Introdução
O Canadá, frequentemente descrito como um país estável e próspero, convive desde sua fundação com tensões regionais que desafiam sua unidade nacional. A província de Quebec, marcada por reivindicações separatistas de cunho cultural e linguístico, não é o único foco de contestação ao poder central. Nos últimos anos, emergiu no oeste canadense o Wexit (West Exit), que defende a secessão de províncias como Alberta e Saskatchewan, com a possibilidade de formar um novo país ou até mesmo aderir aos Estados Unidos.
Este artigo analisa as origens do movimento, suas bases políticas e econômicas, o impacto do federalismo assimétrico canadense e as implicações geopolíticas de uma eventual fragmentação da federação.
O contraste entre o leste e o oeste canadense
O Canadá apresenta um claro desequilíbrio político-cultural entre o leste e o oeste. As províncias orientais — Ontário e Quebec — concentram as maiores cidades (Toronto, Ottawa, Montreal) e tendem ao progressismo. A Colúmbia Britânica, embora mais dividida, é fortemente influenciada por Vancouver, cidade cosmopolita e progressista.
Já Alberta e Saskatchewan se destacam pelo conservadorismo político e pela dependência econômica da exploração de petróleo e gás natural. O governo de Justin Trudeau, ao adotar políticas ambientais restritivas, bloqueou projetos de oleodutos e reduziu as exportações de petróleo, gerando profundo ressentimento no oeste.
A gênese do Wexit
O movimento ganhou notoriedade em 2019, inspirado, em parte, pelo Brexit no Reino Unido. Grupos organizados em Alberta passaram a defender a separação da federação, argumentando que os interesses do oeste são sistematicamente ignorados por um governo central voltado às demandas urbanas do leste.
A Constituição canadense admite a possibilidade de plebiscitos sobre independência, como demonstrou o caso do Quebec. Embora a secessão exija negociações complexas, essa abertura legal serve de estímulo a iniciativas como o Wexit.
O papel do federalismo assimétrico
Um elemento central do debate é o federalismo assimétrico canadense. Desde a década de 1960, o Quebec conquistou status diferenciado dentro da federação, com maior autonomia em áreas como imigração, língua e cultura. Essa assimetria foi uma resposta às demandas históricas do Quebec, mas acabou criando uma percepção de tratamento desigual entre as províncias.
Enquanto Quebec obteve privilégios institucionais, províncias como Alberta e Saskatchewan — que sustentam parte significativa da economia nacional com suas exportações de energia — sentem-se exploradas fiscalmente e politicamente marginalizadas. O argumento recorrente entre separatistas do oeste é que Ottawa transfere recursos do petróleo para financiar programas sociais no leste, sem dar contrapartidas proporcionais às províncias produtoras.
Assim, o federalismo assimétrico, longe de pacificar as tensões federativas, contribui para novos ressentimentos regionais. Se para Quebec a assimetria foi um “remédio” para conter o separatismo, para o oeste é vista como uma “injustiça”, que fortalece a narrativa do Wexit.
As dimensões geopolíticas
A eventual secessão do oeste teria repercussões geopolíticas profundas. A adesão dessas províncias aos Estados Unidos consolidaria uma ligação terrestre direta com o Alasca e ampliaria o acesso ao Oceano Ártico.
A Passagem Noroeste, tradicionalmente reivindicada pelo Canadá como águas territoriais, é considerada pelos Estados Unidos uma rota internacional de interesse estratégico. Com o avanço do degelo polar, essa rota tende a ganhar importância econômica e militar. O Wexit, nesse cenário, poderia facilitar a estratégia americana de ampliar sua presença no Ártico, em contraposição à Rússia.
Desafios e perspectivas
Apesar da crescente visibilidade, o Wexit enfrenta barreiras estruturais. Vancouver dificilmente apoiaria um projeto separatista; Manitoba permanece dividida; e a própria fragmentação política interna dificulta a formação de um consenso. Além disso, a eventual independência do oeste poderia reavivar o separatismo no Quebec, ampliando a instabilidade da federação.
Conclusão
O Wexit revela que o Canadá, apesar de sua imagem internacional de estabilidade, convive com fragilidades institucionais e regionais profundas. O federalismo assimétrico, concebido para acomodar as especificidades de Quebec, acabou reforçando a percepção de desigualdade entre as províncias, tornando-se um dos fatores que alimentam o separatismo no oeste.
Embora ainda improvável no curto prazo, a simples existência desse movimento mostra que o modelo federativo canadense está em constante tensão. Se levado às últimas consequências, o Wexit poderia redesenhar o mapa da América do Norte, reduzir o peso geopolítico do Canadá e fortalecer os Estados Unidos em sua projeção sobre o Ártico.
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