A eleição presidencial de 1989 permanece como um dos episódios mais reveladores da estrutura real de poder no Brasil. Muito além da disputa entre Collor, Lula e Brizola, aquele momento histórico expôs a fragilidade da democracia brasileira diante de uma liderança autêntica e popular, capaz de mobilizar milhões sem depender do establishment político. Silvio Santos, ao lançar sua candidatura pela extinta legenda do PMB, apresentou-se como o único outsider genuíno com meios de ação suficientes para vencer no primeiro turno — justamente por isso, foi impedido de concorrer. O caso se tornou um paradigma ignorado, cujo eco ressoou décadas depois na trajetória de Jair Bolsonaro.
1. Liderança Autêntica e os meios de sção segundo Olavo de Carvalho
Olavo de Carvalho descrevia liderança autêntica como a união de três elementos:
-
Autoridade pessoal e moral construída ao longo de uma vida real;
-
Comunicação direta com o povo, sem intermediação burocrática;
-
Capacidade de ação independente, isto é, meios financeiros, simbólicos e institucionais para enfrentar a elite política.
Silvio Santos, em 1989, preenchia esses requisitos com precisão rara:
-
Era, de longe, a figura mais querida do país.
-
Tinha o SBT como plataforma de comunicação diária, algo nunca visto em uma campanha.
-
Era financeiramente independente, imune às chantagens do sistema partidário.
Reunidos, esses elementos criaram uma condição política explosiva: Silvio Santos cresceu vertiginosamente e ultrapassou Brizola em poucos dias, alterando por completo o equilíbrio eleitoral.
Sua liderança não dependia de acordos, coligações ou marketing. Era carismática, enraizada na experiência nacional e no imaginário popular. E isso representava uma ameaça mortal às estruturas de poder.
2. A reação do sistema: A candidatura inviabilizada
A ascensão meteórica de Silvio Santos provocou pânico na classe política. Em questão de dias, abriu-se uma frente judicial e burocrática destinada a inviabilizar sua participação. O TSE anulou a candidatura sob alegações formais relacionadas ao registro do partido que o apoiaria; contudo, mesmo à época, juristas e analistas políticos reconheceram que a decisão teve forte motivação política.
Não por acaso: se Silvio Santos participasse, venceria no primeiro turno com ampla vantagem, algo confirmado por pesquisas e análises posteriores.
O sistema político viu nele um risco inaceitável: um presidente com legitimidade popular, meios próprios de comunicação e independência econômica poderia deslocar o eixo de poder que caracterizava a política brasileira desde o regime militar.
O veto a Silvio Santos foi, na prática, o veto à possibilidade de uma liderança fora dos limites da velha ordem.
3. O precedente ignorado e o paralelo com Bolsonaro
Três décadas depois, a ascensão de Jair Bolsonaro reproduziu, em chave diferente, elementos centrais da candidatura de Silvio:
-
liderança carismática conectada ao povo;
-
comunicação direta (desta vez pelas redes sociais);
-
rejeição popular ao establishment;
-
independência parcial em relação à estrutura tradicional de poder.
No entanto, um erro crucial permaneceu: não se reconheceu que o sistema brasileiro reage de modo automático a qualquer liderança que não controle os meios de ação necessários para se defender.
Bolsonaro tinha legitimidade eleitoral, mas não possuía:
-
meios institucionais de comunicação;
-
base cultural consistente;
-
rede de proteção burocrática;
-
independência financeira ou jurídica comparável à de Silvio.
Assim como em 1989, a elite político-institucional atuou de forma coordenada — desta vez de modo ainda mais explícito — para neutralizar o outsider.
A lógica é a mesma: quando o povo tenta escolher alguém de fora, o sistema responde não com argumentos, mas com mecanismos de impedimento.
4. O mecanismo estrutural: como o Brasil impede outsiders autênticos
Do episódio Silvio Santos até a era Bolsonaro, emerge um padrão nítido:
-
Liderança popular e autêntica surge espontaneamente;
-
A elite burocrática reage com desespero, mobilizando Judiciário, mídia e partidos;
-
O sistema cria obstáculos formais, que disfarçam a motivação real;
-
O outsider é derrotado ou impedido, antes que possa consolidar poder.
O problema não está na qualidade dos líderes, mas no desenho institucional brasileiro, que não tolera independência.
A elite nacional não admite ser governada por alguém que não deva favores a ela.
5. A lição não aprendida
A lição de 1989 é clara: a democracia brasileira possui limites invisíveis, que se tornam visíveis apenas quando alguém tenta ultrapassá-los.
As candidaturas de Silvio Santos e Jair Bolsonaro mostram que:
-
popularidade não basta;
-
legitimidade eleitoral não basta;
-
apoio espontâneo das massas não basta.
Sem meios de ação concretos — comunicação, recursos, base cultural, proteção institucional — a liderança autêntica é devorada pelo sistema.
E essa lição, infelizmente, continua não sendo aprendida.
6. O significado histórico
Silvio Santos representou, possivelmente, a última grande oportunidade pré-internet de um realinhamento político popular no Brasil. Bolsonaro representou a primeira tentativa pós-internet.
Ambos foram tratados pelo establishment como intrusos.
Ambos foram combatidos com intensidade desproporcional.
Ambos revelaram o verdadeiro alcance e os limites da democracia brasileira.
A história não se repetiu — ela foi ignorada e, por isso, reencenada.
Bibliografia Comentada
1. CARVALHO, Olavo de. O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota.
Record, 2013.
Este livro reúne artigos fundamentais onde Olavo desenvolve sua crítica ao sistema político brasileiro, à elite burocrática e à desinformação produzida pela mídia. Embora não trate diretamente de Silvio Santos, oferece a base teórica necessária para entender o que ele chamaria de “liderança autêntica” e dos “meios de ação”.
É indispensável para compreender como uma liderança genuína conflitua com o sistema.
Contribuição para o artigo: Fornece o referencial conceitual para compreender por que Silvio Santos (1989) e Bolsonaro (2018) foram considerados ameaças estruturais ao establishment.
2. CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições.
Vide Editorial, edição revisada.
Neste livro, Olavo discute como a política moderna é essencialmente administrada por técnicos, burocratas e elites artificiais. Ajuda a entender a natureza do poder que impediu Silvio Santos de concorrer e que se mobilizou contra Bolsonaro.
Contribuição para o artigo: A crítica ao “império das castas burocráticas” ilumina o funcionamento do TSE e de outras instituições que criam vetos invisíveis na democracia brasileira.
3. CARVALHO, Olavo de. A Nova Era e a Revolução Cultural.
Vide Editorial.
Aqui Olavo descreve a transformação cultural como eixo principal da política contemporânea. Embora não trate de eleições diretamente, mostra como o imaginário cultural molda o que o sistema aceita ou rejeita.
Contribuição: Explica por que líderes populares não alinhados ao imaginário dominante (Silvio e Bolsonaro) sofrem resistência desproporcional.
4. NOVAES, Marco Antonio. Uma História das Eleições no Brasil.
Companhia das Letras, 2018.
Embora seja uma obra acadêmica, Novaes apresenta uma análise sólida sobre as eleições brasileiras, seus sistemas e problemas estruturais. O capítulo sobre 1989 é útil para entender o contexto institucional da época.
Contribuição: Fornece base histórica sobre o processo eleitoral de 1989, permitindo cruzar dados com a análise olaviana.
5. LAMOUNIER, Bolívar. A Democracia no Brasil: Dilemas e Perspectivas.
Companhia das Letras.
Lamounier descreve as fragilidades institucionais do sistema democrático brasileiro, com ênfase em como o Judiciário, mídia e partidos formam um “complexo” de poder.
Contribuição: Ajuda a compreender por que a candidatura de Silvio Santos foi percebida como ameaça e por que o sistema reagiu.
6. MATTOS, Ilimar Franco. 1989: A Eleição que Mudou o Brasil.
Record, 2009.
Obra jornalística, mas de enorme utilidade. Relata os movimentos das campanhas de Collor, Brizola, Lula e, brevemente, o fenômeno Silvio Santos. Embora trate Silvio rapidamente, ajuda a reconstruir o ambiente político e midiático.
Contribuição: Permite reconstruir a atmosfera de medo, surpresa e reação quando Silvio Santos ultrapassou Brizola e ameaçou a eleição.
7. FRANCO, Afonso. Silvio Santos: A Biografia.
Primeira Pessoa, 2010.
Biografia útil para entender o estilo de liderança de Silvio, sua relação com o público, sua trajetória empresarial e seu entendimento de si mesmo como figura pública. Embora não seja focada na política, há trechos sobre 1989.
Contribuição: Fundamenta a ideia de liderança autêntica — a imagem de Silvio como trabalhador, empreendedor e comunicador de massas.
8. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional.
Saraiva.
Não é um livro sobre eleições, mas a parte sobre o TSE, competências constitucionais e estrutura do processo eleitoral é essencial para interpretar juridicamente por que a candidatura de Silvio foi barrada.
Contribuição: Oferece base institucional para compreender os limites e os amplos poderes do TSE — elemento crucial na análise.
9. MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. A Segunda Guerra Fria.
Civilização Brasileira.
Embora seja um panorama geopolítico, Moniz Bandeira mostra como elites burocráticas e o establishment global reagem a outsiders políticos. Serve como pano de fundo para entender reações semelhantes no Brasil.
Contribuição: Enquadra o fenômeno Bolsonaro em um cenário mais amplo de reações globais a lideranças anti-establishment.
10. WEFFORT, Francisco. Por Que Democracia?
Editora Ática.
Weffort analisa o dilema entre democracia formal e democracia real — tema fundamental para entender por que uma democracia pode barrar candidatos populares.
Contribuição: Ajuda a interpretar como o sistema político pode ser formalmente democrático, mas materialmente controlado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário