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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

O poder econômico das greves: dos estivadores aos caminhoneiros no Brasil

Ao longo da história do Brasil, a dependência econômica de determinados setores conferiu grande poder político a categorias profissionais estratégicas. No período em que o país era altamente dependente da exportação de café, os estivadores, responsáveis pelo carregamento e descarregamento de mercadorias nos portos, desempenhavam um papel fundamental. No século XXI, com a predominância do transporte rodoviário como principal modal logístico do país, os caminhoneiros assumiram posição semelhante. Esse fenômeno pode ser analisado a partir da relação entre a estrutura econômica e a capacidade de mobilização de categorias específicas de trabalhadores.

No final do século XIX e início do século XX, a economia cafeeira dominava a pauta de exportações do Brasil, tornando os portos do Rio de Janeiro e de Santos centros nevrálgicos da atividade econômica. Os estivadores, por consequência, detinham um poder significativo: uma greve prolongada dessa categoria poderia paralisar a economia nacional, forçando o governo a intervir rapidamente para evitar colapsos financeiros e sociais. Essa dinâmica se assemelha ao conceito romano de secessio plebis, quando a plebe se retirava da cidade como forma de protesto, obrigando a aristocracia a negociar.

Com o declínio da economia cafeeira e a diversificação da matriz produtiva do Brasil, o peso político dos estivadores diminuiu gradativamente. Em contrapartida, a partir da segunda metade do século XX, a dependência crescente do modal rodoviário fez dos caminhoneiros a categoria trabalhista mais influente no setor de transportes. Essa transformação se consolidou no século XXI, quando a logística brasileira passou a ser quase totalmente dependente do transporte rodoviário, com rodovias servindo como o principal elo entre produção e distribuição.

A greve dos caminhoneiros de 2018 exemplificou o poder dessa categoria. Em resposta à alta do preço do diesel, os caminhoneiros organizaram uma paralisação nacional que, em poucos dias, gerou desabastecimento de combustíveis, alimentos e insumos industriais. O impacto foi tão profundo que o governo do então presidente Michel Temer teve que ceder rapidamente às exigências dos grevistas, concedendo subsídios e congelando reajustes nos combustíveis. Esse episódio demonstrou que os caminhoneiros, assim como os estivadores em décadas passadas, tinham capacidade de pressionar o governo e moldar políticas públicas.

Por outro lado, a crise política que levou à queda da presidente Dilma Rousseff, em 2016, seguiu uma dinâmica distinta. Embora a insatisfação popular tenha sido impulsionada por fatores econômicos, como inflação elevada e recessão, não houve um movimento grevista de caminhoneiros em escala nacional durante seu governo. Ainda assim, o descontrole inflacionário e a perda de poder de compra foram elementos cruciais para a insatisfação popular que culminou no impeachment.

A análise histórica desse fenômeno levanta questionamentos sobre o futuro das categorias estratégicas no Brasil. Caso a matriz logística se diversifique, com o fortalecimento de ferrovias e hidrovias, a dependência dos caminhoneiros pode ser reduzida, enfraquecendo seu poder de mobilização. Assim, novos grupos trabalhistas podem emergir como forças políticas centrais, a depender do papel que desempenharem na economia nacional.

Dessa forma, a relação entre estrutura econômica e poder de mobilização de categorias profissionais permanece um fator determinante para a política brasileira. O estudo desse padrão histórico possibilita uma melhor compreensão das dinâmicas entre governo, economia e sociedade, apontando tendências para o futuro do país.

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