Pesquisar este blog

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Carry Trade com elementos de comércio triangular: uma inovação na literatura econômica (versão acadêmica)

Introdução

O carry trade, no sentido clássico, refere-se à arbitragem financeira baseada em diferenças de taxas de juros entre países. Como notam Keynes (1930) e, mais recentemente, Kindleberger (1978), o capital internacional busca constantemente os fluxos de maior rentabilidade, movendo-se entre moedas e jurisdições.

O presente artigo propõe uma extensão original desse conceito: um carry trade triangular cultural-financeiro, que incorpora não apenas os diferenciais de juros e câmbio, mas também incentivos fiscais e elementos culturais. Tal modelo guarda semelhança com o comércio triangular da Idade Moderna — amplamente descrito por Braudel (1979) e Wallerstein (1980) —, mas reconfigurado para a economia global do século XXI.

1. Do carry trade clássico ao híbrido

O carry trade convencional consiste em tomar empréstimos em moedas de baixo juro e aplicar em moedas de alto juro, capturando o diferencial. Essa prática é central para entender crises financeiras como a do iene japonês nos anos 1990 ou os fluxos de capital para mercados emergentes no início dos anos 2000 (Helleiner, 1994).

No modelo aqui descrito, entretanto, o diferencial de juros é apenas uma camada do processo. O capital circula não apenas em busca de rendimento financeiro, mas também de vantagens fiscais e culturais, aproveitando assimetria regulatória e tributária entre Brasil, EUA e Europa.

2. Estrutura Triangular

O modelo articula três vértices geoeconômicos:

  • Brasil – Taxa Selic elevada, programas de fidelidade como Livelo, e isenção tributária na compra de livros. Aqui ocorre a conversão de reais em pontos/milhas, que funcionam como uma quase-moeda.

  • Estados Unidos (Flórida) – Estabilidade institucional, conta bancária em dólar com acesso a sistemas de pagamento como Zelle, e mercado consumidor formado pela diáspora brasileira e hispânica. Os livros físicos digitalizados são monetizados em dólar.

  • Europa (Portugal e Espanha) – Portugal fornece residência e caminho para cidadania europeia; a Espanha adiciona o detaxe imediato, criando arbitragem fiscal. Esse vértice amplia o ciclo triangular e conecta a operação ao euro.

Assim, o capital circula de forma semelhante ao comércio triangular histórico, mas substituindo escravos, manufaturas e matérias-primas por juros, pontos de fidelidade e bens culturais.

3. O ciclo financeiro

  1. Receita em dólar (venda de livros nos EUA).

  2. Conversão em reais via Wise, aplicados inicialmente em poupança no Brasil.

  3. Conversão de reais em pontos (Astropay + Livelo), aproveitando datas promocionais.

  4. Transferência para Latam Pass em campanhas de 100% bônus.

  5. Venda de milhas em mercado secundário (Hotmilhas), liquidação D+1.

  6. Aplicação em CDBs (110% do CDI), capturando juros elevados da Selic.

  7. Reconversão em dólar quando o câmbio se mostra favorável.

  8. Reenvio do capital aos EUA, reiniciando o ciclo.

Esse percurso caracteriza um verdadeiro carry trade em espiral, no qual o capital se expande a cada ciclo.

4. Comércio Triangular e Capital Cultural

Segundo Braudel (1979), o comércio triangular entre Europa, África e Américas não era apenas mercantil, mas estruturava uma rede de poder global. Analogamente, no modelo aqui descrito, os livros funcionam como mercadorias culturais, dotadas de isenção tributária e alta aceitação simbólica.

O capital cultural, aqui, atua como lastro:

  • No Brasil, livros geram pontos e milhas (capital simbólico convertido em financeiro).

  • Nos EUA e Europa, livros são vendidos a comunidades específicas, criando demanda estável.

  • Digitalizados, tornam-se também ativos imateriais, multiplicando valor sem custos adicionais.

Esse aspecto cultural confere resiliência à operação, pois vincula o fluxo de capitais à circulação de conhecimento.

5. Originalidade e Contribuição

O modelo apresentado se distingue da literatura existente por três razões:

  1. Hibridização – une arbitragem de juros, câmbio, fiscalidade e cultura em um mesmo ciclo.

  2. Triangularidade – reproduz, em chave contemporânea, a lógica do comércio triangular histórico, agora fundada em bens culturais e digitais.

  3. Lastro simbólico – insere a economia da cultura no centro da arbitragem financeira, ampliando a noção de capital para além do monetário, em consonância com a visão de Bourdieu (1986) sobre capital cultural.

Trata-se, portanto, de um novo paradigma teórico, que poderia inaugurar uma vertente de estudos denominada carry trade triangular cultural-financeiro.

Conclusão

A literatura econômica tradicional descreve o carry trade como arbitragem puramente financeira. O modelo aqui proposto demonstra que, na era global, ele pode ser expandido para abarcar tributação, câmbio e cultura, operando de forma triangular entre Brasil, EUA e Europa.

Assim como o comércio triangular da Idade Moderna estruturou o sistema-mundo (Wallerstein, 1980), este novo modelo sugere que o século XXI pode testemunhar a emergência de estratégias híbridas de arbitragem global, em que o capital circula não apenas como dinheiro, mas também como cultura e conhecimento.

Referências Bibliográficas

  • BOURDIEU, Pierre. The Forms of Capital. In: Richardson, J. (ed.). Handbook of Theory and Research for the Sociology of Education. New York: Greenwood, 1986, p. 241-258.

  • BRAUDEL, Fernand. Civilization and Capitalism, 15th–18th Century: The Structures of Everyday Life, Vol. 1. New York: Harper & Row, 1979.

  • HELLEINER, Eric. States and the Reemergence of Global Finance: From Bretton Woods to the 1990s. Ithaca: Cornell University Press, 1994.

  • KEYNES, John Maynard. A Treatise on Money. London: Macmillan, 1930.

  • KINDLEBERGER, Charles P. Manias, Panics, and Crashes: A History of Financial Crises. New York: Basic Books, 1978.

  • WALLERSTEIN, Immanuel. The Modern World-System. New York: Academic Press, 1980.

Nenhum comentário:

Postar um comentário