Cenário: Uma biblioteca antiga, repleta de volumes raros e mapas detalhados da Europa e da América do Norte. Vittorio Strada e Frederick Jackson Turner estão sentados frente a frente, cada um com seu livro à mão.
Turner: Sr. Strada, sua obra Europe. La Russia come frontiera me despertou grande interesse. O conceito de "fronteira" sempre me pareceu essencial para a formação da identidade nacional e do progresso histórico. No meu ensaio The Frontier in American History, argumentei que a expansão para o Oeste foi o fator decisivo na formação do caráter americano. Como o senhor enxerga essa ideia no contexto da Europa e da Rússia?
Strada: Professor Turner, sua tese sobre a fronteira americana é fascinante. No entanto, na Europa, a fronteira tem uma dinâmica distinta. Enquanto os Estados Unidos cresceram pela expansão para o Oeste, estabelecendo uma identidade nacional em territórios "abertos", a Europa sempre foi um mosaico de culturas em conflito. A Rússia, em particular, se situa numa posição ambígua: é ao mesmo tempo parte da Europa e um mundo próprio, o que chamo de "fronteira" permanente entre Ocidente e Oriente.
Turner: Interessante! Nos Estados Unidos, a fronteira sempre foi sinônimo de oportunidade e expansão. Foi na fronteira que o espírito democrático se fortaleceu, longe das tradições aristocráticas europeias. Mas na Rússia, como o conceito de fronteira se manifesta politicamente e culturalmente?
Strada: Diferente da sua visão de uma fronteira que impulsiona a liberdade e a democracia, a fronteira russa muitas vezes esteve associada à dominação e ao controle centralizado. O império russo expandiu suas fronteiras para consolidar poder, absorvendo povos diversos e impondo uma unidade forçada. Além disso, a fronteira russa nunca foi um limite fixo, mas um espaço de tensão constante, algo que vemos refletido até hoje nas questões da Ucrânia e da Polônia.
Turner: Isso me faz pensar... Nos Estados Unidos, a expansão era acompanhada pela ideia de que cada colono carregava consigo os ideais de liberdade. Mesmo assim, não podemos ignorar o lado obscuro da fronteira americana: o deslocamento forçado dos povos indígenas. Há alguma semelhança com a história russa?
Strada: Sem dúvida. A Rússia também teve suas "conquistas" e "deslocamentos forçados", principalmente com os povos da Sibéria e das regiões caucasianas. Mas há uma diferença fundamental: enquanto a fronteira americana se fechou com o avanço da civilização, a fronteira russa permanece aberta, fluida, um desafio constante para a identidade do país.
Turner: Isso me leva a uma questão final: o senhor acredita que a fronteira russa, como a americana, possa um dia se estabilizar e definir um "fim" para sua expansão?
Strada: Creio que não. A Rússia sempre oscilou entre o desejo de integrar-se à Europa e a necessidade de afirmar sua singularidade. A fronteira russa não é apenas geográfica, mas também cultural e ideológica. Enquanto os Estados Unidos veem sua fronteira como uma linha que avança, a Rússia a encara como uma questão existencial. E assim continuará, enquanto sua identidade for tema de debate.
Turner: Fascinante, Sr. Strada. De fato, embora tratemos de fronteiras, estamos falando sobre algo maior: o destino das civilizações.
Conclusão: Esse diálogo revela como dois conceitos de fronteira podem moldar nações de formas muito distintas. Enquanto Turner via a fronteira como um motor de progresso e democracia, Strada a interpreta como um campo de batalha entre identidades e poderes. Um debate que, sem dúvida, continua atual.
Bibliografia:
Strada, Vittorio. Europe. La Russia come frontiera. Ed. Marsilio, 1998.
Turner, Frederick Jackson. The Frontier in American History. Henry Holt and Company, 1920.
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