Uma das lições mais duras que se extrai da experiência em ordens jurídicas onde os que são aqueles incumbidos de dizer o direito passam a conservar apenas o que lhes convém, aindo que dissociado da verdade, é que o cidadão se vê obrigado a adotar medidas adicionais para proteger seus próprios atos, já que a Constituição virou uma folha de pael. Este cenário, que revela não apenas uma crise de legalidade, mas sobretudo uma crise de autoridade moral do sistema, obriga a sociedade a reencontrar a verdade como fundamento da liberdade, nos méritos de Cristo.
1. A dissociação entre decisão e verdade
Quando a autoridade jurídica se afasta da verdade, duas consequências surgem imediatamente:
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A instabilidade da ordem jurídica, pois a previsibilidade das decisões deixa de estar fundada em princípios e passa a depender de conveniências políticas, pessoais ou corporativas.
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A transferência do ônus da prova ao cidadão, que precisa demonstrar continuamente que seus atos são lícitos, ainda que tais atos sejam, em si, expressão legítima de sua liberdade.
Essa dissociação entre decisão e verdade rompe aquilo que, nas tradições jurídicas clássicas, constituía o cerne da justiça: a conformidade do julgamento com o real.
2. O dever de documentar: uma medida de autodefesa justa
Diante desse quadro, surge a necessidade prática de documentar todos os atos públicos que precisam ser feitos, sobretudo atos de manifestação política, de reunião, de petição ou de participação em processos coletivos.
Documentar não é paranoia; é uma forma legítima de autodefesa jurídica. Ao registrar:
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horário,
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local,
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circunstâncias,
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finalidade,
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comportamento adotado,
o cidadão forma o que os juristas medievais chamariam de memoria iuris: uma narrativa ancorada nos fatos, capaz de resistir a distorções posteriores.
Esse cuidado se faz especialmente necessário quando existe o risco — cada vez mais comum — de que autoridades interpretem determinados comportamentos como “abuso do direito de manifestação”, mesmo quando inexistente qualquer desvio.
3. A verdade como guarda da liberdade
A documentação é importante não apenas como prova, mas como testemunho da verdade. Em ambientes onde o arbítrio se mascara de legalidade, a verdade só se sustenta quando alguém a preserva e registra.
A verdade, aqui, não é mero dado: é fundamento da liberdade por três razões:
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A verdade ordena a ação humana, permitindo que cada pessoa saiba quais são os limites e deveres objetivos.
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A verdade contém o arbítrio, pois impede que alguém invoque o direito apenas para conservar o que lhe convém.
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A verdade revela a injustiça, tornando evidente quando uma autoridade ultrapassa o poder que recebeu.
Por isso, o ato de documentar é um gesto de fidelidade à verdade — não para criar uma “versão” conveniente, mas para conservar o real contra possíveis adulterações.
4. Conclusão: um ato moral antes de ser jurídico
No fim das contas, documentar atos públicos não é apenas uma estratégia jurídica, mas um ato moral. É reconhecer que:
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a liberdade se mantém enquanto a verdade é preservada;
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a justiça depende do real, não da conveniência;
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e o cidadão, para permanecer livre, precisa ser fiel aos fatos que vive e aos deveres que cumpre.
Quando a autoridade perde o vínculo com a verdade, cabe ao homem honesto — nos méritos de Cristo — manter firme esse vínculo por meio de registros claros, íntegros e objetivos. Dessa forma, quando vier a acusação injusta, a verdade estará ali, documentada, para afastar qualquer alegação vazia.
A verdade permanece; e onde há verdade, há liberdade.
Bibliografia Comentada
1. Aristóteles – Ética a Nicômaco
Aristóteles define a justiça como conformidade com o real e com a ordem racional das coisas. Sua análise da prudência (phronesis) serve de base para a ideia de documentar atos como forma de garantir que as decisões futuras estejam ancoradas no que realmente ocorreu, e não em versões manipuladas.
2. Tomás de Aquino – Suma Teológica (II-II, q. 109–113)
Tomás trata da veracidade como virtude moral e fundamento das relações sociais. A noção de “verdade como adequação da mente ao real” (veritas est adaequatio intellectus et rei) sustenta que a justiça jurídica só existe enquanto aderente aos fatos — o que exige documentação quando o poder se afastou da verdade.
3. Hans Kelsen – Teoria Pura do Direito
Embora defendendo uma teoria formalista e descritiva, Kelsen mostra, pela via negativa, que afastar a verdade da norma deixa o sistema vulnerável à manipulação. Sua obra é útil para compreender por que a ausência de critérios substantivos abre espaço para decisões arbitrárias.
4. Lon L. Fuller – The Morality of Law
Fuller demonstra que o Direito só é efetivo quando está em conformidade com princípios internos de moralidade (clareza, não retroatividade, coerência). Quando esses princípios são desrespeitados, o sistema perde legitimidade, exigindo que o indivíduo documente seus atos para se proteger de interpretações distorcidas.
5. Vittorio Poccetti – A Prova no Processo Civil (ou obras de autores brasileiros equivalentes)
Autores que tratam da metodologia probatória explicam a importância da documentação para assegurar a narrativa fática no processo. O conceito de ônus da prova ganha grande relevância aqui, pois documentar é antecipar possíveis distorções.
6. Olavo de Carvalho – O Mínimo que Você Precisa Saber para não Ser um Idiota
Embora focado em crítica cultural e filosófica, Olavo enfatiza a necessidade moral de aderir à verdade contra as estruturas sociais que operam pela conveniência. Essa perspectiva reforça a ideia de que documentar é um ato de resistência moral e de preservação da liberdade.
7. Eric Voegelin – The New Science of Politics
Voegelin descreve como regimes modernos rompem com a verdade e criam “segundas realidades” ideológicas. Documentar atos públicos impede que a vida concreta seja absorvida por essas ficções políticas impostas pelo poder.
8. Hannah Arendt – A Mentira na Política e A Condição Humana
Arendt analisa os efeitos devastadores da mentira institucionalizada e da fabricação de narrativas. A documentação, nesse contexto, é uma forma de restaurar a realidade contra distorções sistemáticas, preservando a esfera pública como lugar da verdade.
9. Mircea Eliade – O Sagrado e o Profano
Embora não jurídico, Eliade fundamenta a ideia da verdade enquanto eixo ontológico da existência. Documentar atos públicos pode ser visto, à luz dessa perspectiva, como uma forma de manter o vínculo com o real — o que tem valor moral e espiritual.
10. Pierre Manent – A Cidade Ocidental
Manent destaca como a tradição ocidental depende de instituições que respeitam a verdade e a responsabilidade. Quando isso falha, o indivíduo precisa se apoiar em meios próprios para garantir que sua liberdade não seja injustamente limitada — entre eles, a documentação rigorosa.
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