O Estado, por definição, é o braço armado institucional de um povo. Seu papel não é meramente burocrático ou administrativo, mas a defesa da sociedade contra inimigos internos e externos. Por lidar com a força, sua legitimidade não pode repousar em cálculos frios, mas em um vínculo fundamental de confiança. É por isso que o Chefe de Estado deve ser concebido como um pater familias, alguém que trata seus súditos como membros de sua própria casa, e como pater patriae, guardião da pátria como um todo.
Essa autoridade paterna não nasce da vontade humana, mas de Deus. Cristo mesmo, em Ourique, constituiu D. Afonso Henriques como o primeiro Rei de Portugal, inaugurando uma tradição em que o trono se ligava à cruz. Por isso, odiar o Estado é impossível para quem reconhece essa origem: fazê-lo seria como odiar as próprias armas, que em si não são más, mas instrumentos. O mal não está no Estado nem nas armas, mas nos tiranos que abusam deles, amando mais a si mesmos do que a Deus, conservando apenas o que lhes convém, ainda que dissociado da verdade.
O problema do aventureirismo republicano
A experiência republicana no Brasil mostra que, entregando o Estado a presidentes transitórios, produz-se uma sucessão de aventureiros. A cada quatro anos, a nação entrega seu braço armado a alguém que, em muitos casos, não tem raízes, nem compromisso histórico, nem responsabilidade dinástica. Daí os ciclos de crises, golpes e instabilidade. O presidente personifica o Estado como se fosse propriedade pessoal ou de partido, transformando-o em instrumento de facção.
Na monarquia, ao contrário, a autoridade do rei é hereditária e contínua, o que assegura estabilidade e um compromisso que vai além da conveniência imediata. O rei não pode “abandonar o barco” sem manchar sua dinastia; sua responsabilidade é histórica, e não eleitoral.
Estado e governo: a separação necessária
Outro problema criado pela República foi a confusão entre Estado e governo.
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O Estado, enquanto braço armado, é pessoal: requer confiança, lealdade, fidelidade. Sua função é proteger, não oprimir.
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O governo, enquanto administração da coisa pública, deve ser impessoal, servindo ao bem comum de modo equânime.
A monarquia sempre compreendeu essa separação: o rei encarna o Estado como autoridade paterna, enquanto os ministros e administradores exercem o governo como servidores do bem comum. Assim, aquilo que deve ser pessoal (o vínculo de confiança) é pessoal; e aquilo que deve ser impessoal (a administração) é impessoal.
Na República, essa ordem se inverteu. O governo tornou-se pessoal e faccioso, usado para distribuir favores, criar privilégios e sustentar clientelismos. Já o Estado, que deveria ser confiável, converteu-se em máquina impessoal, distante e burocrática, incapaz de gerar fidelidade genuína. O resultado é a degeneração simultânea da autoridade e da justiça.
Conclusão
Não é o Estado o inimigo. O inimigo é a tirania que o corrompe, quando o governante coloca a si mesmo acima da ordem divina e da sociedade. A solução não está em enfraquecer o Estado — como querem os esquerdistas desarmamentistas — nem em destruí-lo, como pretendem os revolucionários. A solução está em reordená-lo a Cristo, que em Ourique nos mostrou que a verdadeira autoridade é serviço paterno e responsabilidade diante de Deus.
A monarquia, ao distinguir o Estado do governo e fundar sua legitimidade na confiança e na tradição, oferece um caminho mais natural e estável para que o braço armado da nação seja exercido em justiça.
Bibliografia
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