O Japão é hoje um dos países mais rigorosos do mundo no que se refere à proteção de direitos autorais. No entanto, a evolução histórica de sua legislação criou situações peculiares que podem ser interpretadas como verdadeiras brechas legais, especialmente no caso de autores que faleceram antes de 1970. Para a comunidade brasileira residente no arquipélago, esse detalhe pode representar uma oportunidade cultural e editorial única.
1. A lei antiga: vida + 30 anos
Antes da reforma de 1970, a legislação japonesa garantia proteção de apenas 30 anos após a morte do autor.
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Quem faleceu antes de 1970, como o filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos (†1968), teve suas obras enquadradas nesse regime.
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Resultado: seus escritos permaneceram protegidos até 31/12/1998, entrando em domínio público no Japão em 01/01/1999.
Essa particularidade não foi alterada pelas reformas posteriores (1970, 2004, 2018), que ampliaram o prazo de proteção para 50 anos e depois para 70 anos. Isso porque as mudanças só se aplicaram a autores que ainda tinham obras protegidas no momento da reforma.
2. A situação no Brasil e no mundo
No Brasil, Mário Ferreira dos Santos continua protegido até 31/12/2038 (vida + 70).
Na União Europeia e nos EUA, a regra também é vida + 70, o que leva a mesma data de 2038.
Mas no Japão, por conta da regra antiga, suas obras estão livres há mais de duas décadas.
Essa discrepância cria uma assimetria jurídica internacional: um livro que não pode ser livremente editado no Brasil pode ser impresso sem nenhuma restrição em Tóquio ou Nagóia.
3. Oportunidades para os brasileiros no Japão
A comunidade brasileira no Japão é hoje uma das maiores diásporas do país, com cerca de 200 a 220 mil pessoas. Muitas delas mantêm vivo o vínculo cultural com a língua portuguesa, mas ao mesmo tempo estão inseridas em um ambiente editorial japonês altamente dinâmico.
Nesse contexto, o domínio público de autores brasileiros como Mário Ferreira dos Santos abre espaço para:
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Edições em português para a comunidade local: impressões econômicas, acessíveis a trabalhadores brasileiros residentes, preservando a cultura e a filosofia de língua portuguesa.
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Traduções para o japonês: projetos de aproximação cultural, levando ao público japonês a riqueza do pensamento filosófico brasileiro.
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Edições bilíngues (português–japonês): ideais para estudantes e pesquisadores que transitam entre os dois idiomas.
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Publicações digitais: e-books, audiobooks e sites dedicados ao filósofo, sem qualquer custo com direitos autorais.
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Projetos acadêmicos: universidades japonesas podem promover estudos e traduções sem entraves jurídicos.
4. Direitos morais: o limite da liberdade
É importante destacar que, embora os direitos patrimoniais tenham expirado, os direitos morais permanecem válidos. Isso significa que:
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O nome do autor deve ser sempre mencionado.
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A obra não pode ser distorcida ou adulterada de forma a desrespeitar sua integridade intelectual.
Assim, a liberdade de edição não é absoluta: ela precisa ser acompanhada de respeito ao legado do autor.
5. Um caminho para a difusão cultural
O caso de Mário Ferreira dos Santos mostra como o sistema japonês de direitos autorais pode se transformar em uma ponte cultural para os brasileiros no Japão. Através dessa brecha legal, é possível criar um movimento editorial capaz de preservar e difundir o pensamento filosófico brasileiro não apenas entre os imigrantes, mas também entre os próprios japoneses.
Mais do que uma oportunidade jurídica, trata-se de uma ocasião histórica para colocar o Brasil em diálogo intelectual com o Japão, fortalecendo laços culturais entre as duas nações.
Conclusão
A brecha legal no sistema de direitos autorais japonês é um convite para a comunidade brasileira no arquipélago. Ela permite que autores ainda protegidos no Brasil sejam livremente publicados no Japão, abrindo caminhos para projetos editoriais inovadores.
No caso de Mário Ferreira dos Santos, essa oportunidade já está posta há mais de vinte anos, e cabe agora aos brasileiros no Japão decidir se irão transformar essa condição legal em um instrumento de difusão cultural e filosófica de grande alcance.
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