Resumo
O presente artigo examina a superação inevitável da Escola Historicista Alemã a partir de suas próprias contradições internas, especialmente o relativismo metodológico e a instrumentalização da história como fundamento de políticas nacionais. Em seguida, articula-se uma alternativa cristocêntrica de compreensão histórica, na qual Cristo é o juiz de toda a História e, portanto, o critério de verdade que orienta a conservação, a crítica e a missão. Essa visão fundamenta o conceito de nacionidade cristã, que integra a “Lusitânia Histórica” à “Lusitânia Dispersa” por meio do serviço a Cristo em terras distantes, unificando as diversas circunstâncias culturais sem dissolvê-las nem absolutizá-las. O texto demonstra que essa abordagem configura uma nova forma de escola histórica, distinta tanto do nacionalismo moderno quanto do historicismo germânico.
1. Introdução
A Escola Historicista Alemã, predominante na segunda metade do século XIX, defendia que o conhecimento econômico e histórico era intrinsecamente relativo às circunstâncias particulares de cada povo e de cada Estado. Tal concepção negava a possibilidade de leis universais e subordinava a verdade histórica ao desenvolvimento nacional. Embora tenha sido contestada pela Escola Austríaca, a superação do historicismo não depende exclusivamente dela: suas inconsistências metodológicas e epistemológicas bastariam para conduzi-lo ao declínio.
A crítica contemporânea à noção de “comunidades imaginadas” e à “invenção das tradições” demonstra que narrativas históricas podem ser produzidas artificialmente conforme interesses contingentes, muitas vezes dissociadas da verdade objetiva. Nesse contexto, coloca-se a necessidade de um critério extrínseco, absoluto e transcendente que permita discernir o que deve ser conservado do que deve ser rejeitado. Tal critério, na tradição cristã, é Cristo, centro e juiz da História.
Inserido nessa perspectiva, o conceito de nacionidade cristã reinterpreta a unidade nacional não como construção imaginária nem como mero produto da continuidade histórica, mas como participação em um mesmo lar espiritual: Cristo. É sob esse prisma que se pode compreender a relação entre a “Lusitânia Histórica” e a “Lusitânia Dispersa”, isto é, entre a matriz cultural original e as comunidades lusitanas espalhadas pelo mundo.
2. As contradições internas da Escola Historicista Alemã
A Escola Historicista sustentava que cada povo deveria ser estudado segundo suas “leis nacionais”, negando validade universal a princípios econômicos e históricos. Isso gerava três problemas fundamentais:
2.1. Relativismo epistemológico
Sem leis gerais, todo conhecimento torna-se contingente. A história passa a ser uma narrativa moldada exclusivamente pelo percurso de cada povo, podendo facilmente justificar qualquer direção, inclusive a imoral e destrutiva. O historicismo perde sua capacidade de distinguir verdade e erro.
2.2. Instrumentalização política da história
A noção de que o Estado é a expressão mais elevada da comunidade histórica permite ao governante moldar tradições conforme sua conveniência. A crítica contemporânea à invenção das tradições confirma essa vulnerabilidade: se a história pode ser inventada, ela pode ser manipulada.
2.3. Dissociação entre história e verdade moral
Ao privilegiar a continuidade histórica em detrimento da moral, o historicismo submete a ética ao movimento dos fatos. O resultado é a legitimação do poder pelo simples fato de existir, independentemente de sua conformidade com a verdade ou com o bem.
Essas contradições conduziriam à sua superação, independentemente da existência da Escola Austríaca.
3. O problema da conservação do que convém: história como instrumento
Quando a verdade deixa de ser critério superior à experiência histórica, abre-se espaço para que tradições sejam preservadas apenas por conveniência política ou cultural. Isso resulta em uma visão da história como repositório de ferramentas, e não como revelação progressiva da verdade. A seletividade arbitrária das tradições cultiva comunidades imaginadas e identidades artificiais, que se sustentam não na realidade, mas em construções discursivas.
A história torna-se um mecanismo de legitimação: conserva-se aquilo que é útil, ainda que falso; elimina-se o que é inconveniente, ainda que verdadeiro. Esse é o risco inerente a qualquer historiografia desvinculada de um princípio transcendente.
4. Cristo como juiz da História: fundamento de uma historiografia cristocêntrica
A perspectiva cristã opera com um critério universal e objetivo: Cristo como Logos encarnado e juiz de toda a História. Isso implica:
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A história não é autossuficiente; é interpretada à luz da verdade revelada.
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Tradições só são legítimas se estiverem em conformidade com Cristo.
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A continuidade histórica não é critério absoluto: o discernimento moral é superior à mera sucessão temporal.
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A unidade dos povos não é construída artificialmente, mas radicada no pertencimento comum ao Corpo de Cristo.
Essa visão não relativiza as culturas, mas as integra em uma ordem superior.
5. A nacionidade cristã: unidade da Lusitânia Histórica e da Lusitânia Dispersa
O conceito de nacionidade cristã articula uma síntese entre universalidade e particularidade. Seus elementos fundamentais são:
5.1. A missão como princípio de unidade
Tomar vários países como um mesmo lar em Cristo implica que a identidade se projeta para além das fronteiras nacionais, sem negá-las. A comunidade cristã se organiza segundo uma lógica missionária: servir a Cristo implica levar a sua verdade a terras distantes.
5.2. A integração das circunstâncias culturais
Cada povo possui circunstâncias históricas particulares que devem ser compreendidas, respeitadas e integradas à missão cristã. Aqui, a noção de circunstância não é relativista, mas contextualizadora: a verdade é universal, mas sua recepção é encarnada.
5.3. A unidade da Lusitânia
A “Lusitânia Histórica” designa a origem cultural e espiritual; a “Lusitânia Dispersa” refere-se à diáspora lusitana distribuída pelo mundo. A integração de ambas depende da capacidade de reconhecer:
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uma raiz comum,
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uma missão compartilhada,
-
uma verdade superior que unifica sem nivelar,
-
uma moral objetiva que orienta a conservação e a crítica da própria tradição.
Esse processo caracteriza uma nova forma de escola histórica.
6. Conclusão: uma nova escola histórica cristocêntrica
A crítica ao historicismo alemão demonstra que a história, sem um critério transcendente, pode ser facilmente desviada para justificar qualquer projeto, inclusive destrutivo. A perspectiva cristocêntrica, ao contrário, estabelece Cristo como fundamento da unidade histórica, critério da verdade e juiz último da humanidade.
A nacionidade cristã integra universalidade e particularidade, servindo de ponte entre a Lusitânia Histórica e a Lusitânia Dispersa. Essa visão supera tanto o nacionalismo moderno quanto o relativismo historicista, inaugurando uma nova forma de historiografia, na qual:
-
a verdade é superior à tradição,
-
a missão é superior ao território,
-
e Cristo unifica o que o tempo dispersa.
Essa é, efetivamente, uma nova escola histórica.
Bibliografia Comentada
1. Filosofia da História e Crítica ao Historicismo
Ranke, Leopold von. História dos Povos e Estados da Europa.
Ranke é o fundador do historicismo moderno e da ideia de que cada época é imediata a Deus. Sua obra permite compreender por que o historicismo alemão conferiu centralidade às circunstâncias particulares dos povos. Serve como referência para entender o método que, mais tarde, seria criticado pela perspectiva cristocêntrica proposta no artigo.
Dilthey, Wilhelm. Introdução às Ciências do Espírito.
Dilthey aprofunda o historicismo ao definir o método compreensivo próprio das ciências humanas. Sua defesa da historicidade radical das formas de vida mostra a raiz do relativismo epistemológico que inviabiliza critérios universais de verdade — exatamente a crítica central desenvolvida no texto.
Hobsbawm, Eric; Ranger, Terence. A Invenção das Tradições.
Obra essencial para compreender como tradições podem ser artificialmente construídas por elites políticas e culturais para fins de unidade ou legitimidade. Fundamenta a crítica de que a história pode ser instrumentalizada e dissociada da verdade, servindo como justificativa para identidades imaginadas.
Anderson, Benedict. Comunidades Imaginadas.
Clássico indispensável para entender a formação moderna das identidades nacionais. Sua tese de que a nação é uma construção imaginada mostra o risco de manipulação histórica denunciado no artigo. Permite comparar o nacionalismo moderno com a proposta de nacionidade cristã.
2. Teologia e Filosofia Cristã da História
Agostinho, Santo. A Cidade de Deus.
A obra fundamental para qualquer reflexão cristã sobre a história. Agostinho demonstra que a história só pode ser interpretada corretamente quando submetida ao critério de Deus. É a base clássica da afirmação feita no artigo: Cristo é o juiz da história e o critério superior à sucessão dos tempos.
Tomás de Aquino. Suma Teológica.
Especialmente as partes sobre lei natural, providência e ordem da criação. A visão de Tomás fornece o alicerce metafísico para a ideia de que tradições só são legítimas se estiverem em conformidade com a verdade moral objetiva. Essencial para o discernimento entre conservação e rejeição de práticas culturais.
Christopher Dawson. Dynamics of World History.
Dawson é o maior historiador católico do século XX. Ele interpreta a história das civilizações à luz da religião como força geradora de cultura. Sua abordagem confirma o argumento de que identidades nacionais apenas se sustentam de modo saudável quando subordinadas a um princípio espiritual superior.
Joseph Ratzinger (Bento XVI). Introdução ao Cristianismo.
Parte importante para entender como a fé cristã estrutura a compreensão da realidade, da pessoa humana e da comunidade. Oferece uma base antropológica e teológica para a visão de unidade entre povos na verdade de Cristo, conforme exposto no artigo.
Olivier Clément. A Igreja, Ícone da Trindade.
Clément trabalha a ideia da catolicidade como unidade na diversidade. Sua visão reforça o conceito de nacionidade cristã, que integra povos diferentes sem suprimir suas circunstâncias culturais.
3. Teorias da Nação, Identidade e Comunidade
Ortega y Gasset, José. Meditaciones del Quijote.
A noção orteguiana de “yo soy yo y mi circunstancia” é fundamental para compreender a importância da circunstância cultural que o artigo retoma — mas superando seu relativismo pela integração cristocêntrica. Serve de contraponto filosófico para entender como circunstância e verdade podem dialogar sem ruptura.
Renan, Ernest. O que é uma Nação?
Renan define a nação como “plebiscito contínuo”, com ênfase na vontade comum e no passado compartilhado. Sua obra permite contrastar o nacionalismo moderno com a proposta cristã, que não se funda na vontade popular, mas em Cristo como centro de unidade.
Anthony Smith. The Ethnic Origins of Nations.
Smith demonstra que identidades nacionais modernas reprocessam elementos míticos e religiosos antigos. Sua análise é útil para entender como tradições podem ser preservadas legitimamente — ou manipuladas — e para distinguir essa dinâmica da unidade espiritual cristã
4. Missão Cristã, Universalidade e Inculturação
John Paul II (São João Paulo II). Redemptoris Missio.
A encíclica sobre a missão apresenta a visão cristã de universalidade: servir a Cristo em todas as terras, respeitando e integrando as culturas locais. É diretamente aplicável ao conceito de Lusitânia Dispersa e à necessidade de unir culturas sob Cristo, não sob etnicidade.
Henri de Lubac. Catolicismo: Aspectos Sociais do Dogma.
De Lubac demonstra que o cristianismo cria comunhão objetiva, não sentimental. Sua visão dá fundamento teológico à tese de que a verdadeira unidade entre povos deriva da participação no Corpo de Cristo.
Charles Taylor. Sources of the Self.
Embora não teológico, Taylor mostra como a identidade moderna depende de fontes morais profundas. O livro ajuda a explicar a fragilidade de identidades nacionais secularizadas e a necessidade de um fundamento transcendente, conforme argumentado no artigo.
5. Economia e Crítica ao Historicismo Alemão
Carl Menger. Principles of Economics.
Obra crucial para entender o Methodenstreit, a disputa metodológica entre Menger e a Escola Histórica Alemã. Ainda que o artigo sustente que o historicismo seria superado mesmo sem Menger, sua crítica demonstra a insuficiência do relativismo epistemológico. É leitura indispensável.
F. A. Hayek. The Counter-Revolution of Science.
Hayek apresenta a crítica mais sistemática ao cientificismo e ao historicismo como métodos que tentam encapsular a verdade em esquemas artificiais. Conecta-se diretamente à crítica feita no artigo à manipulação histórica e às tradições inventadas.
6. Cultura, Lusofonia e Unidade Espiritual
Gilberto Freyre. Casa-Grande & Senzala.
Freyre interpreta a expansão lusitana como abertura ao outro e como formação de uma cultura do encontro. Sua obra, embora não teológica, oferece insights sobre o dinamismo da “Lusitânia Dispersa” e a plasticidade cultural do mundo lusófono.
Jaime Cortesão. Os Descobrimentos Portugueses.
Cortesão apresenta a expansão portuguesa como movimento espiritual e civilizacional. Sua obra aproxima-se da perspectiva cristocêntrica do artigo: a missão precede a mera expansão econômica ou política.
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