A nacionalidade é um dos pilares da personalidade jurídica no plano internacional. Ela define o vínculo político-jurídico entre o indivíduo e o Estado, permitindo a participação na comunidade política e a fruição de direitos fundamentais. No caso brasileiro, a Constituição Federal distingue com precisão brasileiros natos e brasileiros naturalizados, atribuindo à primeira categoria prerrogativas específicas. Entre os brasileiros natos, figura um grupo cuja inserção sempre despertou debates doutrinários: os nascidos no exterior, filhos de pai ou mãe brasileiros, que venham a residir no país antes da maioridade e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira.
Este instituto, conhecido como nacionalidade por opção, revela muito sobre a concepção constitucional brasileira de pertencimento e de continuidade da comunidade política. Longe de ser um artifício derivado de naturalização, ele integra os indivíduos desde a origem como membros da comunidade nacional. A seguir, analisamos seu fundamento constitucional, suas implicações e sua relação com a teoria geral da nacionalidade.
1. Fundamento Constitucional
O dispositivo-chave é o art. 12, I, “c”, da Constituição Federal, que estabelece:
São brasileiros natos:
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira.
A redação evidencia duas características essenciais:
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A filiação a brasileiro (jus sanguinis).
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A residência no Brasil antes da maioridade, indicando integração à comunidade política.
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A necessidade de opção formal, realizada a qualquer tempo.
Duas observações são necessárias:
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O texto constitucional não utiliza o termo naturalização, mas sim opção.
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A condição de nato está expressamente afirmada, o que elimina qualquer possibilidade interpretativa de equiparação ao naturalizado.
A Constituição, portanto, não cria uma nacionalidade derivada, mas apenas exige um ato confirmatório para ativar uma nacionalidade originária.
2. A natureza jurídica da opção
A opção não cria a nacionalidade — ela a reconhece.
Trata-se de um ato declaratório, e não constitutivo. O fundamento da nacionalidade do optante é a filiação (pelo sangue) e sua integração material ao Estado brasileiro mediante residência. A manifestação de vontade serve apenas como meio formal de confirmação desse vínculo.
Essa interpretação é dominante na doutrina constitucional e foi reforçada pela Emenda Constitucional 54/2007, que ampliou a proteção aos nascidos no exterior, tornando mais claro o caráter originário da nacionalidade.
3. O procedimento da opção
Após a Lei 13.445/2017 (Lei de Migração), o procedimento passou a ser mais simples e administrativo. A opção pode ocorrer:
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No cartório de registro civil (para menores ou maiores), ou
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Direto perante autoridade competente (se o registro originário não existia).
Para maiores de idade, a opção é feita pessoalmente; para menores, pelos responsáveis.
O ato é inscrito no registro civil brasileiro e produz efeitos imediatos.
4. Consequências Jurídicas da nacionalidade por opção
Porque o optante é classificado constitucionalmente como brasileiro nato, ele possui direitos privativos dessa categoria, entre eles:
4.1. Inafastabilidade da nacionalidade
O optante não pode ser extraditado, exceto em hipóteses excepcionalíssimas previstas em tratados de reciprocidade — e mesmo assim com enorme controvérsia jurídica.
4.2. Acesso a cargos privativos de natos
Ele pode exercer:
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Presidência e Vice-Presidência da República
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Presidência da Câmara dos Deputados
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Presidência do Senado Federal
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Ministro do STF
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Carreira diplomática
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Oficial das Forças Armadas
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Ministro da Defesa
A nationalidade por opção não gera qualquer restrição.
4.3. Igualdade plena
O optante é tratado em igualdade total com qualquer brasileiro nato nascido em território nacional.
5. A questão histórica e a superação de controvérsias antigas
Antes de 2007, havia insegurança jurídica sobre duas situações:
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O registro diretamente no exterior, sem comparecer ao Brasil.
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A perda da nacionalidade se o indivíduo não viesse ao Brasil antes da maioridade.
A Emenda Constitucional 54/2007 resolveu ambos os problemas, reforçando:
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O caráter originário da nacionalidade;
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A possibilidade de opção “em qualquer tempo”;
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A regularização posterior por simples registro ou manifestação de vontade.
Desde então, tanto a jurisprudência quanto a doutrina convergem: trata-se de nacionalidade originária, e não de naturalização.
6. Consequências políticas e filosóficas
A nacionalidade por opção expressa uma visão de continuidade familiar e cultural, típica do constitucionalismo brasileiro:
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reconhece a centralidade da família como transmissora de identidade nacional;
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preserva vínculos comunitários apesar da migração;
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evita a fragmentação político-jurídica de famílias brasileiras que se deslocam ao exterior.
A exigência de residência e opção apenas garante que o indivíduo, de fato, se integre à sociedade brasileira, exercendo sua cidadania de forma consciente.
Conclusão
A nacionalidade por opção — conferida aos filhos de brasileiros nascidos no exterior e que venham ao Brasil antes da maioridade — não é uma forma derivada de aquisição de cidadania, mas sim o reconhecimento de uma nacionalidade originária, que coloca o indivíduo no rol dos brasileiros natos, com todas as prerrogativas associadas.
A Constituição de 1988 consolidou essa posição, e a evolução normativa subsequente pacificou qualquer dúvida remanescente.
Assim, do ponto de vista jurídico e constitucional, o optante não é naturalizado: é brasileiro nato em sentido pleno, com todos os direitos, proteções e qualificações próprias dos membros originários da comunidade política brasileira.
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