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quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

A nação, o Estado e o sentido: entre o sistema nacional de economia política, o historicismo alemão e a epifania da fronteira

1. Introdução

A tradição intelectual que articula a ideia de nação como sistema nacional de economia política – especialmente em Friedrich List – foi decisiva para a formação dos Estados modernos tardios. Ela unifica cultura, economia, história e Estado numa síntese orgânica orientada à maturação das capacidades produtivas de um povo. Quando essa síntese se encontra com duas correntes alemãs — o historicismo e a geopolítica —, obtém-se uma arquitetura teórica poderosa, capaz de orientar projetos nacionais de longo prazo.

Entretanto, essa articulação possui uma fragilidade profunda: ao tentar conferir à nação um sentido último e imanente, ela colide com a realidade espiritual da existência humana. A nação, o Estado e a história podem explicar funções, mas não podem conferir sentido último. E o vazio de sentido, como demonstra Viktor Frankl, é insuportável. O homem suporta dor, perda e sofrimento, mas não suporta a falta de sentido.

Este artigo demonstra como a absolutização estatal-historicista da nação conduz à perversão interna (especialmente sob a forma de protecionismos degenerados e classes ociosas) e ao colapso externo quando encontra a fronteira, que revela a alteridade real e quebra a autossuficiência ideológica. A fronteira – tanto espacial quanto existencial – torna evidente que somente a dimensão da eternidade pode conferir um fundamento sólido à vida humana e às nações.

2. A nação como sistema nacional de economia política

A proposta listiana concebe a nação como sujeito econômico e cultural, cuja tarefa é tornar-se capaz de competir internacionalmente após período de proteção educadora. A nação é vista como um organismo, crescendo em direção à maturidade industrial e civilizacional.

Essa visão se opõe ao cosmopolitismo liberal, mas carrega um risco: aquilo que deveria ser proteção temporária para a maturação pode transformar-se em privilégio permanente, criando corporações rentistas sem responsabilidade civilizatória.

O mecanismo é simples:

  • inicialmente o Estado protege;

  • depois o setor protegido se fortalece politicamente;

  • então impede qualquer tentativa de retirada da proteção;

  • e finalmente se torna parasitário, drenando recursos nacionais.

É nessa fase que a nação, em vez de um sistema de capacidades produtivas, transforma-se em um sistema de distribuição de privilégios.

3. O protecionismo degenerado e a formação de classes ociosas

Thorstein Veblen descreveu de forma magistral a formação da classe ociosa: grupos sociais protegidos da competição econômica real tendem à improdutividade, ao exibicionismo e ao consumo simbólico. Quando a proteção econômica se institucionaliza, nasce um segmento social que mantém status sem produzir valor.

A classe artística contemporânea em muitos países exemplifica essa degeneração. Beneficiada por incentivos, prêmios, editais, isenções, e protegida pela retórica cultural, grande parte de sua atuação deslocou-se da arte para a ideologia. Não apenas se tornou economicamente improdutiva, mas também passou a erodir a formação simbólica da própria nação que a sustenta.

Do ponto de vista geopolítico, isso significa que um setor estratégico da cultura nacional torna-se inimigo interno: uma corporação que transmite desordem moral, fragmentação simbólica e subjetividade ideologizada em vez de produzir arte, beleza e coesão civilizatória.

4. O historicismo como caminho para o abismo

O historicismo alemão — de Ranke a Roscher, Hildebrand e Knies — parte da premissa de que a história possui uma racionalidade interna, quase orgânica. A economia, o Estado e a cultura seriam expressões desse desenvolvimento.

Mas se a história é critério de legitimidade, então tudo que acontece é, de alguma forma, “correto”. E isso abre espaço para aberrações:

  • o Estado pode legitimar qualquer ação em nome da história;

  • a nação pode redefinir sua identidade arbitrariamente;

  • o socialismo de nação surge como consequência lógica: tudo no Estado, nada fora do Estado.

O historicismo imanentiza o sentido da história. Mas o sentido último não pode ser encontrado na história — apenas na eternidade. A absolutização da história termina em colapso moral.

5. A geopolítica de Haushofer e o imperativo da pan-ideia

Karl Haushofer, com sua geopolítica das pan-ideias, reforça o organicismo nacional ao vincular economia, cultura e Estado à expansão territorial. A nação teria um destino geográfico inscrito no espaço vital (Lebensraum). Essa visão produz coerência estratégica, mas falha ao ignorar o caráter moral da ação humana e ao reduzir a identidade nacional à função espacial.

Quando unidas — List, historicismo e Haushofer — essas correntes formam um bloco poderoso, porém insuficiente. A coesão que fornecem é funcional, não moral. Sem transcendência, tornam-se máquinas de poder.

6. A fronteira como ruptura: Turner, Royce e a epifania da alteridade

A nação que se absolutiza inevitavelmente encontra uma fronteira. E a fronteira tem um significado muito mais profundo do que o de mera linha territorial.

6.1. Frederick Jackson Turner e a fronteira como gênese de identidade

Turner demonstrou que a fronteira americana produziu um dinamismo peculiar: encontro com o desconhecido, adaptação, iniciativa, superação. A fronteira forja identidade por ruptura, não por fechamento.

6.2. Josiah Royce e a lealdade como fundamento moral

Royce afirma que a comunidade verdadeira nasce quando há lealdade a uma causa que transcende o ego. Sem essa transcendência, nenhuma nação pode suportar-se moralmente. A fronteira obriga a nação a descobrir se seu fundamento é apenas histórico-geopolítico ou se possui um eixo moral superior.

6.3. A fronteira como revelação do outro

A fronteira desmascara a imanência: ela revela que existe um outro — outra cultura, outro povo, outro valor, outra verdade. Enquanto o Estado tenta encobrir a alteridade, a fronteira a expõe. O mito totalizante da nação se rompe.

A fronteira, portanto, não é apenas limite territorial; é limite espiritual, é o lugar onde o homem descobre que há realidade além de suas narrativas.

7. A epifania existencial: Viktor Frankl e o sentido

Quando uma ordem estatal-historicista encontra a fronteira e se confronta com a alteridade, ocorre uma epifania: o reconhecimento de que aquele sistema não oferece sentido último.

Viktor Frankl demonstra que o homem suporta:

  • dor,

  • escassez,

  • sacrifício,

  • sofrimento,

  • limite,

  • perda.

Mas não suporta a falta de sentido.

E o sentido não vem do Estado, nem da história, nem da nação, nem da economia. O sentido vem sempre de algo que transcende o indivíduo e a ordem política — e, para Frankl, esse fundamento último é Deus, o Criador.

Portanto:

  • O protecionismo degenerado não faz sentido.

  • O historicismo absoluto não faz sentido.

  • A geopolítica sem moral não faz sentido.

  • A classe ociosa ideologizada não faz sentido.

  • O Estado totalizante não faz sentido.

  • A nação absolutizada não faz sentido.

Quando confrontado com a fronteira e com a falta de transcendência, o sistema colapsa diante da eternidade.

8. O horizonte da eternidade como critério último

Somente a eternidade — ou seja, o fundamento transcendente da vida humana — é capaz de conferir estabilidade moral a uma nação. E somente quando a nação reconhece esse horizonte é que pode evitar:

  • estatização total;

  • degeneração cultural;

  • parasitismo econômico;

  • ideologização da arte;

  • absolutização da história;

  • geopolítica sem ética.

A fronteira revela que o homem pertence a um mundo maior do que o Estado, maior do que a história e maior do que a nação. E, portanto, toda ordem política que pretenda substituir a transcendência está condenada a sucumbir.

Bibliografia Comentada (atualizada e expandida)

Economia Política Nacional

Friedrich List – The National System of Political Economy (1841)
Clássico fundador do nacionalismo econômico. Essencial para compreender o protecionismo educador e suas tensões internas.

Alexander Hamilton – Report on Manufactures (1791)
Precursor americano do protecionismo produtivo. Relevante para comparar com List e para entender a ética produtiva da fronteira.

Historicismo e Filosofia da História

Leopold von Ranke – Geschichten der romanischen und germanischen Völker
Base metodológica do historicismo. Importante para detectar os limites do historicismo como critério último de verdade.

Johann Gustav Droysen – Historik
Fundamenta a ideia de que interpretação histórica é estrutural. Ajuda a entender como o Estado se infiltra na narrativa histórica.

Reinhart Koselleck – Critique and Crisis
Analisa como narrativas históricas legitimam projetos de poder. Mostra o risco de absolutizar o Estado como sentido da história.

Geopolítica Alemã

Karl Haushofer – Geopolitik der Pan-Idee (1931)
Obra principal sobre blocos civilizacionais. Mostra o encaixe teórico entre geopolítica e economia nacional.

Karl Haushofer – Bausteine zur Geopolitik
Síntese precisa da geopolítica alemã. Útil para entender os limites éticos de sua abordagem.

Cultura, Classe Ociosa e Crítica Social

Thorstein Veblen – The Theory of the Leisure Class (1899)
Análise seminal da degeneração de grupos protegidos. Fundamenta a crítica à classe artística enquanto setor improdutivo.

Roger Scruton – Culture Counts
Excelente para entender a erosão cultural causada por elites simbólicas ideologizadas.

Psicologia Existencial e Sentido

Viktor Frankl – Man’s Search for Meaning
Obra indispensável. Explica porque nenhum sistema imanente pode sustentar a vida humana.

América, Fronteira e Sentido

Frederick Jackson Turner – The Frontier in American History
Referência obrigatória sobre o papel civilizacional da fronteira.

Josiah Royce – The Philosophy of Loyalty
Introduz a noção de lealdade como fundamento moral superior às identidades meramente históricas.

Teologia e Ordem Moral

Eric Voegelin – The New Science of Politics
Demonstra como ideologias modernas substituem a transcendência por narrativas políticas.

Christopher Dawson – Dynamics of World History
Mostra que civilizações desmoronam quando perdem seu fundamento espiritual.

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