Nas últimas semanas, começou a emergir com maior nitidez o enredo por trás da retirada da sanção Magnitsky que recaía sobre Alexandre de Moraes. Longe de ser um gesto casual ou resultado de avaliação jurídica imparcial, o episódio aponta para um elemento recorrente na política contemporânea: a força do lobby internacional quando apoiado por capital abundante, redes jurídicas transnacionais e interesses econômicos estratégicos.
O fator decisivo, ao que tudo indica, foi o lobby articulado por Joesley Batista. Não se trata aqui de mera especulação retórica, mas da observação de um padrão: quando grandes conglomerados econômicos, construídos à sombra do Estado, entram em ação, a vontade política até mesmo de chefes de Estado pode ser dobrada. Sobre a mesa de negociação repousam ofertas que dificilmente serão integralmente conhecidas pelo público. Ainda assim, o resultado final é visível: o lobby venceu.
O falso capitalismo como projeto político
Para compreender esse fenômeno, é indispensável analisar a origem do poder econômico dos irmãos Batista. A J&F, holding que controla dezenas de empresas — entre elas a JBS —, não é fruto de um capitalismo orgânico, concorrencial e fundado na livre iniciativa. Trata-se, antes, de um projeto típico do comunismo petista de inspiração chinesa: a criação de um “capitalismo de fachada”, sustentado por dinheiro estatal roubado, crédito subsidiado e proteção política.
Esse modelo consiste em utilizar recursos públicos desviados para criar empresas gigantes, com capital aberto na bolsa, que simulam capitalismo enquanto concentram poder econômico em estruturas controladas por sindicatos, fundos de pensão, fundações e grupos políticos. O mercado existe apenas como aparência; o risco é socializado, e o lucro, privatizado.
A gênese do sistema: corrupção municipal e lavagem de dinheiro
Antes mesmo de chegar ao Planalto, o PT já havia aperfeiçoado sua engenharia financeira por meio da corrupção em prefeituras conquistadas nos anos 1990. Falsas campanhas publicitárias, contratos inflados de coleta de lixo e obras superfaturadas eram mecanismos rotineiros de extração de recursos públicos. A diferença entre o serviço contratado e o efetivamente prestado era sistematicamente desviada.
Esse dinheiro abastecia o caixa partidário e era entregue semanalmente a figuras centrais do partido, exigindo, por sua vez, complexos esquemas de lavagem. Marcos Valério tornou-se o principal operador desse sistema, utilizando uma miríade de empresas de fachada, especialmente agências de publicidade, para mascarar a origem ilícita dos recursos.
Com a chegada de Lula à presidência, o esquema atingiu outra escala. O saque às estatais elevou o volume de recursos desviados de milhões para bilhões. O Mensalão não foi um acidente, mas a manifestação pública de um sistema já maduro.
Bancos, espionagem e traições
Após o escândalo do Mensalão, emergiram fissuras internas. Daniel Dantas, banqueiro do Opportunity e operador financeiro internacional do esquema, temendo ser descartado no projeto lulista de “campeões nacionais”, contratou uma agência de espionagem estrangeira para mapear contas secretas de Lula no exterior. Os dados publicados à época indicavam cifras bilionárias já em 2005.
A lavagem desses recursos envolvia redes mafiosas internacionais, com custos elevadíssimos, o que explica o interesse do governo petista em legalizar mecanismos como bingos e jogos de azar no Brasil. Parte do dinheiro retornava ao país por meio de bancos menores, sendo usada para comprar apoio parlamentar e moldar a legislação segundo os interesses do projeto de poder.
Ironicamente, Lula acabou traindo Daniel Dantas, expropriando a Brasil Telecom com recursos do BNDES e entregando o controle da empresa ao PSDB em um acordo político destinado a neutralizar qualquer tentativa de impeachment. O resultado foi a criação de um conglomerado ineficiente, marcado por má gestão e endividamento crônico.
O braço jurídico e o lobby nos Estados Unidos
O poder dos irmãos Batista não se limita à produção de carne. Seu verdadeiro diferencial está na estrutura jurídica e de lobby que construíram, especialmente nos Estados Unidos. Grandes bancas de advocacia que orbitam o Partido Republicano e figuras centrais do trumpismo passaram a prestar serviços diretos à JBS USA.
Advogados ligados à defesa pessoal de Donald Trump, ao Russiagate e a disputas estratégicas contra a mídia migraram para cargos de alto escalão no departamento jurídico da empresa. Escritórios especializados em litígios agressivos, bem como firmas de lobby com forte penetração no Congresso americano, passaram a atuar simultaneamente em defesa de interesses corporativos e na interlocução política com Washington.
Doações milionárias a comitês inaugurais, contratação de escritórios que também defendem aliados estratégicos do Partido Republicano e a presença de bancas globais como a Baker & McKenzie completam o quadro. Trata-se de um ecossistema jurídico-político voltado a neutralizar riscos regulatórios e influenciar decisões de alto nível — inclusive sanções internacionais.
Conclusão: poder sem legitimidade
O caso da retirada da sanção Magnitsky não deve ser analisado isoladamente. Ele é apenas mais um sintoma de um fenômeno mais profundo: a fusão entre corrupção estatal, falso capitalismo e lobby internacional. Quando fortunas construídas a partir do saque ao erário passam a financiar influência política em escala global, a ideia de soberania, justiça e direitos humanos torna-se maleável.
Resta, aos que ainda acreditam que a vida política deve estar submetida à verdade e à moral, reconhecer que o tempo histórico cobra seu preço. A vida passa rápido, e o que permanece é o juízo sobre o que foi feito com os talentos recebidos. Alguns acumulam poder, dinheiro e influência; outros, consciência. No fim, são contas diferentes — e não serão ajustadas no mesmo tribunal.
Bibliografia comentada
1. POWER, Timothy J.; ZUCCO JR., Cesar (orgs.).
O presidencialismo de coalizão revisitado. Rio de Janeiro: FGV, 2013.
Obra central para compreender o funcionamento estrutural do sistema político brasileiro no período pós-Constituição de 1988. Os autores analisam como a compra de apoio parlamentar, o loteamento do Estado e o uso de estatais e bancos públicos se tornaram mecanismos normais de governabilidade. É fundamental para contextualizar o Mensalão não como desvio pontual, mas como expressão de um sistema.
2. FAORO, Raymundo.
Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 5. ed. São Paulo: Globo, 2012.
Clássico indispensável. Faoro oferece a chave interpretativa do patrimonialismo brasileiro, permitindo compreender como elites políticas transformam o Estado em extensão de seus interesses privados. O livro ilumina a lógica de fundo do “capitalismo de compadrio” e dos “campeões nacionais”.
3. OLIVEIRA, Gesner; TUROLLA, Frederico.
Política econômica no Brasil: entre a ortodoxia e o desenvolvimentismo. São Paulo: Campus, 2003.
Ajuda a compreender a transição do discurso desenvolvimentista para a prática de subsídios massivos via BNDES, especialmente durante os governos petistas. Esclarece como o crédito estatal foi instrumentalizado para criar conglomerados supostamente nacionais, mas politicamente dependentes.
4. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
Ação Penal 470 – O caso Mensalão. Brasília, 2012.
Documentação oficial do maior escândalo de corrupção institucionalizada da história brasileira até então. Fundamenta juridicamente as descrições sobre compra de parlamentares, lavagem de dinheiro, uso de agências de publicidade como fachada e o papel central de operadores financeiros.
5. DALLAGNOL, Deltan.
A luta contra a corrupção: a Lava Jato e o futuro de um país marcado pela impunidade. Rio de Janeiro: Primeira Pessoa, 2017.
Relato interno da força-tarefa da Lava Jato. Embora não isento de controvérsias, o livro fornece dados, métodos e bastidores que ajudam a compreender a conexão entre estatais, grandes empresas, bancos públicos e partidos políticos — especialmente no caso da JBS.
6. PETRELLA, Ricardo.
O bem comum: elogio da solidariedade. Petrópolis: Vozes, 1997.
Embora de orientação ideológica distinta da crítica liberal-conservadora, a obra é útil para compreender a retórica do “bem comum” frequentemente usada para justificar a concentração de poder econômico e político. Ajuda a desmontar o discurso moralizante que encobre práticas de expropriação estatal.
7. UNITED STATES CONGRESS.
Global Magnitsky Human Rights Accountability Act. Public Law 114–328, 2016.
Texto legal fundamental para entender o alcance, os critérios e os objetivos das sanções Magnitsky. Permite avaliar juridicamente o peso político da retirada ou suspensão de sanções e a excepcionalidade desse tipo de decisão no cenário internacional.
8. ZANIN MARTINS, Cristiano; VALIM, Rafael; TEIXEIRA, Valeska.
Lawfare: uma introdução. São Paulo: Contracorrente, 2019.
Obra relevante para compreender como o conceito de lawfare passou a ser instrumentalizado politicamente. Embora escrita em defesa de atores ligados ao PT, é útil para análise crítica do uso seletivo do discurso jurídico como arma política.
9. KLEIN, Naomi.
A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo do desastre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
Contribui para a compreensão do modelo de capitalismo híbrido, no qual crises políticas e institucionais são exploradas para reorganizar poder econômico. Apesar de divergências ideológicas, o livro oferece ferramentas conceituais úteis para analisar a fusão entre Estado, grandes corporações e interesses transnacionais.
10. RELATÓRIOS DA SEC (U.S. Securities and Exchange Commission) – JBS S.A.
Documentos oficiais que detalham investigações, acordos, multas e compromissos assumidos pela JBS no âmbito internacional. São fontes primárias essenciais para qualquer análise séria sobre a atuação global da empresa, seu departamento jurídico e suas relações com o poder político.
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