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terça-feira, 2 de setembro de 2025

Sobre a condição de ser marco temporal e pescador: uma reflexão sobre domínio público e temporalidade pessoal

A vida de um indivíduo, além de seu valor intrínseco, pode ser entendida como um ponto de referência no fluxo do tempo cultural. Quando penso nos direitos autorais e na entrada de obras em domínio público, percebo que é possível estabelecer um critério pessoal que transforma a própria existência em uma medida universal de acesso ao conhecimento.

Nasci em 23 de janeiro de 1981. Para efeito de direitos autorais, estabeleço que todo autor falecido até 1980 terá suas obras em domínio público no ano em que eu completar 70 anos. No Brasil, a regra legal determina que as obras entram em domínio público no dia 01 de janeiro do ano seguinte ao marco de contagem, portanto, para este critério, seria 01/01/2051 — poucos dias antes do meu aniversário.

Esse método é mais do que um cálculo técnico: é uma forma de tornar a minha própria existência uma representação simbólica da universalidade. Ao me tornar esse marco temporal, faço de mim um filtro, uma lente através da qual a cultura do passado é organizada e liberada para todos. É uma perspectiva que une o tempo pessoal e o tempo legal, criando um ponto de interseção entre a vida de um indivíduo e a circulação da produção intelectual da humanidade.

A analogia com a pesca por arrastamento é clara: ao posicionar-me como marco temporal, permito-me “pescar” uma grande quantidade de obras simultaneamente, com mínimo esforço individual, mas com máxima abrangência. É a eficiência de um gesto simbólico que amplia o acesso ao conhecimento, sem a necessidade de uma análise caso a caso de cada obra. Cada obra que entra em domínio público é um peixe capturado nesse arrasto cultural — disponível para qualquer pessoa, transformando a produção intelectual em bem comum.

Mais profundamente, esse raciocínio revela a dimensão quase mística de nossa relação com o tempo e o conhecimento. Somos ao mesmo tempo passageiros e pontos fixos: nossas vidas passam, mas podem servir como referência para organizar o fluxo cultural e legal que nos precede. Tornar-se marco é, portanto, uma forma de participar ativamente da memória coletiva, conectando a existência individual à perpetuação da cultura e à liberdade de acesso ao saber.

Em última análise, este método de contagem não é apenas um cálculo de datas ou um artifício jurídico. É uma forma de autorrepresentação simbólica, um gesto que une vida, tempo e cultura, e que nos convida a refletir sobre como nossas próprias trajetórias podem influenciar a circulação do conhecimento humano. Como o pescador por arrastamento, posicionamos nossas vidas de forma estratégica para colher, com consciência e propósito, os frutos do passado e disponibilizá-los ao futuro.

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