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quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Delaware, Oregon, Tabatinga e a Tagpeak: a evolução dos programas de fidelidade do detaxe à moeda privada

A ideia de que programas de fidelidade, cashback e milhas seriam uma forma de detaxe disfarçado ganha força quando observamos sua gênese histórica. A estratégia da Sears, nos Estados Unidos, e a popularização dos programas de milhagem pelas companhias aéreas criaram um mecanismo de devolução parcial do gasto ao consumidor, como se parte do tributo fosse reabsorvida em forma de pontos. Em países de alta carga tributária indireta, como o Brasil, isso se apresenta ainda mais evidente: o consumidor sente que está sendo “compensado” pelo imposto embutido na transação.

No entanto, essa explicação se mostra parcial quando analisamos territórios em que o tributo simplesmente não existe.

Delaware e Oregon: a prova negativa do detaxe

Nos Estados Unidos, Delaware e Oregon não possuem sales tax. Se programas de pontos e cashback fossem estritamente uma forma de devolução de imposto, seria lógico que nesses estados não houvesse pontuação. No entanto, cartões de crédito e programas de recompensas continuam operando normalmente, oferecendo milhas, pontos e cashback.

Isso demonstra que a fonte real dos programas de fidelidade não é apenas o imposto, mas também as taxas de intercâmbio cobradas dos lojistas (merchant fees), o spread financeiro e a engenharia bancária que sustenta a emissão de pontos como moeda privada, independente da base tributária.

Tabatinga: a Zona Franca como laboratório

Tabatinga, no Amazonas, dentro da Zona Franca, oferece outro exemplo de “prova negativa”. Ali, ICMS e ISSQN não incidem sobre o consumo local, desde que o produto seja adquirido para uso dentro da própria ZLC. Ainda assim, cartões de crédito e programas de fidelidade continuam premiando o consumo com pontos e milhas.

Mais uma vez, a lógica tributária não esgota a explicação: programas de fidelidade funcionam como transferência de parte do custo financeiro do lojista para o consumidor fiel, criando uma moeda paralela que independe do tributo.

A Tagpeak: a fase madura da moeda de fidelidade

Plataformas como a Tagpeak representam a evolução natural desse modelo:

  1. Transformação do simbólico em real: pontos e milhas se tornam ativos digitais negociáveis, desvinculados de qualquer tributação.

  2. Mercado próprio de ativos de consumo: os pontos funcionam como moeda paralela, capaz de circular, ser trocada ou valorizada.

  3. Independência tributária: mesmo em estados ou territórios sem impostos, os ativos mantêm valor, evidenciando sua autonomia.

Essa trajetória pode ser resumida assim:

  • Sears e cashback inicial (anos 80) → devolução parcial de imposto; moeda privada simbólica.

  • Cartões e milhagem aérea (anos 90–2000) → moeda privada emergente, circulação parcial.

  • Tagpeak (2020s) → ativos digitais fiduciários, negociáveis, plenamente independentes.

Moeda fiduciária e não-estatal: Hayek em prática

Aqui entra a conexão com Friedrich Hayek e sua tese da desestatização do dinheiro. Segundo Hayek:

  • O dinheiro não precisa ser emitido pelo Estado para funcionar como meio de troca, unidade de conta e reserva de valor.

  • O que importa é a confiança coletiva e a aceitação do ativo.

As plataformas de fidelidade, especialmente Tagpeak, demonstram isso na prática:

  1. Fiduciária: seu valor depende da confiança na plataforma, não de lastro físico ou tributo.

  2. Não-estatal: emitida e gerida por entidades privadas, sem intervenção governamental direta.

  3. Portabilidade e circulação autônoma: ativos digitais circulam independentemente de fronteiras ou impostos, criando um mercado paralelo sustentável.

Em termos históricos, podemos visualizar a linha de evolução:

  • Sears e cashback inicial → moeda privada limitada.

  • Cartões e milhagem aérea → moeda privada emergente, parcialmente simbólica.

  • Tagpeak e ativos digitais → moeda fiduciária e não-estatal plenamente funcional.

Conclusão

Delaware, Oregon e Tabatinga são provas negativas da tese de que cashback e milhas seriam apenas detaxe disfarçado. A Tagpeak mostra que o modelo evoluiu: a fidelidade não é mais compensação fiscal, mas moeda privada fiduciária, integrando-se a uma economia de ativos digitais.

O consumidor, antes limitado à sensação de ganho simbólico, agora acessa um ativo real, negociável e independente, revelando a maturidade de um conceito que começou como devolução parcial de imposto e hoje se consolida como capital digital.

Bibliografia

  • BREALEY, Richard A.; MYERS, Stewart C.; ALLEN, Franklin. Principles of Corporate Finance. McGraw-Hill, 2020.

  • EVANS, David S.; SCHMALENSEE, Richard. Paying with Plastic: The Digital Revolution in Buying and Borrowing. MIT Press, 2005.

  • HAYEK, Friedrich A. Denationalisation of Money: The Argument Refined. Institute of Economic Affairs, 1976.

  • OLEGARIO, Rowena. A Culture of Credit: Embedding Trust and Transparency in American Business. Harvard University Press, 2006.

  • REICHHELD, Frederick F. The Loyalty Effect: The Hidden Force Behind Growth, Profits, and Lasting Value. Harvard Business School Press, 1996.

  • SILVEIRA, Fernando Antônio Rezende. Zona Franca de Manaus: Impactos Econômicos e Desafios. IPEA, Texto para Discussão nº 1743, 2012.

  • TILLY, Chris. “The Sears Credit System and the Transformation of Consumer Credit in the Twentieth Century.” Business History Review, vol. 85, n. 4, 2011.

  • U.S. Department of Commerce. Sales Tax Rates by State 2024. Washington, DC.

  • ZONA FRANCA DE MANAUS. Legislação Básica da Suframa. Disponível em: http://www.suframa.gov.br

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