Há momentos em nossa vida em que três experiências isoladas, quando vistas em perspectiva, revelam-se pontos de uma mesma figura. É o caso das circunstâncias que vivi em 2007, 2012 e 2025, cada uma envolvendo pessoas distintas, mas todas com um traço comum: a tentativa de me medir pela régua do outro.
Em 2007, um amigo, sem conhecer minha realidade, sugeriu-me que assumisse compromissos que não poderia sustentar. Segui seu conselho e paguei caro, pois percebi tarde demais que ele projetara em mim a sua própria capacidade. Já em 2012, no convívio com uma namorada, deparei-me com a insistência em opinar sobre o que eu dizia sem ter estudado as bases que sustentavam minha fala. Como discípulo do professor Olavo de Carvalho, sei o quanto cada palavra exige anos de preparo; ela, contudo, falava pelo gosto de opinar. E, mais recentemente, em 2024–2025, reencontrei uma antiga colega que, ao retomar contato, passou a me avaliar pelo padrão de vida do marido e pela régua europeia que lhe era familiar — mas nunca pela verdade da minha realidade.
Três tempos distintos, três pessoas diferentes, três circunstâncias sem relação direta entre si. Geometricamente, isso forma um triângulo escaleno: três lados desiguais, unidos apenas pelo fato de se encontrarem. E, no entanto, há um traço comum que os une mais do que parece: o hábito de conservar o que é conveniente, ainda que dissociado da verdade.
É aqui que se revela o perigo do conservantismo entendido como apego cego ao que é estável ou cômodo. O que nasce como triângulo escaleno, cheio de assimetrias e singularidades, é magicamente forçado a parecer equilátero. O erro, a opinião e a régua pessoal são colocados em pé de igualdade com a verdade, e assim se apaga a diferença entre o que deve ser preservado e o que deve ser descartado. O triângulo desigual é falsificado em símbolo de harmonia perfeita.
Não é à toa que este símbolo — o triângulo equilátero, de inspiração maçônica — foi incorporado à iconografia de Minas Gerais e, por extensão, ao imaginário nacional. Ele representa não a verdadeira ordem, mas uma simulação dela; não a liberdade, mas sua caricatura. A estrada que dele nasce é como um caminho andino: bela na paisagem, mas sem destino, sem chegada, sem finalidade.
O Brasil e a ilusão do equilátero
Essa tendência não é apenas pessoal: ela se projeta sobre a vida política, cultural e social do Brasil. O hábito de medir os outros pela própria régua — seja a régua do político, do burocrata, do magistrado ou do acadêmico — produziu um país onde a desigualdade real de situações e talentos é mascarada por discursos igualitaristas. O mesmo vício que encontrei em amigos e colegas é reproduzido em escala nacional: cada um tenta conservar o que lhe é conveniente, mesmo que isso sacrifique a verdade.
A política brasileira vive dessa simulação. Conservam-se privilégios sob o rótulo de “direitos adquiridos”, mantém-se um sistema judiciário emperrado sob o manto de “garantias”, preservam-se estruturas estatais obsoletas como se fossem “patrimônio nacional”. Tudo é escaleno, tudo é desigual, mas o discurso oficial transforma o caos em suposto equilátero, como se a nação fosse ordenada e harmônica.
Na cultura, o fenômeno não é diferente. As universidades repetem fórmulas ideológicas para manter a aparência de erudição, sem jamais se submeterem ao teste da verdade. Na mídia, opiniões são travestidas de fatos, e o imediatismo substitui o estudo sério e paciente. Na sociedade civil, conserva-se o hábito de reclamar e criticar, mas sem responsabilidade de transformar. Tudo isso forma o mesmo triângulo da estupidez: conservar o que é conveniente, ainda que falso, e desprezar a verdade porque ela exige esforço, dor e desigualdade.
O caminho da liberdade verdadeira
O resultado é um país aprisionado em símbolos vazios. A liberdade, proclamada em hinos e bandeiras, torna-se apenas uma promessa ilusória. A estrada da independência não conduz ao destino, mas serpenteia sem rumo, como um trilho abandonado nos Andes.
Romper esse ciclo exige coragem para afirmar que nem tudo é igual, que nem todos podem ser medidos pela mesma régua, que nem toda tradição deve ser conservada. A verdadeira liberdade só se ergue sobre a verdade — e a verdade, muitas vezes, é escalena, desigual, incômoda.
A tarefa, portanto, é rejeitar o falso equilátero e assumir o peso do escaleno: reconhecer que cada circunstância exige estudo, cada pessoa exige julgamento singular, cada decisão exige responsabilidade própria. Só assim poderemos resgatar o Brasil da ilusão que o paralisa e abrir, enfim, uma estrada que leve a algum lugar.
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