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domingo, 14 de setembro de 2025

O silêncio como recusa: entre a liberdade e o bloqueio

Na comunicação humana, poucas coisas são tão mal interpretadas quanto o silêncio. Muitos o tomam por omissão, desinteresse ou fraqueza; outros, mais atentos, reconhecem nele uma forma de manifestação de vontade. O silêncio, em determinadas circunstâncias, é tão eloquente quanto um “sim” ou um “não”.

O silêncio no Direito

No campo jurídico, o silêncio tem valor interpretativo. O Código Civil brasileiro, em seu artigo 111, estabelece que “o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”. Ou seja, em determinadas situações, a ausência de resposta é interpretada como aceitação.

Por outro lado, em muitas relações contratuais e negociais, o silêncio equivale à recusa. O Direito do Trabalho, por exemplo, entende que o empregado que não manifesta interesse em continuar um acordo ou não comparece a audiências renuncia tacitamente ao direito em questão. A hermenêutica jurídica, portanto, reconhece que o silêncio é polissêmico, cabendo ao contexto definir seu significado.

O silêncio na História

Historicamente, o silêncio também assumiu papéis de resistência. Um exemplo está no “silêncio obsequioso” praticado por membros da Igreja diante de ideias consideradas heterodoxas: não era aprovação, mas recusa a se comprometer com discursos contrários à fé.

Outro exemplo pode ser visto no campo político: líderes muitas vezes usaram o silêncio como resposta deliberada a provocações ou pressões externas. Charles de Gaulle, durante a Segunda Guerra Mundial, cultivava longos períodos de silêncio como forma de afirmar autoridade e manter distância estratégica em negociações.

No Brasil, há registros de escravizados que, diante de senhores, se manifestavam através do silêncio — não como submissão, mas como modo de resistência passiva, evitando dar adesão às ordens e, ao mesmo tempo, preservando sua dignidade interior.

O silêncio como recusa comunicacional

No convívio pessoal, o silêncio frequentemente é uma recusa polida. Ele evita constrangimentos, poupa explicações desnecessárias e protege a paz de quem o utiliza. Porém, quando a outra parte insiste em não respeitar esse sinal, o silêncio deixa de bastar. Surge então a necessidade de um gesto mais claro: o bloqueio.

Bloquear, nesse contexto, não é gesto de intolerância, mas ato legítimo de preservação da própria liberdade. O silêncio já havia expressado a recusa; a insistência do outro em não aceitá-la equivale a uma invasão. O bloqueio, então, se torna a tradução tecnológica do direito de não ser importunado.

Conclusão

O silêncio não é vazio: ele carrega em si a dignidade da escolha, a liberdade de recusar sem precisar justificar. Interpretá-lo corretamente exige sensibilidade, maturidade e respeito pela autonomia alheia. Ignorá-lo é negar ao outro o direito de se expressar à sua maneira — e, diante disso, o bloqueio se apresenta não como intolerância, mas como coerência.

Bibliografia

  • BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

  • BITTAR, Carlos Alberto. Teoria Geral do Negócio Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2005.

  • BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.

  • SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2019.

  • ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 2001.

  • FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1999.

  • RICOEUR, Paul. A Símbolica do Mal. São Paulo: Vozes, 2007.

  • LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Unicamp, 1990.

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