Mackinder: Professor Spykman, sua teoria enfatiza o controle das bordas do Heartland, mas eu sustento que o verdadeiro poder reside no controle do próprio Heartland. E nesse contexto, Polônia e Ucrânia são fundamentais. Elas são não apenas zonas de transição, mas também o campo de batalha geopolítico entre potências marítimas e terrestres.
Spykman: Sir Mackinder, respeito sua teoria, mas discordo quanto ao foco no Heartland. A meu ver, a chave para o domínio global não é o controle da Eurásia interior, mas sim do Rimland, a vasta faixa que circunda o Heartland. Polônia e Ucrânia não são apenas zonas de transição, mas sim pontos críticos no equilíbrio de poder entre o Ocidente e a Rússia.
Mackinder: Justamente por isso, insisto que o Heartland continua sendo a peça central. A Ucrânia, em particular, é vital: quem a controla, controla o acesso ao Mar Negro e enfraquece a Rússia ou qualquer potência eurasiática. Napoleão e Hitler sabiam disso, e a Rússia czarista sempre lutou para manter seu domínio na região.
Spykman: E é por isso que o Rimland deve ser fortalecido. Os Estados Unidos e seus aliados não devem permitir que qualquer potência hegemônica domine essa zona. Polônia e Ucrânia são os amortecedores naturais contra a expansão russa. Se o Ocidente não as apoiar, perderá influência sobre a Europa Oriental e comprometerá seu próprio poder global.
Mackinder: Mas qual é o limite desse apoio? A história mostra que essas regiões são instáveis e frequentemente se tornam palco de conflitos destrutivos. O Heartland é resiliente. A Rússia, seja czarista, soviética ou contemporânea, sempre volta a se expandir. O que impede que sua teoria leve a conflitos intermináveis nas bordas do Heartland?
Spykman: A estabilidade vem do equilíbrio. O objetivo não é conquistar o Heartland, mas impedir que ele projete poder para fora. Um Heartland isolado é um Heartland enfraquecido. A política externa dos Estados Unidos deve garantir que Polônia e Ucrânia permaneçam independentes e alinhadas com o Ocidente, evitando que a Rússia as use como trampolins para dominar a Europa.
Mackinder: Talvez estejamos dizendo a mesma coisa de maneiras diferentes. Você quer conter o Heartland pela borda; eu enfatizo que ele não pode ser contido sem primeiro compreender sua dinâmica interna. No entanto, concordamos que Polônia e Ucrânia sempre estarão no centro da geopolítica europeia. A questão é: por quanto tempo o equilíbrio pode ser mantido antes que outra grande guerra transforme essas zonas de transição em epicentros de destruição?
Spykman: Essa é a pergunta que os líderes de hoje devem responder. A história não espera.
Spykman: A história não espera, e tampouco as potências que disputam essas regiões. Polônia e Ucrânia sempre foram campos de batalha entre impérios, mas hoje, com a ascensão das potências marítimas e terrestres em novas formas, o equilíbrio de poder nelas se torna mais complexo. Se o Ocidente vacilar, perderemos não apenas essas nações, mas a própria estrutura de segurança europeia.
Mackinder: Vejo seu ponto, mas há um problema fundamental: Polônia e Ucrânia nunca foram completamente estáveis como estados independentes por longos períodos. Elas foram engolidas por impérios precisamente porque estão nesse meio-termo entre duas forças titânicas. Se as fortalecermos demais, provocamos o Heartland; se as deixarmos fracas, elas se tornam presas fáceis. Qual é o ponto de equilíbrio?
Spykman: O equilíbrio está na estratégia da contenção ativa. Se Polônia e Ucrânia forem militarmente e economicamente fortes o suficiente para se defenderem, mas não tão agressivas a ponto de provocar diretamente a Rússia, elas podem atuar como barreiras naturais. O erro do Ocidente seria assumir que o status quo pode ser mantido sem um envolvimento direto e contínuo.
Mackinder: Mas então estaríamos condenados a um jogo de tensão perpétua. Não haveria espaço para uma acomodação de longo prazo entre o Heartland e o Rimland? O equilíbrio dinâmico que você propõe parece exigir intervenções constantes.
Spykman: A acomodação é uma ilusão. A geopolítica não permite vácuos de poder. Se o Ocidente se retirar, a Rússia avançará. Se a Rússia recuar, outra potência tentará preencher esse espaço. O mundo não se estabiliza sozinho; ele precisa ser moldado pela ação estratégica.
Mackinder: Concordo que vácuos de poder são perigosos. Mas há algo que me intriga: sua visão coloca o Ocidente como árbitro permanente da estabilidade dessas regiões. O problema é que a geopolítica não segue planos fixos. O que acontece se uma potência do Rimland, digamos a Alemanha ou a Turquia, desafiar essa estrutura?
Spykman: Um ponto válido. O Rimland não é monolítico, mas o princípio continua o mesmo: a chave é impedir que qualquer poder hegemônico domine a Eurásia. Se a Alemanha ou a Turquia começarem a agir de forma expansionista, o Ocidente deve recalibrar alianças para manter o equilíbrio. O importante não é quem domina cada peça individualmente, mas sim evitar que uma única potência estabeleça domínio total.
Mackinder: Então, estamos de acordo em um ponto essencial: a batalha pelo controle da Eurásia nunca termina. A única diferença é que você vê a estabilidade no fortalecimento das bordas, enquanto eu vejo a necessidade de compreender e influenciar o centro. No fim das contas, ambos reconhecemos que Polônia e Ucrânia continuarão a ser o palco onde as grandes estratégias do mundo se desenrolam.
Spykman: Exatamente. E enquanto houver disputas pelo poder global, essas zonas de transição jamais terão paz duradoura. Elas permanecerão, para o bem ou para o mal, o termômetro das ambições geopolíticas do mundo.
Mackinder: Se essas zonas de transição jamais terão paz duradoura, como você sugere, então o que garante que sua estratégia de contenção não levará inevitavelmente a um confronto direto? O equilíbrio pelo fortalecimento do Rimland pode parecer viável a curto prazo, mas se a Rússia perceber que sua esfera de influência está ameaçada, não responderá com agressão? Afinal, a história mostra que impérios pressionados em suas fronteiras frequentemente reagem de forma violenta.
Spykman: Essa é uma possibilidade real, e por isso a contenção deve ser calibrada com precisão. Não se trata de provocar o Heartland a ponto de gerar uma guerra total, mas sim de estabelecer uma rede de alianças e capacidades defensivas que tornem qualquer agressão excessivamente custosa. É a estratégia do "equilíbrio pelo custo": se a Rússia souber que uma invasão à Polônia ou à Ucrânia resultaria em perdas desproporcionais, pensará duas vezes antes de agir.
Mackinder: Mas e se o Heartland estiver disposto a pagar esse preço? Se for uma questão existencial para Moscou, especialmente no caso da Ucrânia, que sempre foi vista como parte de sua identidade histórica e estratégica, então seu cálculo racional pode ser muito diferente do que o Ocidente espera. Não é possível que sua estratégia leve a uma escalada inevitável?
Spykman: Esse é o dilema da contenção, eu admito. Mas a alternativa seria a inação, e a história nos ensina que permitir que uma potência revisionista domine essas zonas de transição pode ser ainda mais perigoso. O equilíbrio não se mantém sozinho. Ele precisa de ajustes constantes, e esses ajustes exigem força, diplomacia e, se necessário, demonstrações de poder. O erro do passado foi subestimar a importância de agir antes que o Heartland se fortalecesse demais.
Mackinder: Então, estamos falando de uma vigilância perpétua? De um ciclo interminável de contenção e resposta? Isso não nos leva de volta ao problema que mencionei antes: o fato de que a geopolítica não pode ser congelada em um estado ideal. As forças em jogo sempre mudarão, e a contenção de hoje pode ser a escalada de amanhã.
Spykman: Eu não discordo. A política internacional nunca é estática. Mas prefiro um ciclo de contenção e ajuste a um ciclo de colapso e reconstrução. Prefiro um mundo onde o poder está equilibrado, mesmo que instável, a um mundo onde uma única potência domine toda a Eurásia e ameace o restante do globo.
Mackinder: E o que dizer do fator humano? Você trata essas zonas de transição como peças de um tabuleiro, mas e as pessoas que vivem nelas? O que acontece quando poloneses e ucranianos não querem ser apenas amortecedores geopolíticos, mas atores soberanos com suas próprias ambições? Você não teme que suas teorias os reduzam a meros instrumentos de contenção, sem considerar suas aspirações nacionais?
Spykman: Essa é uma questão crucial. Se Polônia e Ucrânia querem evitar serem apenas territórios disputados, devem construir sua própria força. A contenção ocidental não significa tratá-los como fantoches, mas sim ajudá-los a serem fortes o suficiente para resistirem a pressões externas. Se eles forem fracos, serão absorvidos por alguma potência maior, seja do Heartland ou do Rimland.
Mackinder: E se essa busca por força própria os levar a tomar decisões que desestabilizem ainda mais a região? Se Polônia ou Ucrânia adotarem políticas que provoquem a Rússia, ou se buscarem hegemonia regional, não estariam elas mesmas contribuindo para a instabilidade? O equilíbrio não depende apenas de forças externas, mas também da moderação dos atores locais.
Spykman: Isso é verdade, e é por isso que qualquer estratégia eficaz precisa envolver não apenas apoio militar, mas também desenvolvimento econômico e integração política. A estabilidade do Rimland depende da criação de Estados que sejam fortes o suficiente para se proteger, mas sábios o suficiente para não provocar conflitos desnecessários.
Mackinder: Então, no fim das contas, tanto sua visão quanto a minha reconhecem que o destino da Eurásia não será decidido apenas por grandes potências, mas também pela resiliência e inteligência dessas nações de fronteira.
Spykman: Exatamente. E, como a história já mostrou, Polônia e Ucrânia continuarão a ser os campos de batalha invisíveis da geopolítica mundial, independentemente de quem estiver no poder. O jogo geopolítico nunca acaba, ele apenas muda de fase.
Mackinder: Nesse ponto, estamos de pleno acordo. O mapa da Eurásia pode mudar, mas as dinâmicas de poder que governam suas zonas de transição permanecerão constantes. Polônia e Ucrânia sempre estarão no olho do furacão da história.
Spykman: E cabe a nós entender esse furacão antes que ele destrua o equilíbrio que tanto buscamos manter.
Mackinder: Mas se o jogo geopolítico nunca acaba, então o que impede que Polônia e Ucrânia se tornem não apenas peças no tabuleiro, mas jogadores estratégicos por si mesmas? Em minha época, a Europa era dominada por grandes impérios. Hoje, na sua visão, o equilíbrio parece depender de estados-nação bem estruturados. Será que essas zonas de transição podem finalmente escapar do ciclo de domínio externo?
Spykman: Isso dependerá da capacidade dessas nações de consolidarem sua soberania de maneira realista. A contenção ocidental pode fornecer apoio, mas não pode substituir a vontade política interna. Se Polônia e Ucrânia quiserem ser mais do que zonas tampão, precisarão equilibrar sua identidade nacional com uma compreensão sofisticada da política internacional. Caso contrário, cairão no mesmo padrão histórico de sempre: ora aliadas, ora subjugadas, sempre disputadas.
Mackinder: E se falharem? Se a história se repetir, e a Rússia ou outra potência do Heartland conseguir expandir sua influência sobre elas, o que o Ocidente deve fazer? Você acredita em intervenções diretas ou em uma nova reconfiguração do equilíbrio de poder?
Spykman: Intervenções diretas sempre carregam riscos elevados. No entanto, a falha da contenção pode significar o início de um colapso estratégico maior. Se a Polônia ou a Ucrânia forem absorvidas por um poder revisionista, outras partes do Rimland começarão a sentir a pressão. A estratégia ocidental, então, precisaria ser recalibrada para restaurar o equilíbrio — seja através de apoio militar a aliados remanescentes, sanções econômicas ou deslocamento do foco estratégico para novas linhas de defesa.
Mackinder: Isso me lembra as lições do passado. Napoleão tentou conter a Rússia e falhou. A Alemanha tentou fazer o mesmo nas duas guerras mundiais e fracassou. A Rússia, por sua vez, tentou projetar poder sobre a Europa Ocidental, mas encontrou resistência. Se essa disputa por controle da Eurásia nunca se resolve, será que alguma potência um dia conseguirá estabelecer uma hegemonia verdadeira?
Spykman: A hegemonia sobre a Eurásia sempre será um objetivo inalcançável, porque as próprias dinâmicas geopolíticas impedem que um único ator mantenha controle absoluto por muito tempo. A geografia e as realidades do poder sempre criarão contrapesos. A Rússia pode expandir-se, mas enfrentará resistência no Ocidente e desafios internos. A China pode projetar influência, mas terá dificuldades logísticas para manter o controle sobre vastos territórios estrangeiros. O Ocidente pode intervir, mas nunca será capaz de suprimir totalmente as dinâmicas regionais.
Mackinder: Então, no final, estamos condenados a um equilíbrio instável?
Spykman: Não condenados. Mas devemos aceitar que estabilidade absoluta é uma ilusão. O melhor que podemos fazer é gerenciar as forças em jogo, adaptando-nos conforme necessário. Para Polônia e Ucrânia, isso significa desenvolver uma estratégia que não dependa cegamente de uma única potência, mas que garanta autonomia suficiente para evitar cair completamente sob domínio externo.
Mackinder: E, no entanto, a história mostra que nenhuma potência consegue evitar desafios internos. O equilíbrio de poder que tanto valorizamos depende não apenas de fatores externos, mas também de coesão interna. A Rússia, por exemplo, sempre oscilou entre momentos de grande expansão e colapso, porque sua geopolítica é inseparável de suas fraquezas estruturais. Você não teme que o Ocidente possa sofrer o mesmo destino se superestimar sua capacidade de manter o controle?
Spykman: Esse é o perigo de qualquer grande estratégia. Mas o erro maior seria subestimar o desafio. Se o Ocidente se retrair, outro ator tomará seu lugar, e o custo de recuperar o equilíbrio será muito maior. A única opção viável é permanecer engajado, vigilante e preparado para reajustar as peças do tabuleiro conforme necessário.
Mackinder: Então, voltamos ao início: Polônia e Ucrânia não são apenas zonas de transição, mas os pontos em que a história se decide. Seus destinos influenciam o equilíbrio de poder global, e seu fortalecimento — ou fraqueza — moldará o futuro da Eurásia.
Spykman: Exatamente. E, como sempre, o relógio geopolítico nunca para. O que decidirmos hoje determinará os conflitos e alianças de amanhã.
Mackinder: A única certeza é que o jogo nunca termina.
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