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sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Das associações civis de eleitores, das ligas eleitorais e da reconstrução da representação política

Introdução

A crise contemporânea da representação política não decorre apenas de desvios morais individuais, mas de um defeito estrutural: a dissociação entre o eleitor concreto e o mandatário público. O voto, isolado e episódico, passou a ser o único vínculo formal entre governantes e governados, enquanto a vida política real se organiza de modo permanente, coletivo e conflituoso. Este artigo propõe um modelo de reconstrução da representação a partir da sociedade civil organizada, tendo como eixos centrais as associações civis de eleitores e as ligas eleitorais, orientadas ao bem comum e fundadas, em última instância, na verdade que aperfeiçoa a liberdade, nos méritos de Cristo.

1. A associação civil de eleitores como fundamento da representação

A associação civil de eleitores é, juridicamente, uma pessoa jurídica de direito privado, constituída nos termos do direito civil, mas dotada de finalidade eminentemente política no sentido clássico: a ordenação racional da vida comum.

No interior dessa associação:

  • os problemas cotidianos do município, do estado e da nação são debatidos de modo contínuo;

  • forma-se um juízo político estável, não reduzido a impulsos momentâneos;

  • constrói-se um capital de confiança entre os associados.

Essa associação não substitui o eleitor, mas qualifica o eleitorado, transformando indivíduos dispersos em um corpo civil identificável. Trata-se de um espaço onde a liberdade não é entendida como mera escolha arbitrária, mas como capacidade de deliberar segundo a verdade e em vista do bem comum.

2. Representação pública e capital político

Quando uma associação civil de eleitores se manifesta publicamente — por exemplo, por meio de um abaixo-assinado declarando apoio a determinado candidato — ela não cria um direito eleitoral em sentido técnico, mas produz um título de legitimidade política.

Esse título:

  • é verificável;

  • está vinculado a um corpo real de eleitores;

  • e expressa uma confiança coletiva previamente formada.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a associação funciona como um repositório de capital político. O candidato apoiado passa a operar com crédito político antecipado, cuja validade depende da fidelidade ao programa, às deliberações e à confiança que lhe deram origem. A quebra desse vínculo não gera sanções jurídicas automáticas, mas produz consequências políticas reais: perda de reputação, retração de apoio e isolamento público.

3. O surgimento das ligas eleitorais

Do encontro daqueles que possuem condições reais de representar publicamente seus eleitores — isto é, pessoas investidas de legitimidade associativa — surgem as ligas eleitorais.

A liga eleitoral:

  • não é um partido político;

  • não é uma massa informal;

  • nem um movimento puramente ideológico.

Ela é uma instância de coordenação superior, formada pela convergência de representantes de diversas associações civis de eleitores. Seu objetivo é:

  • apontar caminhos políticos comuns;

  • ordenar estratégias eleitorais;

  • e articular a ação pública em vista do aperfeiçoamento da liberdade de muitos.

Essa liberdade não é concebida de modo abstrato ou individualista, mas:

  • nos méritos de Cristo,

  • orientada ao bem comum de todos,

  • com especial atenção aos cristãos necessitados que participam da condição eleitoral.

4. A mediação institucional das associações

As associações civis não são absorvidas pelas ligas eleitorais. Ao contrário, elas as fundamentam. A relação é de mediação, não de substituição.

Pode-se descrever a estrutura da seguinte forma:

  • a associação civil é o nível primário da representação, onde se forma o juízo político;

  • a liga eleitoral é o nível secundário de coordenação, onde esse juízo é articulado em escala mais ampla;

  • o mandato eletivo é o nível final de execução, condicionado moralmente pelos níveis anteriores.

Desse modo, a legitimidade não nasce no cargo, mas precede o cargo. A eleição deixa de ser um salto no escuro e passa a ser a ratificação pública de vínculos previamente constituídos.

5. Verdade, liberdade e bem comum

O eixo normativo desse modelo é a afirmação de que a verdade é o fundamento da liberdade. Sem verdade sobre o bem humano, a liberdade degenera em arbitrariedade; sem liberdade ordenada, a política se converte em técnica de dominação.

As associações civis e as ligas eleitorais, quando orientadas nos méritos de Cristo, funcionam como:

  • escolas de responsabilidade política;

  • barreiras contra o personalismo e o populismo;

  • e instrumentos de caridade política, especialmente em favor dos mais necessitados.

Não se trata de clericalizar a política, mas de reconhecer que toda ordem política pressupõe uma antropologia e uma moral, e que a negação explícita dessas bases não as elimina, apenas as corrompe.

Conclusão

A reconstrução da representação política exige mais do que reformas eleitorais pontuais. Ela requer a reconstituição de corpos intermediários vivos, capazes de formar juízo, conferir legitimidade e exigir responsabilidade.

As associações civis de eleitores e as ligas eleitorais oferecem um caminho institucional concreto para:

  • superar o isolamento do eleitor;

  • limitar a autonomia irresponsável do mandatário;

  • e restaurar a política como serviço ao bem comum.

Nesse modelo, a eleição não é o início da representação, mas seu coroamento. A legitimidade nasce na sociedade civil organizada, amadurece na deliberação coletiva e se projeta no Estado por meio de mandatos moralmente vinculados à verdade e à liberdade.

Se desejar, posso acrescentar uma bibliografia comentada, enquadrar o artigo no direito constitucional brasileiro ou traduzi-lo integralmente para o polonês ou para outra língua de seu interesse.

Bibliografia comentada

1. Representação política, corpos intermédios e sociedade civil

BURKE, Edmund. Speech to the Electors of Bristol (1774).
Texto clássico sobre representação como mandato de confiança, e não simples delegação mecânica da vontade. Burke fornece o fundamento teórico da ideia de que o representante responde moralmente a um corpo real de eleitores, e não a impulsos momentâneos.

TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América.
Análise seminal do papel das associações civis como condição de possibilidade da liberdade política. Tocqueville mostra que a democracia se degrada quando o indivíduo fica isolado entre o Estado e a massa.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social (leitura crítica).
Embora adverso ao modelo aqui proposto, Rousseau é útil como contraponto: sua noção de vontade geral abstrata ajuda a compreender os limites da representação direta sem mediações orgânicas.

2. Doutrina Social da Igreja e fundamento cristão da política

LEÃO XIII. Rerum Novarum.
Documento fundamental para compreender a legitimidade dos corpos intermediários, da associação livre e da ordenação da vida social ao bem comum. A encíclica fornece o arcabouço para pensar associações civis de eleitores como instituições morais legítimas.

PIO XI. Quadragesimo Anno.
Aprofunda o princípio da subsidiariedade, essencial para compreender por que a representação política não deve ser monopolizada pelo Estado nem dissolvida no individualismo.

JOÃO PAULO II. Centesimus Annus.
Importante para articular liberdade, verdade e responsabilidade social. A encíclica reforça a ideia de que a liberdade política se corrompe quando desvinculada de uma antropologia verdadeira.

BENTO XVI. Caritas in Veritate.
Introduz a noção de caridade política, particularmente relevante para o cuidado com os cristãos necessitados que participam da condição eleitoral.

3. Tradição brasileira: direito, política e representação

REGO, José Pedro Galvão de Sousa. Introdução à Teoria do Estado.
Autor central para pensar o Estado a partir da tradição clássica e cristã. Sua obra oferece instrumentos conceituais para compreender a legitimidade política como algo anterior ao aparato estatal.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito.
Útil para articular fato, valor e norma, especialmente na análise do papel das associações civis como fatos sociais juridicamente relevantes, ainda que não estatais.

VILLAÇA, Antônio Paim. Representação política e legitimidade.
Contribui para a crítica ao formalismo eleitoral e para a recuperação da ideia de representação como vínculo moral e histórico.

4. Tradição portuguesa: organicismo e bem comum

SALAZAR, António de Oliveira. Discursos e Notas Políticas (leitura histórica e crítica).
Independentemente de juízos sobre o regime, Salazar é relevante para compreender a defesa dos corpos orgânicos e da representação não atomizada da sociedade.

ANTÓNIO JOSÉ SARAIVA. A Cultura em Portugal.
Ajuda a contextualizar a tradição corporativa e associativa no mundo lusitano, fornecendo lastro histórico à ideia de mediações sociais fortes.

5. Tradição polonesa: solidariedade, nacionidade e comunidade

WOJTYŁA, Karol (João Paulo II). Pessoa e Ação.
Obra filosófica central para compreender a ação humana como ato moral e comunitário. Fundamenta a noção de liberdade ordenada à verdade.

KORAB-KARPOWICZ, W. J. Political Philosophy: An Introduction.
Filósofo político polonês contemporâneo que articula tradição clássica, cristã e política moderna, com ênfase na comunidade e no bem comum.

DZIELSKI, Mirosław. The Spirit of Solidarity.
Importante para compreender a experiência polonesa de organização civil e política fora do aparato estatal, especialmente no contexto do movimento Solidarność.

6. Fundamentos filosóficos clássicos

ARISTÓTELES. Política.
Base indispensável para a compreensão da política como ordenação da vida comum ao bem. A noção de koinonia ilumina o papel das associações civis.

TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica (especialmente I-II, questões sobre lei e bem comum).
Fornece o fundamento metafísico e moral da relação entre verdade, liberdade e lei, essencial para todo o argumento do artigo.

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