A sociedade contemporânea oferece múltiplos exemplos de indivíduos cuja relação com o mundo e com os outros reflete um estágio de desenvolvimento moral e intelectual profundamente distorcido. Entre essas figuras, destaca-se o playboy, que transforma a própria vida em um playground, reduzindo pessoas e experiências a meros objetos de diversão ou conveniência.
O playboy, ao contrário da criança inocente que explora o mundo com curiosidade, não busca descoberta ou aprendizado, mas preservação do prazer imediato. Tudo ao seu redor é adaptado para servi-lo, e a verdade ou os valores sólidos tornam-se secundários, irrelevantes. Quando ele envolve sua companheira como playmate, reduzindo-a à função de entretenimento sexual, evidencia-se uma forma extrema de infantilização: a pessoa é transformada em objeto de jogo, e a relação se torna uma mera repetição da lógica do playground infantil.
Essa dinâmica não deve ser confundida com a adultização verdadeira, conceito que remete à paidéia clássica. Na tradição grega, a paidéia envolve o desenvolvimento integral do indivíduo: moral, intelectual e cívico. Aristóteles (384–322 a.C.), em sua Ética a Nicômaco, argumenta que a virtude não é inata, mas formada por prática e hábito, integrando razão e ação. A paidéia permite ao indivíduo aprender a dominar impulsos, compreender o mundo e agir conforme princípios duradouros, estabelecendo bases sólidas para a vida social e pessoal. Diferentemente do playground do playboy, a paidéia não é pornográfica nem utilitária: ela forma cidadãos completos e indivíduos capazes de integrar suas experiências ao conhecimento e à virtude.
Do ponto de vista sociológico, Ortega y Gasset (1883–1955) observa que “o homem é ele mesmo em suas circunstâncias”. O playboy, imerso em uma cultura que valoriza aparência, consumo e prazer imediato, molda seu comportamento segundo conveniência e superficialidade. Já o indivíduo formado pela paidéia não se submete apenas ao imediato: ele interage com a tradição, com a cultura e com a verdade, estabelecendo uma postura responsável e madura diante da vida.
Autores modernos, como Neil Postman em A Desaparição da Infância, também alertam para o fenômeno da infantilização prolongada: uma sociedade que transforma adultos em crianças contínuas, privadas de responsabilidade e de compromisso com o conhecimento. A cultura do consumo e da objetificação, que celebra o playboy, corrobora essa infantilização, criando relações de exploração e superficialidade.
O contraste entre playboy e paidéia revela, portanto, uma diferença ética e epistemológica profunda. O playboy permanece na superficialidade, manipulando a realidade para conveniência própria; a paidéia exige disciplina, estudo e compromisso com a verdade. No primeiro caso, há exploração, infantilização e egocentrismo; no segundo, há formação, responsabilidade e integração com o mundo e com os outros.
Culturalmente, essa distinção reflete uma tensão persistente entre sociedades que valorizam a aparência e o prazer imediato e aquelas que preservam a tradição da educação moral e intelectual. Compreender essa diferença é essencial não apenas para crítica de costumes, mas para a análise de formas de desenvolvimento humano que conduzem à maturidade ou à estagnação infantil.
Ao valorizar a paidéia em detrimento do playground, é possível construir uma cultura que priorize verdade, virtude e formação integral do indivíduo, evitando a infantilização que corrói relações, valores sociais e a própria capacidade de engajamento humano profundo.
Bibliografia sugerida:
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Aristóteles. Ética a Nicômaco. Tradução de E. S. de Oliveira.
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Ortega y Gasset, José. A Rebelião das Massas. Edições 2020.
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Postman, Neil. A Desaparição da Infância. São Paulo: Summus, 1982.
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Adorno, Theodor W.; Horkheimer, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
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Platão. A República. Tradução de Clóvis Marques.
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