A música popular internacional tem sido, em grande parte, dominada pela lógica da indústria cultural americana. Artistas que alcançam fama global, na maioria dos casos, cantam apenas em inglês e se beneficiam da estrutura de soft power que os Estados Unidos projetam no mundo através do entretenimento, especialmente sob a hegemonia do Partido Democrata e seus vínculos com o show business. Esses músicos se tornam, em última instância, operadores culturais da hegemonia, artífices de uma universalidade artificial e colonizadora.
No entanto, há exceções luminosas que escapam a essa lógica. Um desses exemplos é Deborah Blando, cantora, compositora, multi-instrumentista e poliglota capaz de interpretar em inglês, português, espanhol, italiano, francês, alemão e até mesmo ucraniano. Mais do que um detalhe técnico, esse poliglotismo musical reflete uma verdadeira vocação internacional, enraizada não no poder de uma indústria, mas no diálogo autêntico com diferentes povos e culturas.
O espírito ouriqueano em Deborah Blando
Para compreender a singularidade de Deborah Blando, é possível recorrer ao espírito de Ourique, o milagre fundacional da nação portuguesa. Em Ourique, Cristo entregou a D. Afonso Henriques não apenas uma vitória militar, mas uma missão espiritual: servir a Cristo em terras distantes, santificando o trabalho e expandindo a civilização fundada na fé.
Embora Deborah Blando tenha atuado em um contexto pós-cristão, onde grande parte dos falantes da língua portuguesa não se santifica através do trabalho, sua trajetória musical reflete esse espírito ouriqueano. Ao levar sua arte a diferentes povos, construindo pontes culturais (no sentido que Miklós Szondi dá ao termo), ela encarnou algo da vocação civilizacional do Brasil — fundado nos méritos de Cristo e chamado a comunicar sua identidade em terras distantes.
Um internacionalismo autêntico
A distinção é clara:
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Os artistas globais da indústria americana são monolíngues, dependentes da hegemonia cultural de seu país, agentes de colonização estética e política.
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Deborah Blando, ao contrário, cantou o mundo: traduziu sentimentos em várias línguas, adaptou-se a diferentes públicos, e se fez verdadeiramente internacional por meio de seu próprio talento e de sua abertura às culturas.
Isso a coloca em um patamar singular. Sua carreira, marcada pela presença em trilhas de novelas no Brasil e em outros países, não é apenas exemplo de sucesso comercial, mas testemunho de como a música pode ser ponte entre civilizações — algo que remete diretamente ao projeto civilizacional inaugurado por Ourique.
Construtora de pontes
Deborah Blando deve ser vista, portanto, como uma artista-missionária. Não no sentido estrito de pregar a fé, mas de exercer, através da arte, a vocação de unir povos e expressar em diferentes idiomas aquilo que toca a alma humana. Ela não colonizou, mas comunicou; não impôs, mas traduziu; não se reduziu a produto, mas tornou-se testemunho artístico.
Conclusão
Estudar a trajetória de Deborah Blando é descobrir que, em muitos aspectos, ela foi maior do que os artistas da música americana que se apresentam como “internacionais” , mas que, na verdade, são monoglotas. Nenhum deles possui o background linguístico, cultural e civilizacional que ela reuniu em sua carreira. Deborah Blando é um exemplo a ser seguido — a prova de que o verdadeiro internacionalismo nasce da vocação de serviço e construção de pontes, e não da submissão a uma hegemonia cultural.
Assim, no horizonte do milagre de Ourique, Deborah Blando pode ser lida como uma herdeira contemporânea desse espírito fundacional, servindo, ainda que inconscientemente, à Terra de Santa Cruz em terras distantes, por meio da música.
Bibliografia Comentada
1. RUNCIMAN, Steven. A Primeira Cruzada. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
Obra fundamental para compreender o contexto medieval de onde brota a experiência espiritual e guerreira que culmina no milagre de Ourique. Runciman mostra como as cruzadas não eram apenas campanhas militares, mas também empreendimentos civilizacionais, ligados à ideia de servir a Cristo em terras distantes.
2. SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal. Lisboa: Verbo, 1977.
O autor oferece uma narrativa clássica da formação da nação portuguesa. O episódio de Ourique é tratado como momento fundador da identidade luso-cristã, cuja herança se projeta na missão civilizacional em novas terras, inclusive no Brasil.
3. LEÃO XIII, Papa. Rerum Novarum. Roma, 1891.
Encíclica que reafirma o valor do trabalho como meio de santificação e como fundamento da ordem social cristã. Esse documento ilumina a leitura da obra de Deborah Blando como expressão de trabalho criativo que toca povos diversos, ainda que em contexto pós-cristão.
4. NYE, Joseph. Soft Power: The Means to Success in World Politics. New York: PublicAffairs, 2004.
Referência central para entender como a música americana se transformou em ferramenta de projeção da hegemonia política dos EUA. Permite compreender a diferença entre o “internacionalismo artificial” do show business e o “internacionalismo genuíno” de artistas como Deborah Blando.
5. SZONDI, Miklós. Psicologia do Destino. São Paulo: Perspectiva, 1987.
Aqui encontramos a ideia do homem como construtor de pontes, conceito que se aplica de forma exemplar à trajetória de Deborah Blando. A artista encarnou esse papel ao transitar entre culturas e idiomas, realizando um destino de comunicação e união.
6. ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2002.
A crítica de Ortega à cultura massificada ajuda a entender por que a música global americana, mesmo se apresentando como universal, é na verdade nivelada por baixo. Nesse contraste, Deborah Blando se destaca como singularidade, por não se reduzir à lógica massificadora.
7. CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. Rio de Janeiro: Record, 1995.
Obra que aborda o papel civilizacional de Roma e do cristianismo na formação do Ocidente. Serve de pano de fundo filosófico para compreender como a missão ouriqueana ressurge em expressões culturais aparentemente distantes, como a música popular internacional.
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