A postura de conservar sem restaurar — de manter o mínimo necessário para não enfrentar a fadiga da transformação — não é apenas um erro intelectual ou político. É, antes de tudo, uma manifestação da acídia, um dos pecados capitais mais negligenciados na modernidade.
A acídia, descrita pelos Padres do Deserto e sistematizada por São Tomás de Aquino, não é mera preguiça, mas tristeza diante do Bem divino, uma recusa interior a mover-se em direção à perfeição que Deus exige de cada alma. O acidioso não é somente o que deixa de agir, mas o que, quando age, o faz para evitar o chamado ao crescimento espiritual. Ele foge da elevação.
A conservação sem restauração como fuga da verdade
Aquele que conserva apenas o que lhe convém, sem se empenhar em restaurar o que é bom, justo e conforme ao Todo de Deus, está precisamente nesse movimento espiritual de fuga. Ele teme o trabalho, o esforço, a transformação exigida pela restauração — porque restaurar obriga a confrontar a verdade, abandonar vícios, superar comodidades e reordenar a vida segundo um bem maior.
Conservar sem restaurar, portanto, é uma estratégia de autoproteção:
manter o mundo suficientemente estável para não ter que mudar a si mesmo.
A acídia como imobilismo moral
A acídia se manifesta como:
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negligência do bem superior, por considerá-lo difícil demais;
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torpor diante da missão, por temer o esforço que Deus pede;
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apego ao estado atual, por comodidade e covardia espiritual.
Nessa chave, o “conservador acidioso” não é conservador de coisa nenhuma: é apenas imóvel, um guardião do mínimo vital, alguém que conserva a poeira em vez de restaurar o templo.
Ele evita o trabalho espiritual de recuperar o que foi perdido — valores, instituições, virtudes, formações culturais, estruturas familiares — porque isso exigiria sacrifício, disciplina e disposição para enfrentar o mal.
Restauração: antídoto contra a acídia
A restauração, ao contrário, é o ato espiritual de quem se nega a permanecer na letargia e escolhe responder ao chamado divino:
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erguer o que foi derrubado,
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curar o que foi ferido,
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iluminar o que foi escurecido,
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reconduzir a alma e a sociedade à conformidade com a verdade.
Restaura quem ama; conserva sem restaurar quem teme.
Por isso, os Padres do Deserto viam na acídia um pecado que paralisa a alma e a sociedade. Uma civilização dominada pela acídia conserva estruturas, mas perde a vida interior que as sustentava.
Conclusão
A conservação sem restauração é acídia porque:
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rejeita o chamado ao Bem superior,
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prefere a comodidade à verdade,
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renuncia a colaborar com a obra contínua de Deus no mundo.
Restaurar é, portanto, um dever moral e espiritual. Não restaurar é, em muitos casos, pecar por acídia — uma tristeza diante da grandeza divina que nos exige mais do que queremos dar.
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