Por trás das estradas retas, das cidades bem planejadas e das divisões de terra que sustentavam a economia, havia uma figura essencial, o agrimensor romano. Conhecido como Gromaticus, esse especialista em medição era um arquiteto invisível que dava forma ao território do vasto Império Romano. O nome Gromaticus vem da palavra latina groma, um dos principais instrumentos de medição que eles usavam.
A groma era uma ferramenta simples, mas engenhosa, que consistia em uma haste vertical com braços horizontais em forma de cruz, de onde pendiam prumos. Ela era usada para traçar linhas perpendiculares e retas com grande precisão. Mas o trabalho de um agrimensor ia muito além de manusear essa ferramenta.
Eles eram uma mistura de engenheiro civil, cartógrafo e advogado. A sua principal missão era medir e demarcar terras, garantindo que tudo estivesse no lugar certo. Por exemplo, após uma conquista, os agrimensores eram os primeiros a chegar para dividir as novas terras em lotes iguais para os colonos romanos e os soldados aposentados.
Essa divisão criava um padrão de quadrados perfeitos, que ainda hoje pode ser vista em algumas partes da Europa. Eles também ajudavam a planejar a fundação de novas cidades, definindo a orientação das ruas e os limites dos terrenos. A sua precisão garantia que as cidades fossem bem organizadas e eficientes.
Os agrimensores também eram cruciais para a construção da famosa rede de estradas romanas, garantindo que as vias fossem retas, bem niveladas e percorressem os terrenos da forma mais eficiente possível. Eles também mediam a inclinação necessária para que os aquedutos funcionassem perfeitamente, levando água a milhares de quilômetros de distância. Quando vizinhos brigavam por causa das fronteiras das suas propriedades, os agrimensores eram chamados para resolver o problema, servindo como uma espécie de juiz técnico.
Os seus mapas e medições eram a prova final para decidir a questão. Além da groma, os agrimensores usavam outros instrumentos para o seu trabalho, como a dioptra, que funcionava como uma espécie de teodolito primitivo para medir ângulos e níveis de terreno. Eles também usavam níveis de água para garantir que as superfícies estivessem perfeitamente planas ou com a inclinação correta, e cadeias de medição para medir distâncias com precisão.
Inicialmente, o ofício de agrimensor era prático e ligado à terra. O primeiro grande impulso para a profissão veio durante o período republicano e as guerras civis, quando a distribuição de terras para os veteranos de guerra se tornou uma prática comum. Cada vez que uma nova província era conquistada ou um conflito terminava, era preciso dividir as terras e distribuí-las de forma justa e organizada.
Com a chegada do império, a demanda por agrimensores explodiu. O governo central precisava de especialistas para gerir as vastas novas províncias, construir uma rede de estradas e aquedutos e coletar impostos de maneira eficiente. Assim, a profissão se formalizou.
Surgiram escolas, manuais e um corpo de conhecimento técnico. O agrimensor se tornou um profissional com educação formal, essencial para o funcionamento do estado. O caminho para se tornar um gromáticos geralmente começava com um aprendizado informal ou formal com um mestre experiente.
Os aspirantes a agrimensores, que podiam vir de famílias ricas ou de classes mais baixas com talento para matemática, estudavam matemática e geometria, que eram a base de tudo, direito romano, já que o agrimensor não apenas media terra, mas também lidava com as leis de propriedade, e também habilidades práticas, como usar a groma e a dioptra. Muitos agrimensores eram ex-militares que já tinham experiência com medição e topografia em acampamentos e marchas. A reputação e o sucesso de um agrimensor eram construídos com base em sua precisão e na confiabilidade do seu trabalho, o que podia levá-lo a servir grandes generais ou até mesmo o próprio imperador.
A diferença entre o agrimensor militar e o civil era o contexto e o propósito do seu trabalho, embora as habilidades fossem as mesmas. O agrimensor militar atuava diretamente com o exército; as suas funções incluíam escolher e marcar locais para acampamentos militares que precisavam ser defensáveis e estratégicos. Eles mapeavam o terreno antes das batalhas e das marchas, garantindo que as legiões pudessem se mover de forma eficiente.
Um dos seus trabalhos mais importantes era a centuração das terras conquistadas, distribuindo os lotes para os veteranos como pagamento por seus serviços. Já o agrimensor civil trabalhava para o governo ou para clientes particulares. As suas responsabilidades eram mais focadas na vida urbana e rural em tempos de paz.
Eles traçavam os limites das propriedades para a cobrança de impostos, resolviam disputas de limites entre fazendeiros e ajudavam no planejamento de cidades e na construção de infraestrutura civil, como estradas, pontes e aquedutos. Em essência, o agrimensor militar preparava o terreno para a guerra e a expansão, enquanto o agrimensor civil mantinha a ordem e a estrutura dentro do império já estabelecido. O trabalho dos agrimensores era a espinha dorsal da organização territorial romana.
Sem eles, seria impossível administrar um império tão vasto e diverso. A disciplina e a precisão com que eles dividiam e mapeavam as terras permitiam ao governo romano coletar impostos, assentar colonos e manter a ordem social ao resolver disputas de terra. Grandes figuras romanas reconheciam a importância dos agrimensores, como por exemplo o engenheiro militar e curador da água de Roma, Frontino, que escreveu sobre a engenharia e a administração da cidade, refletindo o nível de detalhe e a precisão exigidos desses profissionais.
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