O empreendedorismo social, quando corretamente compreendido, não pode ser reduzido nem ao assistencialismo nem a uma extensão moralizante do Estado ou do mercado. Ele se funda numa realidade mais profunda: a de que o homem se santifica através do trabalho exercido em praça pública, isto é, no espaço comum onde a verdade dos atos pode ser verificada, julgada e reconhecida. Trata-se de livre iniciativa, não apenas no sentido econômico, mas no sentido espiritual e civilizacional do termo.
A praça pública — o square, a ágora, a praça — é simultaneamente lugar de encontro, de trabalho e de responsabilidade. É ali que o trabalho deixa de ser um ato privado e se torna um serviço visível, ordenado ao bem comum. O empreendedor social atua nesse espaço não como benfeitor distante, mas como trabalhador que assume riscos reais, organiza meios concretos e responde pelos efeitos de suas decisões. Essa responsabilidade pública distingue radicalmente o empreendedorismo social do assistencialismo, que frequentemente opera na lógica da dependência e da tutela.
A raiz dessa distinção é filosófica e moral: a verdade é o fundamento da liberdade. Onde a verdade sobre a realidade social, econômica e humana é reconhecida, a liberdade pode operar de modo criador. Onde ela é negada ou instrumentalizada, a liberdade degenera em arbitrariedade ou submissão. O empreendedorismo social autêntico nasce desse reconhecimento da verdade: há necessidades reais, há capacidades reais, há limites objetivos e há bens que podem ser produzidos sem violar a dignidade das pessoas envolvidas.
Santificar-se através do trabalho, nesse contexto, não significa espiritualizar artificialmente a atividade econômica, mas ordená-la corretamente. O empreendedor social submete sua inteligência, sua técnica e sua iniciativa à conformidade com a realidade, com a realiza de Cristo. Ele não promete o impossível, não vive de slogans, não se refugia em abstrações ideológicas. Seu trabalho é verificável, seus resultados são mensuráveis, e sua legitimidade decorre do serviço efetivamente prestado.
É nesse ponto que emerge a figura do homem de fronteira. Aquele que se santifica pelo trabalho verdadeiro adquire uma liberdade específica: ele deixa de estar preso ao determinismo geográfico. Não porque rejeite a terra concreta, mas porque passa a habitá-la de modo consciente e responsável. A fronteira, aqui, não é mera expansão territorial; é a capacidade de levar uma ordem interior — fundada na verdade, no trabalho e na responsabilidade — a diferentes contextos históricos, culturais e econômicos.
Servir a Cristo em terras distantes, nesse sentido, não é um projeto missionário abstrato nem uma fuga do mundo, mas a consequência natural de um trabalho que já nasce ordenado. O homem que se santifica através do trabalho em praça pública pode atravessar fronteiras porque carrega consigo um critério de ação estável. Ele não depende de subsídios morais externos nem de estruturas artificiais de proteção; sua autoridade deriva da obra que realiza.
Essa condição liberta o homem da prisão geográfica, entendida como submissão passiva às circunstâncias locais, às instituições decadentes ou às formas improdutivas de organização social. Tal libertação não se dá por ruptura revolucionária, mas por continuidade criadora. O empreendedor social constrói, conserva e amplia. Ele não destrói a ordem: ele a aperfeiçoa onde ela falhou, sempre a partir da realidade concreta.
Sob essa perspectiva, o empreendedorismo social aparece como uma forma elevada de trabalho humano: pública sem ser estatal, livre sem ser arbitrária, econômica sem ser reducionista, espiritual sem ser abstrata. Trata-se de um caminho de santificação que passa pela responsabilidade concreta, pela visibilidade dos atos e pela disposição de servir onde for necessário — inclusive além das fronteiras geográficas, culturais e mentais impostas pela modernidade burocrática.
Assim compreendido, o empreendedorismo social não é um modismo acadêmico nem uma técnica de gestão social. Ele é uma forma de vida ordenada, na qual a liberdade nasce da verdade, o trabalho se torna serviço e a fronteira deixa de ser prisão para se tornar missão.
Bibliografia comentada
PRASZKIER, Ryszard; NOWAK, Andrzej. Social Entrepreneurship: Theory and Practice. Cambridge: Cambridge University Press.
Obra central para a compreensão acadêmica do empreendedorismo social. Os autores articulam psicologia social, teoria organizacional e estudos empíricos para demonstrar que iniciativas sociais sustentáveis dependem de capital social, responsabilidade pública e inovação institucional. O livro é especialmente relevante por distinguir empreendedorismo social genuíno de assistencialismo e de iniciativas meramente retóricas, fornecendo critérios objetivos de avaliação de impacto e governança.
TURNER, Frederick Jackson. The Frontier in American History. New York: Henry Holt and Company.
Clássico da historiografia americana, fundamental para a compreensão do conceito de fronteira como espaço de formação moral, institucional e civilizacional. Embora situado no contexto dos Estados Unidos, o conceito de “fronteira” pode ser reinterpretado, à luz do trabalho e da responsabilidade, como condição daquele que não está preso ao determinismo geográfico, mas é capaz de levar uma ordem interior a novos contextos.
ROYCE, Josiah. The Philosophy of Loyalty. New York: Macmillan.
Obra filosófica que oferece um fundamento ético sólido para a ação social responsável. A lealdade, entendida como compromisso racional e duradouro com uma causa objetiva, fornece o critério moral que impede o empreendedor social de cair no voluntarismo ou no narcisismo moral. Trata-se de uma referência decisiva para compreender a dimensão espiritual do trabalho público.
WOJTYŁA, Karol. Pessoa e Ação. São Paulo: Paulus.
Texto fundamental para compreender o trabalho humano como ação moral e expressão da dignidade da pessoa. Wojtyła demonstra que a ação livre, quando orientada pela verdade, realiza o sujeito e o ordena ao bem comum. Essa obra fornece o alicerce antropológico para a noção de santificação pelo trabalho, sem reduzi-la a espiritualismo ou economicismo.
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, especialmente as questões sobre a lei natural e as virtudes morais.
Referência clássica para a compreensão da ordem moral objetiva, da relação entre verdade e liberdade e do papel das virtudes na vida social. A lei natural, em Tomás de Aquino, fornece o critério pelo qual o trabalho em praça pública pode ser avaliado como justo ou injusto, ordenado ou desordenado.
OLAVO DE CARVALHO. O Jardim das Aflições. São Paulo: Vide Editorial.
Obra ensaística que contribui para a compreensão da crise da modernidade, da perda do sentido de ordem e da necessidade de recuperar fundamentos espirituais e filosóficos para a ação pública. Embora não trate diretamente de empreendedorismo social, oferece instrumentos para discernir entre ação responsável e militância ideológica.
SILVEIRA, Sidney. Introdução à Filosofia Moral. São Paulo: Ecclesiae.
Texto de caráter didático que apresenta os fundamentos da moral clássica e sua aplicação à vida social. A obra é útil para compreender a distinção entre assistencialismo, justiça e caridade, bem como o papel do trabalho como meio ordinário de santificação.
SEN, Amartya. Development as Freedom. New York: Knopf.
Embora parta de pressupostos distintos dos autores clássicos, Sen contribui para o debate ao associar desenvolvimento à ampliação das capacidades reais das pessoas. A leitura crítica dessa obra permite distinguir entre liberdade fundada na verdade e liberdade meramente procedimental, enriquecendo o diálogo sobre empreendedorismo social.
NOWAK, Andrzej; PRASZKIER, Ryszard (orgs.). Social Psychology of Social Entrepreneurship. Berlin: Springer.
Complementa a obra principal ao aprofundar os mecanismos psicológicos e sociais que sustentam iniciativas de impacto duradouro. Útil para compreender como confiança, cooperação e pertencimento são construídos no espaço público por meio do trabalho responsável.
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