Pesquisar este blog

terça-feira, 9 de setembro de 2025

A CRCC como braço operacional da Nova Rota da Seda

Introdução

A China Railway Construction Co., Ltd. (CRCC) é uma das maiores empresas de engenharia do mundo e representa, ao lado de outras estatais chinesas, um pilar fundamental da estratégia global da China conhecida como Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative – BRI). Enquanto bancos e fundos chineses garantem o financiamento, a CRCC é chamada a executar a dimensão material da estratégia: construir ferrovias, rodovias, portos e metrôs que conectam continentes inteiros.

No Brasil, ainda que o país não tenha aderido oficialmente à iniciativa, a presença da CRCC indica o interesse chinês em transformar o território nacional em ponto estratégico da integração logística global.

1. Origens e consolidação da CRCC

A CRCC nasceu nos anos 1940 como braço de engenharia do Exército Popular de Libertação, responsável por erguer as primeiras linhas férreas estratégicas da República Popular da China.

Com o avanço das reformas econômicas de Deng Xiaoping, a empresa ganhou autonomia e, em 2008, tornou-se uma corporação de capital aberto, listada em Xangai e Hong Kong.

Hoje, atua em mais de 90 países e regiões, sendo reconhecida pelo ENR (Engineering News-Record) como uma das líderes mundiais em obras de infraestrutura pesada.

2. A Nova Rota da Seda: uma estratégia global

Lançada em 2013, a BRI é mais que um projeto econômico: é um redesenho geopolítico que busca reposicionar a China como centro das rotas comerciais globais.

O plano se desdobra em corredores econômicos e logísticos que atravessam Ásia, África, Europa e chegam também à América Latina.

  • O cérebro financeiro: instituições como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) e o China Development Bank.

  • O braço construtor: empresas como a CRCC, a CREC e a CCCC.

Neste arranjo, a CRCC é um dos instrumentos de concretização física da estratégia: onde a BRI se instala, sua presença é quase certa.

3. A CRCC como braço operacional da BRI

A atuação internacional da CRCC se alinha diretamente às prioridades da BRI:

  • Capilaridade: presença em projetos que vão de metrôs em Meca e Riad, a ferrovias em Angola, Etiópia e Nigéria.

  • Integração logística: participação em corredores econômicos que ligam a China ao Paquistão, à África Oriental e, potencialmente, à América Latina.

  • Soft power em concreto e aço: cada contrato é mais que uma obra; é um instrumento de influência chinesa sobre mercados e governos.

Em suma, a CRCC não apenas constrói infraestrutura, mas pavimenta a inserção global da China.

4. O Brasil no horizonte da CRCC

No Brasil, a CRCC tem atuado de forma estratégica:

  • Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL): interesse em concessões.

  • Ferrogrão (MT–PA): projeto essencial para escoamento da soja e do milho pelo Arco Norte.

  • Alta Velocidade (TAV Rio–SP–Campinas): envolvimento nas consultas técnicas do projeto, que acabou suspenso.

  • Parcerias em rodovias e portos: presença em leilões e estudos de viabilidade.

Ainda que o Brasil não seja membro formal da BRI, a atuação da CRCC mostra que a China enxerga o país como hub logístico no Atlântico Sul, crucial para conectar a produção agropecuária e mineral ao mercado chinês.

Conclusão

A CRCC é mais do que uma empreiteira chinesa: é um braço operacional da Nova Rota da Seda, responsável por transformar financiamentos em obras concretas, e planos geopolíticos em corredores logísticos.

No Brasil, sua presença indica que, mesmo sem adesão formal à BRI, o país já está sendo integrado à estratégia chinesa. Ferrovias, portos e rodovias tornam-se peças de um tabuleiro maior, onde a China busca consolidar seu papel como centro da economia mundial.

Assim, compreender a atuação da CRCC no Brasil é compreender como a infraestrutura local está sendo costurada ao projeto global chinês, num movimento que combina economia, geopolítica e poder.

Bibliografia

Referências internacionais

  • ALDEN, Chris; ALVES, Ana Cristina. China and Africa’s Development: Partnership or Rivalry? Zed Books, 2017.

  • CALLAHAN, William A. China Dreams: 20 Visions of the Future. Oxford University Press, 2013.

  • FALLON, Theresa. "The New Silk Road: Xi Jinping's Grand Strategy for Eurasia." American Foreign Policy Interests, v. 37, n. 3, 2015.

  • FERCHEN, Matt. "China, Latin America, and the Limits of Trans-Pacific Integration." Carnegie-Tsinghua Center for Global Policy, 2018.

  • HSU, Sara. China’s One Belt One Road Initiative. Routledge, 2017.

  • LE CORRE, Philippe; SEPULCHRE, Alain. China’s Offensive in Europe. Brookings Institution Press, 2016.

  • LIU, Wei. The Belt and Road Initiative: A Chinese World Order. China International Press, 2019.

  • NAKANO, Jane. "China’s Belt and Road in Latin America: Infrastructure, Energy, and Influence." Center for Strategic and International Studies (CSIS), 2020.

  • ROLLAND, Nadège. China’s Eurasian Century? Political and Strategic Implications of the Belt and Road Initiative. National Bureau of Asian Research, 2017.

  • WANG, Yiwei. The Belt and Road Initiative: What Will China Offer the World in Its Rise. New World Press, 2016.

Referências em português

  • ALVES, Ana Cristina. A Parceria Estratégica Brasil-China: desafios e perspectivas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2013.

  • CARDOSO, Danielly Ramos Becard. A política externa da China e a América Latina: o Brasil e o México na estratégia chinesa. Brasília: FUNAG, 2010.

  • CEBC (Conselho Empresarial Brasil-China). Belt and Road Initiative e o Brasil: oportunidades e desafios. Relatório Especial, 2019.

  • COSTA, Samir; IGLESIAS, Roberto (orgs.). China e América Latina: a construção de uma nova relação. Rio de Janeiro: IPEA, 2019.

  • FGV Energia. Infraestrutura e investimentos chineses no Brasil: perspectivas para a próxima década. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2020.

  • IPEA. Presença chinesa na infraestrutura da América Latina e Caribe. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Texto para Discussão nº 2524, 2020.

  • LEÃO, Rodrigo P. O papel da China na infraestrutura latino-americana: impactos para o Brasil. Brasília: IPEA, 2021.

  • PECEQUILO, Cristina Soreanu. China e Brasil: cooperação Sul-Sul e os novos rumos da ordem internacional. São Paulo: Editora Unesp, 2020.

  • SEVA, José Luís Fiori (org.). O poder global e a nova geopolítica das nações. São Paulo: Boitempo, 2007.

  • VEIGA, Pedro da Motta; RIOS, Sandra Polónia. O Brasil, a China e a América Latina: desafios de uma integração assimétrica. Rio de Janeiro: CINDES, 2015.

Nenhum comentário:

Postar um comentário