No Brasil contemporâneo, observa-se um fenômeno preocupante que remete ao coronelismo do período pós-Imperial: a concentração de poder nas mãos do Judiciário. A metáfora do coronavírus se torna útil para explicar este cenário: assim como uma doença infecciosa, a influência do poder judiciário se espalha, se intensifica e, muitas vezes, se torna resistente a agentes externos. Aqui, falamos de uma “segunda onda” de coronelismo, desta vez travestida de toga.
A associação linguística é curiosa e reveladora: “corona” é gíria para coronel, e a “capinha” do vírus simboliza a toga que reveste os ministros da Suprema Corte. Ambos os elementos protegem: o vírus de agentes externos e a toga de críticas, responsabilidades e pressões sociais. Dessa forma, o Judiciário se apresenta como uma instituição imunizada, capaz de atuar com autonomia quase absoluta, muitas vezes acima dos outros poderes e da própria sociedade.
O coronelismo histórico e sua herança
O coronelismo no Brasil, descrito detalhadamente por autores como Raymundo Faoro em Os Donos do Poder (1958), caracterizou-se pelo domínio local de líderes políticos e militares, que controlavam recursos, eleições e decisões judiciais nas regiões onde atuavam. Essa concentração de poder tornava as relações políticas extremamente hierárquicas e dependentes da vontade dos coronéis.
No século XXI, esse controle se desloca para as esferas superiores: os ministros das cortes superiores exercem uma espécie de coronelismo moderno, concentrando decisões estratégicas, moldando interpretações legais e influenciando políticas públicas, muitas vezes sem contrapeso efetivo. Assim como os coronéis locais, esses magistrados possuem capacidade de decisão que pode afetar diretamente a vida de milhões, mas em um contexto institucionalizado e protegido.
“Segunda Onda”: Proteção, Poder e Influência
A metáfora do vírus é particularmente adequada. A “capinha” que protege o vírus representa a toga dos ministros, que lhes garante imunidade institucional e uma posição de resistência a críticas ou pressões externas. O resultado é um sistema onde a autoridade judicial se perpetua, reproduzindo padrões históricos de poder concentrado, mas com roupagem moderna.
A literatura jurídica destaca que a independência judicial, embora essencial para a democracia, não deve se confundir com intocabilidade absoluta. Autores como Luís Roberto Barroso (em Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, 2017) alertam que o equilíbrio entre independência e accountability é crucial para que decisões judiciais não se convertam em instrumentos de imposição política.
Impactos na Sociedade
A proliferação de decisões judiciais que alteram políticas econômicas, sociais e administrativas sem consulta ampla gera instabilidade. Empresas, cidadãos e governos tornam-se reféns de interpretações judiciais que refletem a centralização de poder típica do coronelismo, apenas em versão institucionalizada. O fenômeno se manifesta como uma “segunda onda” de controle, capaz de atravessar crises políticas e sociais com força quase imunológica, tal como um vírus resistente.
Caminhos para o equilíbrio
Evitar o “coronelismo de toga” exige mecanismos claros de transparência, responsabilização e participação social, sem comprometer a independência do Judiciário. É necessário criar freios institucionais que garantam que o poder concentrado não se transforme em imposição, mas permaneça como instrumento de justiça efetiva.
Conclusão
A metáfora do coronavírus ajuda a compreender o fenômeno: a centralização e proteção do Judiciário no Brasil atual configuram uma segunda onda de coronelismo, revestida de toga. Reconhecer essa realidade é o primeiro passo para buscar reformas institucionais que devolvam ao cidadão o equilíbrio entre autoridade e liberdade, entre lei e sociedade, entre poder e responsabilidade.
Bibliografia
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Faoro, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro. Brasília: Editora Globo, 1958.
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Barroso, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2017.
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Buarque de Holanda, Sérgio. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2010.
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