O nacionalismo, fundado no senso sistemático de tratar o país como se fosse uma religião — onde tudo está subordinado ao Estado e nada pode existir fora dele ou contra ele — é, em sua essência, um socialismo de nação. Como disse um bom português, trata-se de um sucialismo: quem se contamina nessas impurezas do branco assimila a ingaia ciência¹, expressão utilizada por Carlos Drummond de Andrade para designar o caráter ilusório e enganoso de uma ciência que se divorcia da verdade.
Essa “ingaia ciência” não se limita à política: estende-se também ao campo da ciência natural, quando esta é instrumentalizada por ideologias. Jürgen Habermas² já advertira que ciência e técnica, longe de se manterem neutras, frequentemente se colocam a serviço de interesses de poder. A ingaia ciência política é apenas um dos braços dessa falsa ciência erigida para o controle das massas — algo que se evidenciou de modo particularmente agudo durante a pandemia de COVID-19³, quando discursos científicos se tornaram, muitas vezes, instrumentos de legitimação política.
René Guénon⁴ já denunciava, em A Crise do Mundo Moderno, que o mundo contemporâneo vive sob o signo do simulacro, onde conveniências e aparências substituem a verdade. Benedict Anderson⁵ mostrou, em Comunidades Imaginadas, como a nação é um constructo social, fabricado e sustentado por símbolos e narrativas. Eric Hobsbawm⁶, por sua vez, demonstrou que muitas tradições nacionais foram inventadas para dar legitimidade a projetos políticos e sociais.
O nacionalismo, portanto, não é senão a confluência desses fenômenos: tradição inventada, imaginário fabricado e ciência instrumentalizada. Enquanto o homem se submeter a essas concepções, jamais alcançará a verdade — fundamento da liberdade. Preservará apenas o que é conveniente, dissociado da realidade, até que tudo se torne vazio aos olhos de Deus.
Notas
-
Carlos Drummond de Andrade usa “ingaia ciência” como ironia à ciência que, longe de esclarecer, mascara a realidade.
-
Jürgen Habermas, em Técnica e Ciência como Ideologia (1968), mostra como ciência e técnica podem ser capturadas por sistemas de poder e ideologia.
-
A pandemia de COVID-19 revelou de maneira clara a instrumentalização de discursos científicos e estatísticos para legitimar medidas políticas.
-
René Guénon, em A Crise do Mundo Moderno, denuncia a perda da verdade metafísica e a hegemonia do simulacro.
-
Benedict Anderson, em Comunidades Imaginadas, argumenta que a nação é uma construção imaginária, sustentada por símbolos e narrativas coletivas.
-
Eric Hobsbawm e Terence Ranger, em A Invenção das Tradições, demonstram como tradições nacionais foram criadas artificialmente para sustentar projetos de poder.
Bibliografia
-
ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
-
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Poesia Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002.
-
GUÉNON, René. A Crise do Mundo Moderno. São Paulo: Pensamento, 2001.
-
HABERMAS, Jürgen. Técnica e Ciência como Ideologia. Lisboa: Edições 70, 1997.
-
HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (orgs.). A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
Nenhum comentário:
Postar um comentário