Pesquisar este blog

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

A poupança como hedge tributário: reflexões à luz do Código Tributário Nacional

No Brasil, cada tipo de investimento carrega consigo um regime jurídico-tributário específico, definido pelo Código Tributário Nacional e pela legislação complementar. Essa diversidade permite que o investidor organize sua carteira de modo não apenas a buscar melhores retornos, mas também a estruturar-se contra os impactos fiscais que podem corroer seus ganhos. Nesse sentido, a poupança, muitas vezes desconsiderada pela baixa rentabilidade em comparação a outros ativos, pode assumir uma função estratégica relevante: servir como uma espécie de hedge tributário.

O caso prático: CDB x Poupança

Suponhamos a seguinte situação: um investidor mantém R$ 383,13 aplicados em um Certificado de Depósito Bancário (CDB), com um imposto de renda retido na fonte de R$ 4,28, conforme a tabela regressiva aplicável à renda fixa. Ao mesmo tempo, esse mesmo investidor possui uma quantia na caderneta de poupança que, no último mês, lhe gerou um rendimento líquido de R$ 55,22.

Observa-se que, apenas em setembro, o rendimento isento da poupança foi suficiente para “cobrir” quase 13 vezes o valor do imposto devido ao CDB. Ainda que essa correlação não seja perfeita em termos técnicos, a lógica se aproxima de um mecanismo de proteção: enquanto uma parte da carteira está sujeita à tributação, outra parte, na poupança, gera ganhos livres de impostos que podem compensar financeiramente o ônus tributário dos demais investimentos.

A base legal da isenção

A caderneta de poupança é isenta do imposto de renda para pessoas físicas. Essa isenção decorre do artigo 3º, §2º, da Lei 7.713/1988, consolidada no ordenamento tributário brasileiro, em harmonia com o Código Tributário Nacional. Assim, o rendimento da poupança é recebido integralmente pelo investidor, sem qualquer retenção ou necessidade de ajuste na declaração anual.

Hedge tributário: conceito e analogia

O termo hedge é comumente utilizado no mercado financeiro para designar instrumentos de proteção contra riscos — cambiais, de juros, de crédito ou de preço de commodities. A poupança, ainda que não seja concebida originalmente como instrumento de proteção, pode desempenhar papel semelhante no campo tributário: seus rendimentos líquidos funcionam como um “colchão” contra a tributação incidente em outras aplicações.

Trata-se, portanto, de uma forma de hedge tributário natural. Enquanto o CDB oferece rendimento maior em termos brutos, mas sofre com a incidência de imposto, a poupança entrega rendimento menor, porém líquido. Assim, a combinação de ambos pode equilibrar o impacto da carga tributária na carteira.

Estratégia financeira e implicações práticas

Ao manter uma parcela dos recursos em poupança, o investidor assegura:

  1. Liquidez imediata para emergências, sem custo tributário.

  2. Rendimentos líquidos que podem suavizar ou compensar o impacto dos tributos pagos em outras aplicações.

  3. Diversificação não apenas de ativos, mas também de regimes fiscais, o que é um aspecto frequentemente negligenciado no planejamento financeiro pessoal.

Embora a poupança não deva ser vista como substituto de investimentos mais rentáveis no longo prazo, sua função estratégica pode ser reinterpretada dentro da lógica de gestão tributária. Ao funcionar como uma espécie de “seguro contra o leão”, ela fortalece a resiliência da carteira.

Conclusão

A poupança, muitas vezes considerada apenas uma aplicação conservadora e pouco atrativa, pode ganhar nova relevância quando observada sob a ótica tributária. Seu rendimento isento, previsto no ordenamento jurídico, possibilita ao investidor estruturar-se contra o impacto do imposto de renda em ativos como o CDB. Nesse sentido, mais do que um simples investimento, a poupança torna-se um mecanismo de hedge tributário, assegurando maior previsibilidade e eficiência na gestão patrimonial.

Bibliografia

  • BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional.

    BRASIL. Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988. Dispõe sobre o Imposto de Renda e dá outras providências 

    ASSAF NETO, Alexandre. Mercado Financeiro. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2022.

    FORTE, Denis. Gestão de Risco no Mercado Financeiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.

    GIAMBIAGI, F.; VILLELA, A. (orgs.). Economia Brasileira Contemporânea. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.

    PINHEIRO, Armando Castelar. Sistema Financeiro Brasileiro: estrutura e regulação. São Paulo: Atlas, 2019. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário