senhor Jesus Cristo: "Que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita"³. Mas o pensamento, enquanto busca da verdade, é, por natureza, um bem público.

Conclusão

Diante desses fatos, reitero que minha postura de exigir um mínimo de exposição intelectual por parte de quem deseja interagir comigo nas redes não é capricho pessoal, mas consequência lógica de um compromisso com a estudiosidade e a seriedade no trato com as ideias. As redes sociais são hoje uma extensão do espaço público e, como tal, devem ser usadas com responsabilidade, clareza de propósito e honestidade intelectual.

Que cada um que desejar aproximar-se de mim para dialogar esteja ciente: antes de enviar um convite, estude meu perfil, reflita sobre minhas ideias, exponha-se minimamente ao escrutínio público e, só então, inicie o contato. Assim, a troca será frutífera e digna da vocação intelectual que abraço.

Referências

¹ CARVALHO, Olavo de. O Mínimo que Você Precisa Saber para não ser um Idiota. Rio de Janeiro: Record, 2013.

² BRASIL. Lei n. 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Brasília, DF, 2018.

³ BÍBLIA SAGRADA. Mateus 6:3. "Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita."