Resumo:
O presente artigo analisa a classificação de bens imóveis urbanos abandonados como res derelictae, enquadrando-os na categoria de bens públicos dominicais municipais. A partir da doutrina e da jurisprudência, discute-se a função social desses bens, a vedação constitucional à usucapião e as implicações práticas dessa classificação no contexto brasileiro.
1. Introdução
No Direito Administrativo brasileiro, os bens públicos são classificados conforme sua destinação e uso. Entre essas categorias, destacam-se os bens dominicais, que pertencem ao Estado sem uma destinação pública específica. Este artigo explora a aplicação dessa classificação a bens imóveis urbanos abandonados, conhecidos como res derelictae, e analisa as implicações jurídicas e sociais dessa abordagem.
2. Bens Públicos Dominicais: Conceito e Classificação
O Código Civil de 1916 estabelecia três categorias de bens públicos: de uso comum do povo, de uso especial e dominicais. Essa classificação foi mantida pelo Código Civil de 2002, que, em seu artigo 99, §3º, define os bens dominicais como aqueles pertencentes ao Estado sem destinação específica, podendo ser utilizados ou alienados conforme o interesse público.
No contexto municipal urbano, bens imóveis abandonados podem ser classificados como res derelictae, ou seja, coisas abandonadas pelo proprietário, sem dono conhecido, suscetíveis de apropriação por quem delas tomar posse. Essa classificação implica que tais bens são considerados de propriedade do Estado, mas sem uma destinação pública específica, enquadrando-se na categoria de bens dominicais municipais.
3. Função social dos bens públicos dominicais
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXIII, estabelece que a propriedade atenderá à sua função social. Essa diretriz aplica-se também aos bens públicos dominicais, que devem ser utilizados de forma a promover o bem-estar coletivo e o interesse público.
No caso das res derelictae, a função social pode ser atendida por meio da ocupação e utilização desses bens para fins habitacionais, culturais ou comunitários, desde que observadas as normas legais e respeitados os direitos fundamentais.
4. Vedação à usucapião de bens públicos
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 183, §3º, e artigo 191, parágrafo único, veda expressamente a usucapião de bens públicos. Essa vedação visa proteger o patrimônio público e garantir que os bens públicos sejam utilizados conforme sua destinação e interesse coletivo.
No entanto, a doutrina e a jurisprudência divergem quanto à aplicação dessa vedação aos bens dominicais. Alguns juristas defendem que, por não estarem afetados a uma finalidade pública específica, os bens dominicais poderiam ser sujeitos à usucapião, desde que atendida a função social da propriedade.
5. Prática Administrativa e Desafetação de Bens Públicos
A administração pública, ao identificar bens públicos dominicais sem utilização específica, pode promover sua desafetação, ou seja, retirar a destinação pública anterior, permitindo sua alienação ou utilização para outros fins. No caso das res derelictae, a desafetação pode ser realizada por meio de edital público, visando à regularização fundiária e à promoção do interesse social.
Entretanto, a prática administrativa no Brasil enfrenta desafios relacionados à burocracia, corrupção e falta de transparência, o que pode comprometer a efetividade dessas ações e resultar em disputas fundiárias e injustiças sociais.
6. Jurisprudência Relevante
A jurisprudência brasileira tem se posicionado no sentido de que é possível o manejo de interditos possessórios em litígios entre particulares sobre bens públicos dominicais, desde que a ocupação atenda à função social da propriedade. O Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a possibilidade de posse sobre bens públicos dominicais quando a disputa ocorre entre particulares, considerando a função social da propriedade como critério para a solução dos conflitos possessórios.
7. Conclusão
A classificação de bens imóveis urbanos abandonados como res derelictae e sua inclusão na categoria de bens públicos dominicais municipais oferece uma abordagem teórica para a gestão e utilização desses bens, visando atender à função social da propriedade. Contudo, a efetividade dessa abordagem depende da atuação transparente e eficiente da administração pública, que deve garantir que a utilização desses bens promova o interesse coletivo e respeite os direitos fundamentais.
Referências Bibliográficas:
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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.
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PEREIRA, Maria Chaves Lobo; AZEVEDO, Thiago Augusto Galeão de. "A impossibilidade de usucapião em bem público como obstáculo jurídico para garantia da dignidade de sujeitos marginalizados". Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 10, n. 1, jan. 2024.
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