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segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Os Gatos, Os Ratos e A Translatio Imperii: uma leitura simbólica da monarquia luso-brasileira

 Desde as primeiras caravelas que singraram o Atlântico em direção ao Novo Mundo, o homem afastado de Deus e da Coroa encontrou na América possibilidades quase ilimitadas de enriquecer e prosperar. Esse horizonte de riquezas, no entanto, muitas vezes inflamou o amor de si a ponto de obscurecer a relação com o Criador. Tornando-se mais parecido com os ratos que viajaram escondidos nos porões das naus, o homem, entregue ao seu egoísmo, buscava apenas devorar e acumular.

O símbolo dos ratos: o amor de si inflado

Os ratos representam a lógica corrosiva do amor-próprio quando desligado da ordem divina. Tal como os animais que infestaram as embarcações e rapidamente se espalharam pelo continente, o homem movido apenas por seus apetites imediatos prolifera sem construir, corrói sem edificar e devora sem deixar legado. O paraíso americano, assim, podia facilmente se transformar em terreno de perdição.

O gato: guardião da ordem e figura da Coroa, nos méritos de Cristo

Para que o serviço a Cristo em terras distantes não se perdesse, a Providência fez acompanhar os ratos também o gato. O gato é símbolo da vigilância, do equilíbrio e da força corretiva. Ele encarna, no plano histórico, a Coroa portuguesa, que, ainda que distante, manteve sua autoridade sobre o Brasil.

A transmigração da Corte para o Rio de Janeiro, em 1807-1808, insere-se nesse movimento. Costuma-se dizer que a família real portuguesa fugiu de Napoleão. Na verdade, o episódio foi o cumprimento de um translatio imperii — a transferência estratégica do centro do poder imperial para assegurar sua continuidade. A ameaça de Napoleão apenas acelerou um processo que já se desenhava. Não houve fuga, mas cálculo geopolítico: o Brasil não era um refúgio, mas parte orgânica do corpo imperial português.

Antevisão do Poder Moderador

O gato, no entanto, não se limita ao período colonial. Ele antecipa aquilo que, no Brasil independente, se tornaria o Poder Moderador da monarquia constitucional. Durante o Segundo Reinado, sob D. Pedro II, o Imperador desempenhou a função de árbitro supremo entre os poderes, equilibrando facções e interesses, garantindo a unidade e impedindo que os “ratos” corroessem a jovem nação.

Assim como o gato protege o lar contra a infestação, a monarquia, com seu Poder Moderador, protegeu o Império contra o faccionalismo e a fragmentação. A imagem felina é, portanto, metáfora da função equilibradora e preservadora que a Coroa exerceu tanto no Império português quanto no Império do Brasil.

Uma visão providencial

No plano teológico-político, a simbologia dos ratos e do gato revela um contraste: o homem afastado de Deus torna-se destrutivo como o roedor, enquanto a monarquia, instrumento providencial, assume o papel de guardiã da ordem, garantindo que a expansão em terras distantes se mantenha vinculada ao serviço a Cristo.

A vinda da Coroa para o Brasil não deve ser vista como mera contingência histórica, mas como parte de um desígnio providencial: preservar a continuidade do império, manter viva a missão de servir a Cristo em terras distantes e preparar o terreno para uma experiência monárquica própria, que culminaria no Poder Moderador de D. Pedro II.

Conclusão

A história da América Portuguesa, quando lida à luz dessa simbologia, deixa de ser apenas um relato de colonização e se converte em parábola política. Os ratos, o homem afastado de Deus, o gato, a Coroa e o Poder Moderador não são apenas elementos isolados, mas expressões de uma mesma realidade: a luta entre o amor-próprio desordenado e a ordem providencial.

O Brasil, nesse sentido, não foi apenas colônia ou refúgio: foi parte de um império que se transformou para cumprir uma missão mais elevada. E a monarquia, figurada pelo gato, foi a guardiã dessa missão contra a dissolução que sempre ameaça quando os homens esquecem de Deus.

Bibliografia

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