1. Origem do termo e do instituto
A palavra hipoteca deriva do grego hypothḗkē (ὑποθήκη), formada por hypo (sob) e tithenai (colocar). No uso jurídico, significava literalmente “colocar algo embaixo”, isto é, oferecer um bem como base ou garantia de uma obrigação.
No direito romano, hypotheca foi absorvida para designar uma forma de garantia real distinta do penhor: o devedor não precisava entregar a posse do bem, mas este ficava gravado para o credor. O mais comum era hipotecar terras e casas, que constituíam o núcleo da riqueza romana.
2. Cavalos: riqueza semovente da Antiguidade
Antes da centralidade da propriedade imobiliária, havia bens móveis que representavam status, poder e sobrevivência de comunidades inteiras. Entre eles, o cavalo ocupava lugar privilegiado:
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Na guerra, significava vantagem estratégica.
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Na agricultura, aumentava a produtividade.
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No transporte, encurtava distâncias e integrava mercados.
Assim, cavalos funcionavam como “imóveis sobre quatro patas”: bens duradouros, de grande valor e de difícil substituição. Não é surpresa que contratos na Antiguidade e Idade Média muitas vezes os usassem como garantia, ainda que não sob o nome formal de hypotheca.
Podemos ver aí a intuição que conecta hipoteca com semoventes de alto valor: mesmo que a etimologia não venha de hippos (cavalo), a lógica econômica de oferecer os bens mais preciosos como garantia já estava presente.
3. O paralelismo com navios e aeronaves
Na modernidade, a função que outrora cabia aos cavalos — como suporte de impérios, comércio e guerra — passou a ser cumprida por navios e, posteriormente, aeronaves.
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Um navio mercante concentra um investimento imenso, é essencial ao comércio mundial e não pode ser facilmente substituído.
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Uma aeronave cumpre papel semelhante, conectando distâncias globais e sustentando economias inteiras.
Por isso, o direito de muitos países atribui a esses bens móveis o regime de hipoteca, e não de penhor. Eles se assemelham juridicamente a imóveis: grandes, duradouros, insubstituíveis e de enorme impacto econômico.
4. A continuidade da lógica
Se observarmos a linha histórica, percebemos uma coerência:
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Antiguidade → cavalos como riqueza central, passíveis de serem dados em garantia.
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Roma → imóveis como base da riqueza, com a consolidação jurídica da hipoteca.
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Modernidade → navios e aeronaves assumem o lugar de bens estratégicos de alto valor, também sujeitos à hipoteca.
A hipoteca, portanto, é menos um instituto restrito a imóveis e mais a expressão jurídica de um princípio universal: quanto maior o valor de um bem para a sociedade, mais natural é que ele seja usado como suporte de confiança no crédito.
Conclusão
A história da hipoteca mostra como o direito acompanha as transformações da economia. Se na Grécia e em Roma ela surgiu vinculada à terra, não deixou de dialogar com a lógica mais antiga de oferecer os bens mais preciosos — como cavalos — em garantia. Hoje, quando olhamos para navios e aeronaves, vemos a mesma racionalidade em funcionamento.
Assim, a hipoteca é um fio condutor histórico, ligando os cavalos da Antiguidade às aeronaves contemporâneas, sempre sustentando o crédito sobre os pilares mais sólidos da riqueza de cada época.
📚 Bibliografia
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Schulz, F. Classical Roman Law. Oxford, 1951.
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Arnoldo Wald, Direito Civil: Obrigações e Contratos.
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Comparato, Fábio Konder, Ensaios e pareceres de direito empresarial.
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