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domingo, 14 de setembro de 2025

A dignidade da recusa: liberdade, prudência e responsabilidade filial

Receber uma proposta de trabalho em outro país é sempre motivo de entusiasmo. Muitos pensariam imediatamente em novas oportunidades, em experiências enriquecedoras e no prestígio de uma carreira internacional. Contudo, existem situações em que dizer “não” não é apenas uma questão de conveniência, mas de justiça, de prudência e de amor.

Foi o que aconteceu quando recebi uma proposta para trabalhar na Polônia. A oferta poderia parecer atraente em vários aspectos, mas havia duas condições que a tornavam inviável desde o princípio.

A primeira foi a imposição de um prazo curto para a resposta. Embora prazos sejam comuns em negociações, nesse caso o limite temporal funcionava como pressão, tentando arrancar um “sim” imediato. Esse tipo de exigência vicia a vontade, pois reduz a liberdade de refletir e deliberar com calma. Uma decisão tão importante não poderia nascer do improviso.

A segunda condição dizia respeito à minha vida pessoal: eu morava com meus pais, já idosos. Eles precisavam de mim. Aceitar o emprego significaria não apenas mudar de país, mas também abandonar aqueles a quem eu devia cuidado e presença. A consciência desse dever filial pesava muito mais do que qualquer promessa de crescimento profissional.

Por essas razões, recusei de imediato. O “não” rápido não foi fruto de precipitação, mas de clareza. Se tivesse dito “sim” sob pressão, cedo ou tarde teria de voltar atrás, o que seria constrangedor e comprometeria a autoridade da minha própria palavra. Mais grave ainda: teria deixado meus pais em uma situação de vulnerabilidade.

A diferença entre recusar por conveniência e recusar por princípio está justamente aí. A conveniência calcula apenas os benefícios imediatos. Já a recusa por princípio protege valores mais altos: a dignidade da vontade livre e a fidelidade ao que é justo.

Neste caso, a justiça se manifestava em duas frentes: preservar a autenticidade da decisão, não cedendo a prazos que viciam a vontade, e honrar o dever de cuidar dos pais, cuja necessidade era concreta e inadiável. A recusa, portanto, não foi uma fuga, mas um ato de liberdade ordenada, que uniu prudência e responsabilidade filial.

Recusar, nesses termos, é mais digno do que aceitar algo que depois se revelaria incompatível com o dever e com a própria consciência. Foi um “não” que afirmou tanto a integridade da palavra quanto o valor do cuidado familiar.

Bibliografia sugerida

  • ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

  • KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

  • RICOEUR, Paul. O si-mesmo como um outro. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014.

  • JOÃO PAULO II. Carta Apostólica Salvifici Doloris. Vaticano, 1984.

  • SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q. 101 (sobre o dever de piedade e honra aos pais).

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